Mais
de 2 mil anos de história podem ser vistos nas 143 peças de tecidos andinos em
exposição no Museu de Arte de São Paulo (Masp), no centro da capital paulista.
São túnicas, toucas e bonecas de pano, além de diversos adornos produzidos
pelos povos pré-hispânicos que habitaram a costa da região onde atualmente
estão a Bolívia e o Peru.
Retratando
figuras humanas e também padrões geométricos, as peças das culturas Paracas, da
costa sul peruana, ainda mostram tons fortes de rosa, azul, verde e dourado.
São itens manufaturados entre os anos 800 e 200 antes de Cristo, atravessando
mais de dois milênios sem traços aparentes da ação do tempo.
A
preservação desses artefatos explica-se, em parte, pelo clima da região. “Eles
vêm de contextos arqueológicos do árido, da costa extremamente árida, sobretudo
da costa sul do Peru”, enfatiza a curadora da mostra, Márcia Arcuri.
Ela
destaca a grande qualidade técnica na produção das peças, que chegam a ter
tramas de 600 fios. “Isso, evidentemente ajudou na preservação dos pigmentos e
do próprio tecido.”
Os
trabalhos feitos em algodão ou lã, extraída de lhamas ou alpacas, foram usados
por governantes e pessoas que faziam parte da elite da sociedade da época.
Um
dos indícios disso é a própria qualidade das vestimentas e adornos, outro é o
fato de terem sido encontrados em tumbas. “Como se trata de uma coleção de
tecidos bastante elaborados e bem preservados, de técnicas extremamente
sofisticadas, do ponto de vista de toda a iconografia, as cores, os desenhos
que aparecem na arte desses tecidos, parecem ser peças de prestígio”, diz a
curadora.
Fauna
e cosmologia
Os
desenhos e padrões refletem tanto a fauna de cada região, quanto as visões
sobre o mundo natural e sobrenatural das sociedades que viveram na América
antes da invasão europeia do século 16.
Em
meio a tons terrosos de marrom e avermelhados, os tecidos Huari, por exemplo,
trazem algumas formas de representação de peixes. Em uma peça, são pequenos e
repetidos em um padrão, com um olho figurativamente desproporcional; em outras,
têm duas cabeças, e a espinha exposta toma toda a extensão do pano. “Os tecidos
da costa tendem a trazer aves, como o pássaro mergulhão, e muitos peixes.”
Assim,
a diversidade da fauna traz também um pouco das diferenças de interesses e
modos de vida. Aparecem serpentes, macacos, lhamas e pelicanos. Em alguns
casos, os animais têm duas cabeças. Esse espelhamento pode ser, em outras
peças, a chave para entender desenhos aparentemente abstratos, como nos padrões
em que surge apenas uma parte da chakana, figura também conhecida como cruz
andina. Nesses padrões, o desenho completo só pode ser visto em uma
extrapolação, duplicando e invertendo aquilo que aparece visível.
Segundo
a curadora, o uso da chakana mostra como mesmo a aparente abstração na
decoração pode ter significados bem específicos. “Tudo que a gente pode
entender por uma estilização, ou um abstracionismo, não é da mesma ordem do
mundo contemporâneo”, afirma. No caso da cruz andina, trata-se de um símbolo de
como algumas culturas enxergam a divisão entre o mundo natural – relacionado ao
relevo da montanha – e o sobrenatural, ligado ao oceano profundo. É também uma
forma de apresentar o conceito de presente e passado, como se todos estivessem
conectados.
Cultura
sobrevivente
Os
trabalhos em tecido são uma expressão tão importante nas culturas andinas, que,
de acordo com Márcia, sobrevivem até hoje como tradição nas comunidades da
região. As técnicas são passadas de geração em geração entre as mulheres que
vivem nessas localidades. “É uma forma que elas, que vivem na serra entre o
Peru e a Bolívia, encontram de manter a sua forma de viver e lidar com o mundo
contemporâneo ocidentalizado.”
As
peças em exposição foram reunidas por Oscar Landmann a partir da década de
1930. A coleção foi cedida em regime de comodato para o Masp por um período de
10 anos. Segundo a curadora, desse modo, é agora uma das maiores coleções do
gênero abertas ao público no Brasil, ainda mais depois da destruição do Museu
Nacional do Rio de Janeiro em um incêndio em setembro do ano passado.
“Nós
temos várias coleções particulares no Brasil, mas acervo público a gente conta
apenas com o do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP [Universidade de São
Paulo]. As coleções pré-colombianas de lá têm origem variada e são cerca de 900
peças no total”, detalhou. A coleção Landmann tem volume semelhante, se incluídas
também outras formas de expressão, como a cerâmica.
A
exposição de tecidos andinos antigos pode ser vista no Masp até o dia 28 de
julho. In “Mundo Lusíada” – Brasil com “EBC”
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