Em
Quito, pesquisador Adelto Gonçalves discorre sobre a vida e a obra dos poetas
em conferências para estudantes e acadêmicos
QUITO
– A convite da Embaixada do Brasil no Equador, o jornalista e escritor Adelto
Gonçalves fez na segunda semana de junho duas apresentações de sua obra
literária em palestras dirigidas ao público estudantil e acadêmico de Quito.
Sábado, dia 8, no Instituto Brasileiro-Equatoriano de Cultura (Ibec), o pesquisador
apresentou a um público formado por mais de 50 estudantes equatorianos de
Português um alentado trabalho sobre sua trajetória literária que inclui nove
livros publicados e uma nova obra a sair ainda neste ano pela Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo.
Na
segunda-feira, à noite, dia 11, participou, de uma conversa no Centro Cultural
Benjamin Carrión, com o escritor Rogério Pereira, ex-diretor da Biblioteca Pública
do Paraná e editor do jornal mensal literário Rascunho, que contou com a
moderação do poeta Santiago Estrella, jornalista do diário El Mercurio.
Os dois encontros contaram com a presença e a participação do embaixador Joao
Almino, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Gonçalves fez uma leitura brasileira da obra e
da vida dos poetas Fernando Pessoa (1888-1935), Manuel Maria Barbosa du Bocage
(1765-1805) e Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810). Já Rogério Pereira abordou a
relação entre literatura e jornalismo como espaços confluentes.
De
Fernando Pessoa, Gonçalves destacou que o ensaio "O ideal político de
Fernando Pessoa", que consta de seu livro Fernando Pessoa: a Voz de
Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997) e foi publicado originalmente em Estudos
sobre Fernando Pessoa (Rio de Janeiro, Fundação Cultural Brasil Portugal,
1986), teve uma trajetória internacional interessante, pois seria lido na
Biblioteca Nacional de Lisboa pelo ensaísta Brunelo Natale De Cusatis,
professor de Literatura Portuguesa na Universidade de Perugia, e citado no
livro Fernando Pessoa: Politica i Profezia: Apuntes y Frammenti
1910-1935 (Roma, Antonio Pelicanti Editore, 1996), do qual em 2018 saiu uma
segunda edição.
Na
introdução que escreveu para esta segunda edição, De Cusatis lembra que o fato
de o ensaísta ter mostrado que o pensamento de Pessoa passava longe das hostes
esquerdistas desagradou ao escritor Antonio Tabucchi (1943-2012), tradutor da
obra de Pessoa para o italiano. Em artigo publicado no diário Il Corriere della
Sera, de Milão, em 31 de maio de 2001, Tabucchi acusou De Cusatis de se
basear num ignoto brasiliano (brasileiro desconhecido), como se lê à página
24 da edição atual de Politica i Profezia. De Cusatis destacou que "Adelto Goncalves
é um ensaísta de prestígio e crítico, autor de uma biografia crítica do poeta
português Tomás Antônio Gonzaga publicada em 1999 pela editora Nova Fronteira,
do Rio de Janeiro".
Durante
a apresentação, Gonçalves lembrou que Fernando Pessoa se definiu como "um
conservador ao estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e
absolutamente antirreacionário". Mais: Pessoa era contra o comunismo, o
socialismo, o catolicismo e o revolucionarismo. Mas nunca fez a defesa explícita
da escravidão. "Seria um anarquista utópico, mas de direita, tal como se
autodefiniu certa vez Gilberto Freyre (1900-1987)”, acrescentou.
Lembrou,
porém, que Pessoa defendia que havia um imperialismo da cultura, ou seja,
certos povos exerceriam influência sobre outros. “Como exemplo, citava a França",
disse, lembrando que esta posição política do poeta tem despertado protestos de
intelectuais africanos para a decisão da Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP) de dar o seu nome a um programa de bolsas para estudantes. E
que seria melhor optar por um nome mais consensual, como o poeta moçambicano
José Craveirinha (1922-2003), Prêmio Camões de 1991, filho de pai algarvio e de
mãe ronga.
Depois
de fazer referência a escritores equatorianos como Jorge Icaza (1906-1978) e
Jorge Enrique Adoum (1926-2009), Gonçalves destacou principalmente a vida de
Tomás Antônio Gonzaga, lembrando que, em Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
(Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), corrigiu a informação do professor e
filólogo português Rodrigues Lapa (1897-1989) segundo o qual o poeta, no exilio
na Ilha de Mocambique, casara com a "herdeira da casa mais opulenta de Moçambique
em negócios da escravatura" e dedicara "as horas vagas ao rendoso comércio
de escravos".
"De
fato, Gonzaga casou em 1793 com Juliana de França Mascarenhas, de 18 anos de
idade, filha de Alexandre Mascarenhas, que era escrivão e subordinado ao poeta
na estrutura judiciaria da comarca local. Mais: Mascarenhas morreria em 1793 e,
portanto, Gonzaga não teria tempo de ajudar o sogro arredondar a fortuna, como
disse Lapa”, observou. “Além disso, Mascarenhas não era pessoa de muitas
posses: tinha uma casa na ilha e outra no continente fronteiro que obtivera
pelo casamento”, disse, ressaltando também que nas edições da Gazeta de
Lisboa, de 1792 a 1810, Gonzaga, autor de Marília de Dirceu, só
seria superado em número de citações por Bocage, que sempre viveu em Lisboa,
com exceção dos quatro anos (1786-1790) que passou entre Rio de Janeiro, Goa,
Damão e Macau". Lembrou ainda que Gonzaga não participou do comércio
negreiro, embora como advogado tenha trabalhado para grandes comerciantes de
escravos. “Ele tinha cerca de 30 escravos para o trabalho doméstico. Já os
grandes traficantes aparecem nas listas como proprietários de mais de três
centenas de escravos”, disse.
De
Bocage, Gonçalves destacou que, em Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa,
Editorial Caminho, 2003), provou com documentos que o poeta não nasceu na Rua
de São Domingos, atual Edmond Bartissol, em Setúbal, mas sim numa casa
localizada à Rua das Canas Verdes, atual António Joaquim Granjo, na esquina com
o Largo de Santa Maria. "Essa casa a mãe de Bocage herdara do avô, Leonardo
Lustoff, comerciante, representante de interesses batavos em Setúbal, que fora
cônsul da Holanda. Em 1771, o pai de Bocage, José Luís Soares de Barbosa,
ouvidor em Beja, seria acusado de desviar a arrecadação da décima, ficando
preso na cadeia do Limoeiro até 1777. A casa, sequestrada, iria a leilão em
1800. Da documentação referente à Rua de São Domingos, no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, não há registro de que alguma família Bocage ou Barbosa tenha
residido naquela casa. Até hoje, porém, a Câmara Municipal de Setúbal não se
resolveu a adquirir o imóvel da verdadeira casa onde nasceu Bocage. E corrigir
uma informação equivocada de quase século e meio", concluiu. Adelto Gonçalves - Brasil
Adelto Gonçalves - Doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa e
mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana pela
Universidade de São Paulo (USP), Gonçalves é autor de Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás
Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Academia Brasileira
de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. Tem prevista a
publicação em 2019 de O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo 1788-1797, ensaio histórico, pela Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo.
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