Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Suíça - Descendentes de emigrantes exigem passaporte suíço

O direito à cidadania suíça é baseado no princípio da origem, sendo também herdado por quem nasce no exterior. Apesar disso, milhares de descendentes de cidadãos suíços que deixaram o país acabaram perdendo a sua nacionalidade. Uma petição quer mudar isso agora



Dylan Kunz, 23 anos, é descendente de emigrantes suíços. No século 19, os seus bisavós suíços emigraram dos cantões de Solothurn e da Turgóvia para a Argentina. Os seus avós eram cidadãos suíços e quatro dos seus cinco tios também são suíços. O seu pai Ruben e ele próprio, contudo, não são suíços. O seu pai, sem saber, perdeu a cidadania por não ter estado atento aos prazos exigidos para mantê-la.

Somente em 2021, quando o pai de 63 anos entrou em contato por e-mail com a Embaixada da Suíça em Buenos Aires, é que a família recebeu a informação de que ele não seria cidadão suíço. “Foi uma decepção enorme para toda a família e especialmente para o meu pai, pois ele passou a vida inteira a acreditar ser suíço”, conta Dylan. Entender que não era bem assim foi uma situação um pouco embaraçosa: “O meu pai e eu sempre dizíamos que a ‘a Suíça é o melhor país do mundo e que éramos suíços”, relata.

O registo do nascimento nunca chegou à Embaixada

A família Kunz sempre partiu do princípio de que Ruben, pai de Dylan, da mesma forma que os seus irmãos mais velhos, teria sido registado na Embaixada da Suíça na Argentina dentro do prazo regular. No entanto, em 1958, por ocasião do nascimento de Ruben, numa época na qual não havia e-mails, o correio argentino transportava as correspondências em parte por cavalos e carroças, não sendo, portanto, totalmente confiável. Os comunicados do nascimento de Ruben Kunz, bem como de um dos seus irmãos, registado na mesma época, não chegaram à Embaixada suíça, como concluiu a família decepcionada.

A legislação suíça determina que se uma pessoa não for registada na representação diplomática do país nem estiver inscrita no registro civil oficial até aos 25 anos de idade (em 1958, vigorava ainda o limite de 22 anos), ela perderá a cidadania. Esse foi o caso de Ruben Kunz em 1980, quando completou 22 anos.

Depois disso, ele poderia, teoricamente, dentro de um prazo de dez anos, ter entrado com um requerimento para ser novamente naturalizado. Essa oportunidade foi, porém, também perdida – visto que Ruben sempre partiu do princípio de que seria suíço. Hoje, ele tem apenas uma opção, caso queira naturalizar-se novamente: viver permanentemente na Suíça durante três anos. Isso, contudo, não é uma hipótese realista: “Para muitos de nós, que vivemos na Argentina, esse caminho é financeiramente impossível, além de que seria difícil poder trabalhar na Suíça do ponto de vista do direito de permanência”, diz Dylan.

Quando a cadeia é interrompida

Diante disso, o passaporte suíço é negado não apenas ao pai de Dylan, mas também aos seus descendentes. “Há aqui uma dependência em cadeia”, diz Barbara von Rütte, especialista em Direito Civil. Quando a cadeia é interrompida, torna-se cada vez mais difícil reaver a cidadania suíça. “Quanto mais próximo o momento da perda, maior a probabilidade de recuperar a nacionalidade”, explica.

O caso de Ruben e Dylan Kunz não é único. Nas últimas décadas, milhares de descendentes de emigrantes suíços devem ter tido o mesmo destino. “O Direito Civil suíço é muito marcado pelo princípio do jus sanguinis”, diz Von Rütte. Isso significa que a cidadania é transmitida por origem, não importando qual o local de nascimento da pessoa em questão. “A lei estipula que a cidadania suíça pode ser transmitida de geração em geração, quando a solicitação é feita”, alerta a especialista.

Um grande número de descendentes de emigrantes suíços considera os requisitos de transmissão da cidadania suíça muito rigorosos. Por isso, um coletivo, que tem Dylan Kunz à frente, lançou uma petição e colheu assinaturas de cerca de 110 cidadãos suíços e suíças no exterior, bem como de 11.500 descendentes de emigrantes suíços. O documento foi encaminhado ao Parlamento em julho de 2024.

“Nós, descendentes, somos discriminados”

“Pedimos ao Parlamento que reveja e reforme a lei que regulamenta a cidadania suíça, para que os descendentes de suíços no exterior até à quinta geração possam requerer a nacionalidade com mais facilidade. Essa reforma deve simplificar os procedimentos e reduzir as exigências burocráticas”, consta do texto da petição. O Direito Civil suíço discrimina os descendentes de cidadãos suíços no exterior ao impor restrições específicas à manutenção da cidadania, aponta o documento.

“Até ao início do século 20, a Suíça era um país de emigrantes”, diz Von Rütte. Portanto, há hoje muitos suíços de quinta ou sexta geração no exterior. Muitos acabaram perdendo a cidadania por diversas razões. Outros, contudo, conseguiram mantê-la e passá-la para os seus familiares.

Questiona-se se seria de facto tão difícil procurar uma Embaixada ou Consulado antes dos 25 anos de idade. “Esse não é um problema atual, mas histórico”, pontua Eduardo Puibusque, responsável pelo encaminhamento da petição em nome do grupo “Nacionalidade Suíça Para Descendentes“. Se hoje é evidente que os comunicados são rápidos e as informações chegam com agilidade, isso nem sempre foi assim.

Muitos perderam a cidadania por falta de informação

“É preciso considerar que a maioria dos emigrantes suíços não vivia em cidades, mas se estabelecia no campo”, lembra Puibusque. A Argentina é um país enorme, com grandes distâncias, sendo “ainda hoje difícil cortar o país de fora a fora”, observa. A ausência de conhecimento, resultante da falta de acesso a fontes de informação, levou, durante muitos anos, à perda da cidadania suíça “e isso não aconteceu apenas em áreas rurais”, comenta Puibusque. Entre outras coisas, ele refere-se às várias mudanças nas leis aprovadas ao longo das décadas.

O próprio Puibusque teve de lutar para reaver a sua cidadania suíça, pois a sua mãe a havia perdido na década de 1940, quando se casou com um cidadão argentino.

Puibusque teve sorte ao beneficiar de uma determinação transitória na lei da cidadania suíça, que permitiu a ele e à irmã que recuperassem os seus passaportes suíços. No entanto, os seus três filhos e seis netos não têm acesso à nacionalidade suíça. “Quando a minha condição de cidadão suíço foi finalmente reconhecida, os meus três filhos já haviam ultrapassado o limite de idade ‘arbitrariamente’ estabelecido”, diz ele. Para muitos descendentes, o acesso à cidadania suíça só pode ser recuperado a duras penas.

A petição reivindica que isso seja modificado. A recuperação da cidadania – de preferência até à quinta geração de parentes consanguíneos – por parte dos descendentes suíços no exterior deveria ser facilitada sem maiores obstáculos, tais como a idade ou as condições financeiras.

“Antigamente havia mais disposições transitórias que facilitavam a recuperação da cidadania suíça”, diz Von Rütte. Elas afetavam sobretudo quem havia perdido a sua cidadania devido à discriminação de género. Essas disposições foram se tornando de difícil compreensão, de forma que foram consolidadas e resumidas em 2017. “Isso também foi feito com a crença de que a maioria dos casos, afetados pelas disposições, acabaram sendo resolvidos no decorrer do tempo.”

No entanto, esse não parece ser o caso: “Somos tios, tias, filhos, filhas, netos”, diz Kunz. Todo o mundo perdeu a cidadania suíça. “Não queremos beneficiar nos do facto de sermos naturalizados outra vez, trata-se da nossa identidade e da nossa ligação com o país de origem”, conclui. Melanie Eichenberger – Suíça in “Swissinfo”


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