I
O
jornalista Elio Gaspari, autor de cinco inolvidáveis livros sobre o regime
militar (1964-1985), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, dia 30 de janeiro de 2019, observou que o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso gosta de relembrar uma cena na qual o
historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) discutia o tamanho de algumas
figuras do Império e ensinou: "Doutora, eles eram atrasados. Nós não temos
conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada". Em seguida, o
jornalista fez uma relação sucinta de males causados ao Brasil e à população
brasileira por atitudes e decisões tomadas por gente despreparada e inculta, ou
seja, “atrasada”, que chegou ao poder tanto pela força das armas como por
acordo entre elites ou pelo voto popular.
Para
ter uma ideia dos males que esse tipo de “gente atrasada” já causou à cidade do
Rio de Janeiro, o antigo Distrito Federal, o leitor não pode deixar de ler Efemérides Cariocas (Rio de Janeiro, edição dos autores, 2016), dos
historiadores Neusa Fernandes e Olinio Gomes P.
Coelho. Ali pode constatar um dos
maiores atentados à inteligência e à cultura nacional que foi a demolição a 5
de janeiro de 1976 do Palácio Monroe, projetado para representar o Brasil na
Exposição Internacional de Saint Louis, nos Estados Unidos, e inaugurado em 30
de abril de 1904.
O
edifício abrigou o Ministério de Viação e Obras Públicas, a Câmara dos
Deputados e o Senado Federal, a partir de 1915, até a sua mudança para
Brasília, em 1960. Apesar dos protestos da população e de entidades ligadas à
engenharia e à arquitetura, o ditador da época, Ernesto Geisel (1907-1996),
determinou ao ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen (1935-1997), a
demolição do palácio, sem quaisquer justificativas técnicas e culturais. O
local seria revitalizado com a instalação de um antigo chafariz da cidade e a
construção de uma garagem subterrânea (p.24-25).
Outro
exemplo está à página 457 onde aparece a foto do antigo solar do marquês de
Inhambupe, na Praça da República, 25, que foi demolido em 1978 para que o Banco
do Brasil, seu então proprietário, ali instalasse um centro operacional de
computação. O local funciona até hoje como estacionamento de veículos do Corpo
de Bombeiros, a exemplo do edifício neoclássico onde funcionou a Escola
Nacional de Belas Artes, na Avenida Passos e Rua Gonçalves Ledo, projetado pelo
arquiteto francês Grandjean de Montigny (1776-1840), inaugurado em 1816 e
mandado derrubar em 1936 pelo então ministro da Fazenda, Arthur de Souza Costa
(1893-1957), conforme se lê no livro Tesouro:
o Palácio da Fazenda da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro (Rio de
Janeiro, Pébola Casa Editorial, 2015, p.88-91), dos professores, arquitetos e
pesquisadores Helio Brasil e Nireu Cavalcanti. Lá, hoje também funciona um
estacionamento de veículos.
Através
de vários verbetes, o leitor pode acompanhar também a trajetória do engenheiro
Francisco Pereira Passos (1836-1913) que, como prefeito de 1902 a 1906,
promoveu a renovação urbanística da região central do Rio de Janeiro,
especialmente com a abertura da Avenida Central, hoje Avenida Rio de Branco,
liderando a política do bota-abaixo,
que modificou o cenário carioca e destruiu vários prédios remanescentes do
período colonial e da época do Império, além de expulsar a população pobre,
fazendo-a subir os morros para residir em moradias precárias (favelas).
II
O
livro reúne outros principais fatos que ocorreram na cidade do Rio de Janeiro e
que merecem ser conhecidos, além de “abrir caminhos para novas avaliações e
pesquisas”, como observam os autores no texto de apresentação. É de se
ressaltar que a pesquisa não ficou limitada a fatos políticos, mas procurou
percorrer o processo histórico da cidade, reunindo um número significativo de
verbetes e a reprodução de dezenas de imagens e documentos.
Enfim,
é um livro que contempla mais de 451 anos de História, oferecendo imagens que
completam a informação e preenchem uma lacuna na historiografia do Rio de
Janeiro, a Cidade Maravilhosa, título
dado pelo escritor maranhense Coelho Neto (1864-1934), como escreve a
historiadora Neusa Fernandes no texto de abertura. Já o arquiteto Olinio Gomes
P. Coelho ressalta que o livro não
pretende ser um tratado da história do Rio de Janeiro, mas oferece subsídios
para a sua elaboração.
Ele
cita outros livros de referência, como Efemérides
Brasileiras (1946), de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), com fatos
ocorridos até o final do século XIX, Efemérides
Cariocas (1965), de Antenor Nascentes (1886-1972), com acontecimentos até
maio de 1946, Efemérides do Teatro Carioca, de Otto Carlos Bandeira Duarte
(c.1880-?), com fatos até agosto de 1957, e Efemérides
Luso-Brasileiras, de Heitor Lyra (1893-1973), publicado em Lisboa em 1971,
com casos ocorridos entre 1807 e 1970. Além desses livros, a pesquisa foi
fundamentada no levantamento e análise de outras fontes impressas, como
documentos oficiais e jornais, com consultas em arquivos públicos e
particulares, museus, bibliotecas e coleções particulares.
III
Neusa
Fernandes, nascida no Rio de Janeiro, tem graduação em Pedagogia pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 1960, e em Museologia pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), 1968, além de mestrado
em História Social, 1999, e doutorado em História Social pela Universidade de
São Paulo (USP), 2002, e pós-doutorado pela UERJ, 2009. É pós-graduada em
História pela Universidade de Madri.
Professora
de História do Estado do Rio de Janeiro, título conquistado por meio de
concurso público, no qual obteve o primeiro lugar, atuou em várias
universidades cariocas. Foi pró-reitora de Pesquisa na Universidade Severino
Sombra, em Vassouras, e diretora do Museu da República, Museu do Primeiro
Reinado, Museu da Cidade e outras instituições. Pesquisadora do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), presta serviços ao
Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação. É vice-presidente do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro (IHGRJ) e membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Vassouras (IHGV).
É
autora de 14 livros de História e de Museologia, entre os quais A Inquisição em Minas Gerais (Rio de
Janeiro, Mauad X, 2016), Eufrásia e
Nabuco (Rio de Janeiro, Mauad
Editora, 2012) e Dicionário Histórico do
Vale do Paraíba Fluminense, em co-autoria com Irenilda Cavalcanti e Roselene de Cássia
Coelho Martins (Vassouras, IHGV/Nova Imprensa Oficial do Estado do Rio de
Janeiro, 2016).
Olinio
Gomes Paschoal Coelho, carioca, arquiteto, urbanista, livre-docente e doutor em
Arquitetura pela UFRJ, especialista em conservação e restauração de monumentos
e sítios históricos pelo Centro de Estudos para a Preservação e Restauração de
Bens Culturais da Universidade de Roma/Unesco, é professor titular da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, da Universidade Santa Úrsula, do Instituto
Bennett de Ensino e das Faculdades Integradas Silva e Souza.
Foi
autor e executor de diversos projetos de conservação e restauração, entre os
quais a primeira restauração do chafariz da Praça XV de Novembro, a restauração
do Solar Del Rei, em Paquetá, da casa da antiga Fazenda do Capão do Bispo, da
cobertura do Museu Nacional de Belas Artes e do Palácio Nilo Peçanha, para a
instalação do Museu Histórico do Estado do Rio de Janeiro, entre outras obras.
É
autor de Do Patrimônio Cultural e Catálogo Geral de Desenhos e Pinturas de
Grandjean de Montigny e co-autor de 75
Anos do Crea-RJ e Efemérides
Vassourenses. É sócio efetivo do IHGRJ e presidente do IHGV, além de membro
do Conselho Municipal de Cultura do Rio de Janeiro. Adelto Gonçalves - Brasil
Efemérides
Cariocas, de Neusa Fernandes e Olinio Gomes P. Coelho. Rio de
Janeiro, edição dos autores, 780 p., 2016, R$ 41,90.
__________________________________________________________
Adelto Gonçalves
é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito
e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Bom Dia
ResponderEliminarPesquisando no Arquivo da Torre do Tombo encontrei o livro Enfemerides Cariocas. Maravilha.
Ivonete Pereira Tavares