Determinadas
medidas do Governo da RAEM alimentam alguma “esperança” de que o português se
tornará numa língua a ter em “maior consideração” no território, entende
Giorgia Corro. A autora de uma tese sobre as perspectivas para a língua de
Camões no próximo milénio alerta, porém, para o facto do português ainda não
funcionar como língua de comunicação apesar dos esforços na promoção do ensino.
Neste prima, acredita que os jovens poderão ser a “origem de uma mudança que
pode acontecer”
Apurar como é que a língua
portuguesa será considerada pelos jovens – se apenas como língua estrangeira ou
afectiva – depois de 2049, ano que marcará o fim da vigência do Segundo Sistema
– foi o objectivo a que se propôs Giorgia Corro, autora da tese “Perspectivas para o Português em Macau no
novo milénio”.
Através deste trabalho, a que
a Tribuna de Macau teve acesso, a mestranda da Universidade de Veneza, traçou o
perfil e as expectativas dos estudantes chineses do ensino superior da
Universidade de Macau (UM) que foram inquiridos em relação à presença da língua
de Camões na linha curricular.
Apresentado como uma “primeira
contribuição nesta área científica pouco explorada nas pesquisas linguísticas”,
o documento destaca que, embora com “grande dificuldade, a língua portuguesa
continua a ser ensinada em Macau”. “Tanto a língua como a cultura portuguesa
são uma herança que uma parcela da população ali vive, preserva e transmite de
geração em geração. Ainda hoje naquele território, as pessoas podem ver ruas e
igrejas de nome e construção portuguesas, ou também falar português nas lojas e
na cidade”, refere a autora.
Resta saber se acontecerá a
Macau o mesmo que nas Filipinas – “onde o Português […] foi suplantado pelo
Inglês e pela língua filipina; ou como os territórios da Índia, Goa, Damão e
Diu, onde o Português foi suplantado pela língua hindu”. Seja como for, Giorgia
Corro ressalva a “situação particular” que se vive na RAEM onde o português
chegou a ser língua franca.
No entanto, “após a
colonização (não uma verdadeira colonização, mas um território no qual
prevaleciam os conjuntos nascidos pelos acordos económicos)” as condições entre
Macau e Portugal “foram quase sempre de convivência pacífica entre a língua e a
cultura portuguesas e as chinesas”.
Descrevendo a questão
identitária de Macau como “muito complexa” e uma situação linguística
“especial”, Giorgia Corro acrescenta que “a essência da identidade cultural
macaense é, neste sentido, o facto de poder ter um património cultural
partilhado com o povo português”, vinca.
A
ameaça à identidade lusa
Actualmente, “o português
macaense não é totalmente tido em consideração de acordo com a sua importância
histórica, tal como acontece com o Patuá, e as respetivas culturas, portuguesas
e macaenses, apesar de as duas comunidades terem coexistido, no passado, de
maneira pacífica”, refere Giorgia Corro.
Pesa também o “problema dos
investimentos públicos nas manifestações culturais de língua portuguesa”, já
que “o Governo investe uma pequena parte do dinheiro para subsidiar
demonstrações culturais destinadas a promover a cultura macaense relacionada à
portuguesa”, sustenta. “Na verdade, o que falta nas políticas de Governo
ligadas aos fundos culturais é o facto de não considerar a importância
histórica que a comunidade portuguesa-macaense teve no que diz respeito aos
macaenses, considerando-a, portanto, sob o ponto de vista histórico e não como
segunda comunidade que tem de ser suportada economicamente”, fundamenta.
Neste contexto, “a Associação
dos Macaenses e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses são obrigadas
a grandes esforços para serem consideradas”. Por arrasto, isso “influencia a
quantidade de manifestações culturais que certas associações podem oferecer, e
a percepção da cultura dominante em Macau. Isto é obviamente devido ao facto de
que […] o desenvolvimento da comunidade actualmente dominante é promovido
também porque a comunidade chinesa é importante sob o ponto de vista do
trabalho e desenvolvimento tecnológico”.
Já a literatura, defende, é
uma “representação optimista da cultura macaense” pois “representa a realidade
de Macau e o facto que os seus cidadãos querem crescer e aprender de acordo com
o pluralismo linguístico e cultural”.
Qual será, portanto, o futuro da
comunidade portuguesa que vive em Macau? Para a académica, é importante
reconhecer que “muitos mais portugueses escolhem Macau como território onde
viver e onde se transferir, especialmente pelas vantagens económicas e pelas
taxas reduzidas dos impostos públicos” – correspondendo a 1,7% da população.
“São dados muito importantes que apresentam o facto da língua portuguesa e da
herança portuguesa poderem manter um papel importante também nos anos
sucessivos a 2049”, acentua.
Analisando do ponto de vista
do ensino, impera o facto de que as “oportunidades para aprender português
cresceram mais do que aconteceu nos últimos anos, apesar do crescimento não ser
grande”. “Além disso, a oportunidade de falar português também preocupa
economicamente a China, porque investir no ensino da língua portuguesa poderá
significar investir em trocas culturais e económicas com países com um grão de
crescimento económico importante, como o Brasil, acrescendo a riqueza da
China”, demonstra.
No entanto, “a realidade de
Macau não é tão boa quanto parece”, lamenta. “O português é aprendido nas
escolas privadas e nas escolas públicas luso-chinesas, mas esta língua, na
maior parte da população, na realidade, não funciona como língua de
comunicação” apesar de ser necessário os jovens aprenderem a língua se quiserem
“encontrar emprego em áreas administrativas, no ambiente das relações públicas,
nas relações internacionais e no turismo”.
Relevância
reconhecida
Com base no inquérito
promovido a 32 intervenientes, entre os 20 e 30 anos, verificou-se que a
maioria estuda português há três/ quatro anos, sendo falado por 23. As
principais razões para estudar a língua envolvem motivos profissionais
seguindo-se o gosto e interesse pela linguística e a curiosidade e interesse
pelos estudos da mesma.
Por outro lado, do perfil
linguístico da família depreende-se que todos os participantes são de origem
chinesa ora tendo o cantonês (18) ora o chinês (10) ou o mandarim (3) indicado
como língua de comunicação nas relações familiares. Assim, “o português foi
relacionado com a aprendizagem de uma língua fácil, o que era de supor uma vez
que os informantes são chineses. Mas estes estudam português porque gostam da
sua musicalidade e do facto de esta língua ser falada no mundo”, realça.
“Eles gostam de estudar esta
língua porque vêem, graças a este conhecimento, a possibilidade de ensinar,
estudar e trabalhar nos países lusófonos. É de salientar que os informantes têm
a noção da importância da língua portuguesa no mundo e também, do papel da
lusofonia”, observa.
Além disso, “parecem ter bem
presente o conceito de lusofonia e unidade do mundo português, quiçá também
pelo facto de viverem num território onde o papel da língua portuguesa é
oficializado e pela própria educação que eles têm. O facto de não falarem mais
a língua portuguesa nas suas próprias famílias, mas de a observarem quando
andam por Macau, significa que Portugal ainda está presente na geografia do
lugar onde eles vivem, e a sua presença é sinónimo de conexão visual entre
Macau e os Países lusófonos”, remata.
Os jovens são, por isso, “a
origem de uma mudança que pode acontecer”. “Macau, fazendo parte desta
comunidade, poderia realmente, para os jovens, ser um promotor de unidade e
troca, mas também de garantias para o que os jovens pretendem obter da língua portuguesa”.
E, acrescenta, “a universalidade da língua portuguesa e a sua importância
histórica, da presença de elementos portugueses no seu próprio ambiente,
poderão torná-la uma língua importante para ser estudada”.
De um modo geral, a académica
acredita que “há esperança de que a língua portuguesa possa tornar-se realmente
numa língua a ter em maior consideração no território de Macau” tendo em conta
“as decisões tomadas pelo governo chinês”. Catarina
Almeida – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
Sem comentários:
Enviar um comentário