José
Ramos Horta é uma das figuras de proa da lusofonia, um pragmático que nos
últimos tempos tem defendido uma maior proximidade económica de Timor-Leste à
China, para combater a dependência da Indonésia. Em entrevista ao Ponto Final,
diz que ninguém dará a Pequim lições sobre o sistema político a adoptar. E
prefere olhar para o que os chineses conquistaram, e não tanto para o que ainda
não têm
Aos 69 anos, José Ramos Horta
diz que está cansado, apesar da aparente excelente forma física. As viagens de
um lado para o outro, principalmente as transcontinentais, já pesam. Mas logo
de seguida, enumera quatro ou cinco deslocações só num mês. “São todas aqui
perto”, desvaloriza. Para a Europa, garante que cancela todas. A última saída
de Timor foi para visitar Macau, onde estará até amanhã para depois seguir para
a China interior. Depois de já ter exercido os mais altos cargos políticos em
Timor-Leste, actualmente é conselheiro de Estado, e é nessas funções que
participa no 10º Fórum Internacional sobre o Investimento e Construção de
Infra-estruturas, que trouxe à RAEM milhares de convidados para uma mega-feira
que decorre até hoje no Venetian. Em entrevista ao Ponto Final, o Prémio Nobel
da Paz não foge às questões relacionadas com a China e pergunta em forma de
desafio: “Como é que alguém pode criticar o regime que têm, num país com 1,4
mil milhões de pessoas?” Em relação a Timor, enaltece “o salto brutal” dado nos
últimos 20 anos, mas confessa que ainda se está muito longe do que é desejável.
Sublinha que foram feitos avanços notáveis na área da saúde e da educação, mas
perante os números da subnutrição que assolam o país exclama: “São
inaceitáveis!”. Aponta as responsabilidades para a falta de qualidade da
gestão, e dos quadros da administração pública, que apesar de terem melhorado,
estão longe do que se exige. Ramos Horta diz que Portugal, mesmo com todos os
incidentes recentes, é o “nosso melhor amigo”. E acrescenta que a língua
portuguesa nunca foi tão falada em Timor. Para Macau só há elogios, e estende a
passadeira para que possa haver investimento macaense. O dinheiro da RAEM é
preciso e desejável, defende o homem que foi a voz de Timor no estrangeiro
durante os anos de luta contra a ocupação indonésia.
Em
Portugal começámos a olhar primeiro para si como um activista, um elemento da
resistência. Depois os anos passaram, e tornou-se político, posteriormente
orador em conferências pelo mundo inteiro, e também conselheiro de muitos líderes
mundiais. Em que o Ramos Horta mudou nas últimas décadas?
Primeiro, sinto alguma
satisfação por ter contribuído para a independência de Timor-Leste, e nos
últimos 17 anos, desde a independência, ter participado na promoção da paz, da
estabilidade, da conciliação, e na consolidação da nossa democracia, que, hoje
em dia, é classificada pelo “think tank” conservador “Freedoom House” como a
melhor democracia do Sudeste asiático. Também a instituição que monitoriza a
liberdade de imprensa, em Bruxelas, põe o nosso país como o que dispõe de maior
liberdade de imprensa da região, e é mesmo uma das melhores do mundo neste
aspecto. Contribuí, não só como ministro dos Negócios Estrangeiros, em que
impulsionei o país a rectificar todos os tratados internacionais relativos aos
direitos humanos, mas também para que a nossa constituição proibisse a pena de
morte e a prisão perpétua. E, por fim, promovi a reconciliação nacional. Nesse
aspecto, não mudei nada em relação às minhas convicções antes da independência
e durante a luta.
Nada
se transformou?
Hoje tenho muitas actividades
internacionais, mas estou a reduzi-las, porque exigem demasiadas viagens. Vim a
Macau, e vou agora a Chongqing. Há duas semanas estive em Xangai, mas porque é
relativamente perto. Cancelei muitas viagens para a Europa.
Está
cansado?
Sim, as viagens
transcontinentais são muito complicadas. Antes até viajava em classe económica,
agora desculpem, mas não o faço. Prefiro ficar em casa.
Sente-se
menos romântico e ideológico, mas mais pragmático?
Num livro escrito sobre Timor,
já em 1975, havia um capítulo todo dedicado a mim, com o título “Ramos Horta, o
pragmático”. O texto até era lisonjeador em 80% da sua extensão, o resto não o
era necessariamente. Não será um retrato fiel de mim, mas é a opinião de quem
escreveu, e que não tem de ser simpático. Mas continuo a acreditar nos grandes
princípios da solidariedade, de liberdade e de justiça, e que com maior ou
menor esforço vamos criar num mundo melhor, e que podemos converter todos os
que estão de um lado que nós acreditamos ser errado, incluindo alguns regimes
autocráticos…. Mas como é que alguém pode criticar a China de ter o regime que
têm, um país com 1,4 mil milhões de pessoas? Se começassem a inventar uma
democracia à europeia, onde é que estaria a China, realisticamente?
Acha,
portanto, impossível que a China tenha uma democracia ocidental, e que o país
seja dessa forma governável?
Eu diria que a China tem que
ter o regime e o sistema político que eles entendam. Os chineses sabem, pela
sua experiência milenar, o que é melhor para a China em termos da sua
estabilidade e da sua prosperidade.
Mas
essa assunção não põe em causa alguns dos direitos humanos plasmados na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, que o Ramos Horta diz defender?
Pode pôr em causa, mas é
impressionante o que este país conseguiu fazer sobretudo a partir da iniciativa
de modernização lançada pelo Deng Xiaoping — que libertou centenas de milhões
de chineses da extrema pobreza — ao restaurar a dignidade e o orgulho da China
enquanto nação no mundo. Foram invadidos por todos: franceses,
norte-americanos, ingleses, que impuseram duas guerras de ópio, e pelo Japão
também. As maiores barbaridades foram perpetradas contra os chineses pelas
grandes civilizações cristãs europeias. E milhões morreram às mãos da pobreza,
morreram a construir outros países — os que foram erguer caminhos-de-ferro nos
Estados Unidos, ou os que procuraram melhores vidas na América Latina e em
África.
Mas
todo o desenvolvimento social e económico que está a ter, não obrigará a outros
passos a nível político, e a própria população não se tornará mais exigente?
Eu conheço a China desde 1976,
quando pela primeira vez fui a Pequim. Daí para cá houve evolução política, na
altura, por razões económicas mas também políticas, não havia um chinês a
viajar individualmente pelo mundo. Hoje são dezenas de milhões que o fazem
livremente, como turistas. São milhões a estudar no exterior, nos Estados
Unidos, na Europa, na Austrália, na América Latina. A livre circulação é uma
liberdade fundamental. Há um fenómeno que não vejo citado, nem referido: se a
China fosse um regime tão fechado, tão totalitário, não havia milhões a
viajarem, e a reciclar os dólares americanos e a beneficiar outros países. Em
segundo lugar, esses milhões de chineses não regressariam ao país. A
percentagem dos que estudam em universidades americanas, europeias ou na
Austrália, e que lá ficam, é mínima para não dizer nula. Se não se sentissem
livres e satisfeitos com o que têm na China, não voltariam como acontece em
tantos outros países. Aqui regressam todos.
Portanto,
o facto de a China não ser uma democracia, para si, neste contexto, não é um
problema?
Não me preocupa rigorosamente
nada. Porquê? A China evoluiu politicamente. Hoje há muito mais escrutínio da
elite no poder, e o sistema tem alternância. O Presidente chinês exerce um
mandato durante dez anos. Talvez agora Xi Jinping possa prolongá-lo, mas não é
nada de novo em relação a outros países democráticos, em que os presidentes querem
ir além do limite constitucional. Eles têm um consenso de escrutínio político
muito rigoroso.
Disse
há pouco que o definiam como um pragmático, e, segundo me parece, vê-se dessa
forma. É essa característica que faz com que se levante contra as vozes que em
Timor contestam a cada vez maior presença de investimento chinês?
A crítica é mínima, e vem de
alguma ONG habitual. Respeito-as, mas esses indivíduos da sociedade civil,
antes de entrarem na política e de serem governantes apresentam as soluções
mais milagrosas para os desafios no país. Muitos deles estão hoje no Governo, e
já se esqueceram dessas soluções milagrosas que advogavam nas plateias da
sociedade civil. Conheço-os a todos. Isso não acontece só em Timor. Algumas ONG
nunca seriam eleitas para poder nenhum, só são bons a fazer análises e
críticas. Mas é sempre útil, vamos ler o que dizem os relatórios deles.
Todavia,
não lhes atribui importância? No seu entender, não há um sentimento popular de
receio em relação à entrada da China em sectores nevrálgicos da economia
timorense como as infra-estruturas e a energia?
Não me preocupa, nem a mim,
nem à esmagadora maioria dos timorenses, porque não é só a China que está
presente em Timor. A Indonésia tem uma presença muito maior, há muitos mais
indonésios desde a independência, estamos muito mais dependentes da Indonésia
do que de qualquer outro investidor. O país defende a diversificação das suas
relações: hoje, 70% do nosso comércio é com a Indonésia. Quero ver esse valor
diminuir, actualmente estamos totalmente dependentes das companhias aéreas e de
agências de viagens indonésias.
Essa
é a dependência que mais o preocupa?
Somos muito mais dependentes
da Indonésia do que da China. Se a China tiver mais presença, com companhias de
aviação a voar para Timor, e operadores turísticos, ajudam-nos a estar menos
dependentes da Indonésia e da Austrália.
Contribui
para a diversificação das fontes de financiamento.
Para a diversificação não só
da economia, mas também das relações regionais.
A
economia timorense continua a ser monocultural?
O petróleo e o gás são a
verdadeira riqueza de Timor, e o café depois destes dois, mas muito abaixo. O
Governo tem feito pouco para melhorar a cultura do café. Falamos muito dele,
muito de agricultura, mas pouco temos feito. Estamos muito dependentes do
petróleo, e não há razão para que hoje em dia não tenhamos duplicado a produção
e exportação de café. É um grande falhanço do Governo. Também não há nada que
justifique, que sejamos, actualmente, um grande importador de arroz. Mas
atenção, noutras áreas fizemos progressos. Conheço mais de 100 países do mundo,
e há lugares com 50 anos de independência e que estão piores do que Timor.
Porque
diz isso?
Basta ver o relatório de
desenvolvimento humano das Nações Unidas, que é o melhor que há, em termos da
avaliação do estado económico e social do desenvolvimento de cada país. Aí
estamos acima de todos os países africanos subsarianos, à excepção da África do
Sul e de Cabo Verde.
Mudando
de tema, passam agora 20 anos desde a proclamação da independência de Timor.
Quando estava na resistência a lutar por um país livre, é aquele que existe
hoje com que sonhava?
Os nossos sonhos… (pausa)
realizaram-se em relação a ter um país digno, soberano, que não fosse esmagado
por qualquer potência estrangeira. Esse era o maior sonho. Quanto a dar ao povo
os bens materiais, que são os dividendos da independência, creio que fizemos
muito: em 2002, havia 19 médicos, hoje há mil; nesse ano não havia nenhum
hospital regional moderno, agora, além do hospital nacional, temos cinco
hospitais regionais, apesar de não se compararem aos que existem em Portugal e
em Macau, mas é melhor do que o que não existia. Em 2002, dizia-se que não
havia quadros timorenses. Agora temos centenas de mestres e doutores, não
apenas em Timor, mas em Portugal, Austrália, Tailândia, Filipinas, Indonésia,
Singapura, Estados Unidos, Brasil. Há 15 anos, se fosse ao Ministério das
Finanças estavam entre 50 a 100 estrangeiros, agora não há um único. No nosso
Banco Central, que é muito credibilizado internacionalmente, não vê um único
estrangeiro a trabalhar, apenas alguns consultores.
Portanto,
o salto foi brutal?
Foi brutal. Ainda assim, a
nossa administração pública apesar de não ser das melhores do mundo,
desenvolveu-se nos últimos 20 anos. A nossa produtividade é das mais baixas da
região, seja na agricultura, seja na Função Pública, mas também melhorou bastante.
A corrupção aumentou, não escapamos a essa tentação, que aprendemos com a
vizinha Indonésia, mestre na corrupção, aprendemos com a Tailândia e com as
Filipinas. Mas uma vez mandei um e-mail a um amigo, e, comentando a corrupção
no Brasil, disse: “Os timorenses e os portugueses comparados com os nossos
irmãos brasileiros, são uns trouxas”. (risos) Em Timor, temos uma justiça que
não brinca com a corrupção, e às vezes exagera. Não acredito que em Portugal, e
em qualquer país da Ásia, haja tantos altos funcionários, e políticos a cumprir
pena de prisão por corrupção.
Por
outro lado, em Timor-Leste, quase metade das crianças com menos de cinco anos
sofrem de fome e dois terços apresentam sinais de anemia. Cerca de um quarto
das mulheres apresentam peso a menos (dados da União Europeia e da Oxfam
Australia). Este é o retrato de um país com graves problemas, o que é que tem
falhado?
Esses números que cita são
exagerados. Não sei se estão correctos. Que as crianças passem fome é falso,
podem dizer que há subnutrição. Não há fome em Timor. São coisas diferentes. Há
30 a 40% da população com subnutrição em Timor [em 2017, a Unicef falava de
58,1% da população a sofrer subnutrição moderada e severa]. A extrema pobreza
ainda existe, e isso são dados inaceitáveis. Em 17 anos de independência, com
os recursos que temos, mesmo sem qualquer ajuda internacional, já não devia
haver subnutrição, nem extrema pobreza.
O
país tem vivido momentos de grande instabilidade política, referida como uma
debilidade de Timor por instituições internacionais como o Banco Mundial. No
ano passado, a dificuldade de união para a formação de Governo, levou-o a fazer
um apelo directo a Xanana Gusmão. Como está a sua relação com ele?
Continuo a ter muito boas
relações com ele e a admirá-lo. Ao longo dos anos, o Xanana demonstrou ser uma
pessoa fenomenal, de uma inteligência fenomenal. Ele arriscou e apostou no
combate pela fronteira marítima permanente de Timor com a Austrália. Teve de
acreditar piamente que Timor tinha esse direito, à luz das convenções
internacionais, e da convicção passar à acção. Eu não assumiria a
responsabilidade de desafiar a Austrália no quadro do Direito internacional, e
no contexto da nossa situação. Ele mal teve uma oportunidade — que resultou da
descoberta de que a Austrália fazia espionagem com equipamento electrónico nos
nossos escritórios, o que só por si podia não valer no tribunal internacional —
e a Austrália cedeu. Temos a fronteira marítima exactamente como nós queríamos.
Isto é 100% responsabilidade do génio do Xanana e da coragem dele. Não quer
dizer é que tenha sempre razão.
Então
a que se deve esta instabilidade política quase permanente no país?
Vou responder o que já disse
numa resposta a muitos jovens que me fizeram perguntas sobre isso. Não foram os
norte-americanos ou os portugueses que nos impingiram esta Constituição. Foram
políticos timorenses que a fizeram orgulhosamente: primeiro o
multipartidarismo, com certos poderes alocados ao Presidente da República. Não
bastava o Parlamento para fiscalizar o Governo, deu-se ao Presidente outros
poderes que levam, às vezes, a que possa vetar o orçamento de Estado, ou a
entrada de membros do Governo. Eu não concordo com isto, o povo elege o partido
maioritário, o partido governa, deve nomear o primeiro-ministro, e depois
caberá aos tribunais julgar, se os ministros forem acusados de crimes graves.
Esses
poderes do Presidente da República vieram do sistema português…
Exacto, foi uma cópia da
Constituição Portuguesa…
Mas
é raro em Portugal o Presidente da República não aceitar a nomeação de
ministros…
Em Portugal funciona, é país
há 800 anos. Tem maior maturidade e maior experiência democrática.
É
contra o multipartidarismo?
Não, não. Mas disse a esses
jovens que era mais fácil se tivéssemos o partido único como na Coreia do
Norte. E perguntei: ‘É isso que querem?’ Todos disseram que não. Então temos de
saber viver dentro da modalidade política que escolhemos. Mas uma coisa é
certa, apesar da dita instabilidade, os orçamentos passaram, em 2018 e 2019.
Não tem havido um único caso de violência política em Timor.
Essa
tensão política tem correspondência social, ou é apenas luta de poder?
Não tem nada a haver com
clivagens, nem sociais, nem étnicas, nem religiosas. É apenas luta pelo poder.
Mas independentemente disso, não há violência política no nosso país, até o
índice de criminalidade é muito baixo. Não temos crime organizado como há em
Macau ou Hong Kong, Indonésia e Tailândia.
Então
porque é que isso acontece?
Má gestão, mau planeamento, má
execução.
Pelos
governantes?
Sim, um dos casos é na
agricultura. É a base para combater a subnutrição e melhorar a segurança
alimentar. É a prioridade política e ética, número um. Temos obrigação de dar
ao povo água potável e saneamento.
Mas
Timor tem apresentado crescimentos do PIB quase todos os anos, e para este ano
prevê-se que o produto cresça 3,9%, e no seguinte 4,9%. Há uma má distribuição
da riqueza?
O problema é a melhor
definição das prioridades, mas não é só isso. É necessário atribuir recursos a
essas prioridades. O problema é a falta de recursos humanos, de competência.
Uma coisa é alguém ter o grau académico, recentemente adquirido, porque alguém
com um mestrado ou um MBA em Harvard não se converte automaticamente num grande
executivo que soluciona problemas. Se assim fosse, com centenas e milhares de
MBA saídos das universidades mundiais, já não devia haver falhanços nas
economias do mundo. Um falhanço comum em países do terceiro mundo é não
conseguirmos ter uma administração competente, dedicada e honesta. Podemos ter
um primeiro-ministro com grande visão, elementos do Governo altamente
qualificados, mas sem uma administração pública que lhes dê corpo, podem ter
todas as visões mais românticas e aplaudidas, mas não chegam.
As
personalidades políticas em Timor são as mesmas de há 20 ou 30 anos. Há
dificuldade de haver uma renovação geracional no poder?
Não. Isso é uma “betise”
[estupidez] dos respeitados e estimados jornalistas e dos respeitados e
estimados académicos (risos). Basta que saibam contar de um até dez, e vai
perceber quantos da velha geração estão no Governo hoje. Não há nenhum.
Alkatiri está fora, o Xanana é responsável pelo petróleo, o primeiro-ministro é
da nova geração. No Governo não há ninguém da geração de 75. E no parlamento
também não. O poder judicial ainda é mais jovem. Mas também é verdade que
estando no poder ou não, há uma grande influência da geração de 75, por duas
razões: temos uma legitimidade que vem das eleições, mas principalmente do
lastro histórico. Em Timor respeita-se muito a idade. Os elementos das novas
gerações têm medo de assumir responsabilidades. Eles reclamam, mas no fim estão
sempre à espera do Xanana e do Mari Alkatiri.
A
Papua, um povo pobre e com condições de saúde débeis, quer separar-se da
Indonésia. O Ramos Horta defendeu o diálogo, o que parece não jogar com aquele
que foi o passado de Timor. Porque é que acha que esta é uma luta diferente da
dos timorenses?
Há lutas que são parecidas,
mas pelo facto de serem similares, podem não se aplicar as mesmas coisas. Desde
1975 que dizemos que Timor foi uma colónia de Portugal, durante 500 anos, todas
as outras províncias indonésias, que compõem a grande nação indonésia, resultam
da colonização holandesa. Papua foi parte desse processo. A Indonésia nunca
reclamou Timor por ser território português. Neste caso, fui convidado por
Jacarta a visitar a Papua. Depois de ir, partilhei com as entidades indonésias
o meu ponto de vista, que não é nada do outro mundo. A Indonésia é um país
multi-étnico, multi-racial e multi-religioso, embora seja o maior país de
maioria muçulmana no mundo. Cabe aos indonésios fazer sentir, em particular às
minorias étnicas — caso queiram manter a unidade e integridade territorial —,
que fazem parte dessa nação, e dessa grande sociedade.
Isso
não está a acontecer na Papua.
Jacarta está a fazer um enorme
esforço para desenvolver o território. O orçamento de 2017 para a Papua, que
tem quatro milhões de habitantes, foi de dez biliões de dólares. No entanto,
disse aos meus amigos indonésios que há problemas na sociedade que não são
apenas resolvidos com dinheiro. As questões da alma e do coração não se
solucionam assim. Aquela comunidade tribal com milhares de anos reclama outras
coisas, não necessariamente a independência, como muitos pensam. A Indonésia
atribuiu autonomia genuína às províncias. Papua tem um governo local eleito, um
governador eleito, e o comandante de toda a marinha indonésia é da Papua. Cabe
à Indonésia estudar qual a melhor forma de autonomia para a região.
Portanto,
não se compara à luta de Timor?
Não tem comparação nem no
quadro histórico, nem no Direito internacional.
Falemos
agora das relações com Portugal, o caso de Tiago e Fong Fong Guerra (julgados e
condenados a oito anos de cadeia e a quem a embaixada portuguesa local deu dois
passaportes para saírem do país) marcou muito a relação recente entre Portugal
e Timor, ou essa ligação histórica, no seu entender, permanece forte?
As relações entre Portugal e
Timor continuam excepcionais. Portugal é o nosso melhor amigo, embora não
vizinho. Mesmo nas situações difíceis do passado, em que do nosso lado houve
erros na abordagem dos problemas, como na expulsão de juízes, aprendi ao ver
como do lado de Portugal se geriu essa situação. O meu respeito pelos
governantes portugueses só subiu, tal foi a elegância, a “finesse”, a calma e a
serenidade com que lidaram com uma questão tão delicada. Quanto aos dois
cidadãos condenados por lavagem de dinheiro, não comento a substância do caso,
porque respeito o nosso Procurador Geral da República e os juízes. Não concordei
com a pena atribuída, como não concordo com penas, no nosso país, a certos
casos de corrupção.
Mas
não foi apenas a aplicação da pena, o próprio Mari Alkatiri considerou grave a
acção de Portugal.
Houve um detalhe do nosso
lado, nunca foi clarificado a Portugal, enquanto decorria o processo, que não
podia emitir os passaportes. São cidadãos, pediram o documento e ele foi
emitido.
Foi
um erro processual da justiça timorense?
Foi o que me constou. Mas não
concordo com as penas excessivas, em casos de corrupção, que têm sido aplicadas
a cidadãos timorenses, incluído governantes. Acima de tudo, para mim, tem de
haver compaixão e proporcionalidade. Uma coisa é alguém roubar 100 mil dólares,
que até podem ser recuperados, outro é matar alguém cuja vida não é
recuperável. Aplicar cinco anos de prisão a uma ministra num caso de quatro mil
e tal dólares? Se fossem 100 mil apanharia perpétua? Um milhão, seria
fuzilamento? Tem de haver proporcionalidade. Ainda por cima uma mulher, e
doente. Porque não uma pena suspensa e recuperava-se os quatro mil dólares? Em
Portugal, vocês são muito mais benevolentes, o pessoal do BES está livre e
alegre. (risos)
Há
poucos meses, uma deputada do partido Khunto, um dos três da coligação do
Governo timorense, defendeu que se deveria excluir definitivamente o uso do
português nos debates parlamentares, para facilitar a compreensão dos
deputados. Isto é só um episódio ou uma tendência?
Não sei se essa deputada fala
tétum, sequer. As duas línguas funcionam no parlamento. Se calhar a frustração
dela é porque não fala nenhuma das duas línguas. Nunca foi problema no nosso
parlamento. Há sondagens feitas recentemente em que a maioria dos jovens
timorenses pensa que o português é importante para a nossa identidade. Em 2019,
temos mais timorenses a falar a língua do que em 1975, último ano da gloriosa
colonização portuguesa. Nessa altura, eram apenas 7% a falá-la. Agora estamos em 30%.
Sentem
que é importante na ligação ao mundo?
O português não é uma língua
como o inglês ou o francês, mas faz parte da identidade timorense. E essa está
assente em alguns pilares: o catolicismo, 98% professam essa religião, e a
língua tétum, que foi espalhada pelo país pelos missionários portugueses. Hoje,
em cada 10 palavras do tétum, sete derivam do português. Qualquer português que
chega a Timor e ouve o tétum, consegue entender. Pode-se comparar com a
facilidade que vocês têm de perceber espanhol.
Para
terminar, o Ramos Horta conhece bem Macau, já veio diversas vezes ao território
nas últimas décadas, quais são as diferenças que nota na RAEM?
Penso que o Governo Central da
China, de forma inteligente e estratégica, investiu socialmente e
economicamente em Macau. Este é um pequeno território, é pouco maior do que a
minha residência em Dili, que eu comprei em 2011 por menos de 10 mil dólares.
Na altura dos portugueses, Macau tinha 16 quilómetros quadrados. O facto de a
China permitir a abertura de mais casinos e de chineses a apostar — são 80 a
90% da clientela — é uma estratégia deliberada de fazer desta região um grande
interposto financeiro e comercial, e fazer com que não seja tão subalterna em
relação a Hong Kong, ou tenha um complexo de inferioridade. A China tem todo o
interesse em desenvolver Macau. Parabéns também aos chefes do Executivo deste
território, que foram sempre bem escolhidos pela população de Macau, e
sancionados pela China, que souberam fazer uso da determinação do Governo
Central.
A
relação de Macau e Timor está tão aprofundada como queria?
Gostaria de ver Macau, dado o
seu estatuto de grande autonomia, e dado o “superávit” que tem, pudesse
apadrinhar projectos concretos em Timor-Leste.
Não
há investimento directo de Macau?
Não. Apenas um investidor
privado com acções na Timor Telecom. Fora disso, não há.
Mas
porque é que isso não sucede?
Em parte, por falhanço nosso,
por não apresentarmos ideias e propostas de como Macau pode patrocinar
iniciativas em Timor. Há milhares de timorenses que vieram para Macau, mas hoje
gostávamos de ter uma casa de Macau no nosso país, e que esta pudesse ser o
guarda-chuva para financiar projectos de saúde, de combate à subnutrição, e que
fosse um ponto activo para atrair investimento da RAEM e do resto da China. Não
está a acontecer, por não aproveitarmos a boa vontade que existe em Macau. João C Malta – Macau in “Ponto
Final”
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