As Linhas Aéreas de Moçambique
(LAM) celebraram pela primeira vez o dia 8 de março com uma mulher
comandante, um feito raro no mundo e mais num país entre os piores nos índices
de igualdade de gênero.
Com o leme entregue à piloto
Admira António, de 29 anos, passou também a haver voos de Moçambique Express
(Mex, subsidiária da LAM onde presta serviço) em que a tripulação é
inteiramente feminina – pois já havia mulheres na posição de copiloto e
assistente de bordo.
“Isto sempre foi o que quis
ser, desde os oito anos”, conta Admira António à Lusa, a 11 mil metros de
altitude, um sonho que nasceu desde que ouviu o irmão mais velho falar de
pilotagem.
Foi por nunca ter desistido do
sonho que Admira acredita ter conseguido vencer num mundo de homens e ter
chegado a comandante, em 2018.
Nas nuvens, há duas
realidades: quase 80% dos assistentes de bordo são do sexo feminino, mas apenas
cinco por cento dos pilotos são mulheres e a proporção de postos femininos em
posições técnicas ou de liderança na aviação é ainda menor.
Este foi o cenário descrito
pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO, sigla inglesa) e pela
Autoridade de Aviação Civil da África do Sul (SACAA, sigla inglesa) quando no
último ano promoveram a primeira cimeira sobre gênero na aviação mundial, para
promover a igualdade.
Admira António testemunha esta
realidade: quando ascendeu ao patamar da aviação comercial na LAM, em 2012, só
pilotava ao lado de homens, o que até encarou com naturalidade depois de ter
crescido sempre “entre irmãos e primos”.
Mas ainda recorda episódios de
preconceitos, como quando um formador a desculpou “por ser menina”, quando
tentou corrigir uma resposta numa aula teórica – e lembra-se de como isso só
lhe deu “mais força”.
“As atenções estão sempre
sobre ti, como mulher. Querem ver se realmente sabes o que estás a fazer,
porque razão chegaste ali e se alguém te facilitou” a tarefa, descreve, num
percurso mais cerrado do que o dos homens para provar “a aptidão e o
profissionalismo”.
Admira António fecha a porta
do cockpit e liga o aviso de cintos de segurança para se iniciar a descida para
Chimoio, centro de Moçambique, um voo regular de 70 minutos desde Maputo à
frente de um Embraer 145 da Mex com capacidade para 50 passageiros.
Já no aeroporto, ao sair do
avião, há quem se aperceba de ter viajado com uma tripulação totalmente
feminina e as saúde em inglês: “São uma equipa poderosa”.
Mas, Nárcia Mateus, de 29
anos, assistente de bordo há oito, refere que também já houve passageiros a
questionar o facto de só haver mulheres na tripulação.
A resposta é dada com o
profissionalismo demonstrado, sublinha, tanto num avião como noutros aspetos da
vida moçambicana: “Temos mulheres a ocupar cargos que antigamente eram só
masculinos”, refere, contrariando índices que colocam o país entre os piores.
Está em 136.º lugar entre 160
no Índice de Desigualdade de Gênero medido pelas Nações Unidas, que combina
saúde, participação no mundo laboral e acesso às oportunidades.
Moçambique é o país com a
oitava maior taxa do mundo de partos na adolescência, com 135 nascimentos por
cada mil mulheres entre os 15 e 19 anos, segundo o Índice de Desenvolvimento
Humano da ONU.
Um total de 48% das mulheres,
com idades entre 20 e 24 anos, casou quando tinha menos de 18 anos – é a nona
pior taxa do mundo.
Os índices mostram que podia
ter havido outra Admira António, que, por esta altura da vida, nunca teria sido
comandante de avião.
“Foi uma das coisas que me fez
dar muita atenção à escola e ao meu sonho: eu via que se esperava que uma
mulher casasse muito cedo e formasse família e um lar” e “se o lar não estava
bem, a culpa era dela”, descreve.
Estudou e completou a formação
de piloto até onde a disponibilidade financeira da família permitiu, na África
do Sul, onde cresceu, e depois candidatou-se a uma bolsa da LAM e Mex – bolsa
que lhe foi atribuída, permitindo-lhe chegar ao lugar que ocupa neste momento.
Admira foi assim batizada perante
o espanto do pai, que pela segunda vez teve gêmeos quando ela nasceu, mas hoje
em dia o nome se adapta mais ao fato de somar admiradores.
É comum haver quem queira uma
fotografia com “a comandante” e há jovens que lhe pedem conselhos nas redes sociais,
um papel novo que Admira acarinha.
“Se tivesse uma pessoa, na
minha altura, que me inspirasse, isso facilitaria muito a minha caminhada”,
atrás de sonhos que hoje aconselha outras a seguirem, porque “muitas vezes as mulheres
aceitam as coisas como elas são e não tentam lutar por aquilo que elas querem”.
A LAM tem 38 pilotos e três
são mulheres, enquanto na tabela da subsidiária Mex há 18 nomes listados, seis
do gênero feminino, destaca Tatiana Conceição, copiloto que regressa a Maputo
ao lado de Admira.
Diz estar certa de que, com o
exemplo dado, haverá mais comandantes na companhia e que outras mulheres
tentarão ser piloto de aviação, desde que as oportunidades sejam divulgadas da
mesma forma que outras profissões.
A bolsa de estudo que deu
acesso à aviação comercial a Admira e Tatiana “não é divulgada como outras”
junto das escolas, deixando passar a ideia de que ser piloto “é uma profissão
de elite”, quando deve antes ser um sonho desde o ensino básico, acrescenta.
Com o avião estacionado, de
volta a Maputo, Sónia Motumbene, assistente de bordo, de 26 anos, faz um resumo
das operações: “É uma honra voar com uma comandante mulher. A profissão não tem
nada a ver com o gênero”.
A tripulação de quatro
mulheres deixa a aeronave para entrarem os homens da equipa de limpeza, que
comentam entre eles: “Viste, eram só mulheres”. In “Mundo Lusíada” - Brasil
Sem comentários:
Enviar um comentário