A propósito da minha filha, um
dia desses, comentar à mesa com os filhotes, meus netos, de que quando era
criança e que ia passar parte das férias estivais, ou fins-de- semana ao
Tarrafal, ela e mais outras crianças, amigas da altura, não puderem entrar,
nadar, ou tomar banho na pequena praia, (ao lado da grande praia) da Vila do
Tarrafal, uma enseada segura para crianças, e que só para lá entrou depois de
1990, ano da abertura democrática em Cabo Verde, lembrei-me que por cá nas
ilhas, vamos tendo paulatinamente e de modo sub-reptício, os nossos “apagões”
históricos muito bem urdidos e realizados.
É bom não esquecer esta data na História das
ilhas, pois o que querem é exactamente, riscá-la também do nosso calendário
histórico.
Mas antes, e voltando à dita
praia no Tarrafal, esta era chamada, imagine-se! “Praia do Presidente”, só o
Presidente da República à época, é que a frequentava. Seguramente ele mais a
família dele.
Era uma praia vigiada por
militares com um grande cordão à volta quando lá estava o Presidente e vedada
ao público.
Pois é, era assim, e se a
memória não me trai por todas as ilhas, havia uma parcela com acesso exclusivo,
geralmente a melhor situada, com casa e/ou com praia, para o então Presidente
da República da 1ª República (1975 – 1990). Como se fosse herdeiro de alguma
coisa...
Igualmente, na mesma linha de
separação do cidadão comum em que eles (os governantes, a classe política de
então) viviam, o praiense deixou de ter acesso ao melhor miradouro da pequena
urbe, da capital do país, o Miradouro Diogo Gomes, de onde se desfruta uma
paisagem marítima lindíssima e de saudosa memória dos praienses!
E porquê? Porque situado ao
lado do palácio presidencial. Vigiado por tropa, como se estivessemos em país
que tivesse conhecido ou experimentado a guerra. Felizmente que cá nunca a
houve, por que se não, não sei com viveríamos depois da independência com o que
para nós parecia já excessos de segurança dos senhores vindos de Conacry.
Os governantes de Cabo Verde
na altura, imitavam - no seu pior - os seus congéneres do continente africano
Só que como pobres imitadores, não passavam de alguns tiques bem folclóricos...
E apenas com o advento da II República, esta
trazida pelas eleições livres de 13 de Janeiro de 1991 com a eleição (sufrágio
directo e universal) do MPD e do Presidente da República, houve ordens
expressas e imediatas para pôr fim às coutadas presidenciais e que se
devolvesse o miradouro aos seus legítimos donos, ou seja, ao cidadão praiense,
e aos seus visitantes para que dele usufruíssem.
Serão pequenos nada, dir-me-ão
alguns. De acordo, responderei. Mas também de pequenos nada se faz a História.
E este “nada” não é tão negligenciável como pode parecer. Numa época em que até
havia polícia política – hoje os seus mentores são todos grandes democratas –
para coarctar e reprimir o bem mais precioso do Homem – a liberdade – o mais
“inocente” gesto ou palavra poderia conduzir a consequências desastrosas para o
seu autor e família. Quando para se sair do País era necessária a famigerada
“autorização de saída” até o “exílio” era condicionado…
Por isso sempre direi que será sempre, sempre
bom recordar que antes de 1990, Cabo Verde não tinha conhecido nem vivia em liberdade
e muito menos em liberdade política. Ondina
Ferreira – Cabo Verde in “coral-vermelho.blogspot”
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