I
O significado de uma obra literária não corresponde
à intenção do criador, pois ela tem vida própria e seu sentido pode ser
acrescido à medida que é avaliada por leitores de diferentes épocas. Essa
definição consta de “Conceito e divisão da Teoria da Literatura”, primeiro
capítulo do livro Teoria da Literatura “Revisitada” (Petrópolis-RJ,
Editora Vozes, 2005), das professoras Magaly Trindade
Gonçalves (1941-2015) e Zina C. Bellodi, e constitui um exemplo perfeito da
qualidade das ideias que o estudioso de Literatura irá encontrar nesta obra,
fundamental desde a sua publicação para quem quer se aventurar na arte (pouco
compensatória em termos financeiros) de escrever resenhas e ensaios.
Na
verdade, o livro traça, de modo geral, o percurso das ideias sobre a Literatura
ao longo da História, trazendo à tona as mais diversas concepções do literário,
que, embora distantes no tempo e no espaço, vivem quase sempre em permanente
diálogo, já que não só as ideias sobre o literário mudam, mas mudam também as
marcas essenciais da própria criação literária.
Discípulas
do poeta, crítico, tradutor e novelista português Adolfo Casais Monteiro
(1908-1972), perseguido pelo salazarismo (1933-1974) e exilado no Brasil a
partir de 1954, professor da
Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), campus de Araraquara, interior de
São Paulo, a partir de 1962, as professoras Magaly e Zina mostram neste
trabalho já considerado clássico como o Realismo do século XIX e, mais
particularmente, o Naturalismo trazem a marca do interesse científico em
explicitar o mundo e o homem. E acrescentam: “E o romance prestava-se
magnificamente ao trabalho com as novas descobertas científicas, já que ele se
volta, normalmente, para tramas que ocorrem em grupos humanos, de maneira
aparentemente natural”.
Para
as autoras, o romance no século XIX representa a entrada do homem comum na
Literatura, “pois, ao contrário, por exemplo, da tragédia clássica, este
caracteriza-se exatamente por girar em torno de figuras que, vistas exteriormente,
são até banais”. Mas aqui não se deve deixar de lembrar que a entrada triunfal
do pobre no romance deu-se mesmo no século XVI com a publicação de La vida
de Lazarillo de Tormes y de sus fortunas y adversidades, obra espanhola
anônima, escrita em primeira pessoa e em estilo epistolar, cuja edição mais
antiga conhecida data de 1554.
As
autoras ressaltam que o romance, como gênero, surge e se desenvolve na fase da
ascensão da burguesia, de que a obra do inglês Charles Dickens (1812-1870) é o
melhor exemplo, pois surge no momento em que a Inglaterra chega ao apogeu na
revolução industrial, “quando se tornam acirrados os conflitos entre capital e
trabalho”.
II
Já o século XX é o período marcado pelo Formalismo
Russo, do qual saíram o New Criticism, o Estruturalismo, a Semiótica e a
Desconstrução. Para as autoras, porém, é difícil afirmar que esta ou aquela
corrente tenha sido a mais importante. “Ocorre que o século XX todo presenciou
o aparecimento de um número considerável de novas posturas sobre a Literatura,
muito mais, em termos quantitativos, do que ocorrera até então. Nesse sentido,
o século XX foi rico em teorias e posições críticas, como o foi também para os
mais variados campos do saber. Isso ocorreu por variadas razões, sendo uma
delas a maior facilidade de divulgação das ideias”, ressaltam.
O capítulo final do livro é dedicado a outras
posições teóricas do século XX, que se afirmaram notadamente na segunda metade
da centúria, como a Crítica feminista, o Pós-modernismo, a Estética da
Recepção, o Comparativismo, a Desconstrução e o Feminismo. Nas considerações
finais, as autoras lembram que o século XX foi marcado por grandes propostas
inovadoras, algumas com frutos notáveis, outras mais de impacto e mais sujeitas
a modismos. “Foi um século rico e de questões tumultuadas no âmbito da Teoria
da Literatura”, concluem, lembrando ainda que esse longo período foi
extremamente pródigo em novas teorias e outras antigas, mas reformuladas,
inclusive com a abertura para grupos de alguma forma minoritários ou pelo menos
marginalizados como as correntes pós-colonialistas, a Literatura negra e de
outros grupos étnicos.
Enfim, como observa o filósofo, professor e crítico
literário Benedito Nunes (1929-2011), autor do prefácio, quem percorrer atentamente
esta obra vai encontrar um texto que não tem a pretensão de atingir a resposta
última a um grande questionamento, mas que o deixará satisfeito apenas pelo
estímulo que vem do amor à obra literária “e pela crença, ainda, na
possibilidade de passar aos leitores (principalmente os possíveis alunos) o
apreço e o interesse que proporciona o contato com o objeto literário”.
III
Nascida
de Araraquara-SP, onde também está sepultada, Magaly Trindade Gonçalves era
formada em Letras Anglo-germânicas e doutora em Teoria da Literatura.
Desenvolveu intensa atividade acadêmica, tendo publicado várias obras nas áreas
de literatura e do teatro, além de artigos em periódicos universitários.
Participou de várias bancas de concursos acadêmicos.
Nascida
em 1941 em Córrego Rico, distrito de Jaboticabal-SP, Zina Casteleti Bellodi formou-se
em Letras Anglo-Germânicas na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Araraquara, atual Faculdade de Ciências e Letras, da Unesp. Desenvolveu
estudos nas áreas de Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Portuguesa,
além de Literatura Infanto-juvenil. Dedica-se aos estudos literários. Participou
de bancas de concursos acadêmicos, publicou artigos em periódicos
universitários.
Publicou
ainda “Função e forma do tradicional em Mário de Sá Carneiro”, tese de
doutoramento em Cadernos de Teoria e
Crítica Literária (Araraquara, Unesp, 1975); “Florbela Espanca - Discurso
do outro e imagem de si”, tese de livre-docência, em Cadernos de Teoria e Crítica Literária (Araraquara, Unesp, 1992); “Florbela
Espanca - Discurso do outro e imagem de si” (texto condensado) em Arquivos do Centro Cultural Calouste
Gulbenkian, vol. XXXIII (Lisboa-Paris,
1994); Melhores poemas de Florbela Espanca (São Paulo, Global
Editora, 2005); A construção de um sonho
– Fazenda Santa Cruz (Jaboticabal, Gráfica Multipress, 2011); D. Maria Luíza Carrão Jakovac,(Jaboticabal,
Gráfica Multipress, 2011); e A Casa do Coco (Jaboticabal, Gráfica
Multipress, 2010). Reside em Jaboticabal-SP. Adelto Gonçalves - Brasil
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Teoria da
Literatura “Revisitada”, de Magaly Trindade Gonçalves e Zina C.
Bellodi, com prefácio de Benedito Nunes. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 231
páginas, 2005, R$ 43,70. Site: www.vozes.com.br
E-mails: zinabellodi@uol.com.br vendas@vozes.com.br
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Adelto Gonçalves
é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito
e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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