Ana
Gonçalves estava ainda a fazer a licenciatura em Biologia quando, em trabalho
de campo, em 2016, capturou o exemplar, nas margens do rio Vascão, perto de
Mértola. A publicação da nova espécie aconteceu em 2018
Foi um acaso feliz. A primeira
e única vez que Ana Gonçalves esteve nas margens do rio Vascão, perto de
Mértola, em trabalho de campo, para coletar insetos, foi na primavera de 2016.
Mas saiu-lhe logo a sorte grande dos biólogos: descobriu uma nova espécie.
Neste caso, uma nova abelha, que tem, além disso, a particularidade de ser
única na Europa.
Ana Gonçalves, que está neste
momento a fazer o mestrado em Biologia da Conservação, na Universidade de
Lisboa, não se apercebeu na altura de que tinha um pequeno tesouro científico
nas mãos. Nem podia. Como sempre fazia com as abelhas, enviou o exemplar para
David Baldock, um inglês que estava na época a completar o catálogo das abelhas
de Portugal - e não pensou mais no assunto. Só que, as coisas acabaram por se
desenvolver de forma inesperada.
Intrigado com a aparência um
pouco bizarra daquela abelha, David Baldock decidiu enviá-la para um
especialista francês em entomologia, Gerard Le Goff, que a estudou. E, um belo
dia, no ano passado, Ana Gonçalves recebeu um telefonema de Le Goff. A abelha,
disse ele, era uma nova espécie, era necessário fazer a sua publicação.
"Fiquei muito contente,
não estava nada à espera", conta a jovem bióloga ao DN. "Não é todos
os dias que se descobre uma abelha nova em Portugal, mas isso também mostra
como ainda se conhecem muito mal as espécies de insetos, não apenas no nosso
país mas em geral", sublinha.
No artigo que publicaram,
ainda em 2018, na Zobodat, Gérard Le Foff e Ana Gonçalves batizaram a nova
espécie como Protosmia lusitanica. A sua particularidade mais evidente -
"tem outras, mas são pequenos detalhes morfológicos", explica - é a
barriga cor de laranja. "Não há mais nenhuma na Europa com esta
coloração", nota.
O
seu estado de conservação? Não se sabe
A Protosmia lusitanica
pertence a um grupo de abelhas solitárias que fazem os seus ninhos em cascas
vazias de caracóis e que, embora se alimentem de grande variedade flores, não
são produtoras de mel. Mas, pelo menos para já, o exemplar que Ana Gonçalves
capturou nas margens do rio Vascão mantém-se único para a nova espécie. Por
isso pouco se sabe ainda sobre ela, quer da sua biologia quer do seu estado de
conservação.
"O exemplar que coletei é
uma fêmea, agora era preciso apanhar também um macho para estudar a sua
biologia, e ir para o terreno, para avaliar o seu estado de conservação, sobre
o qual ainda não sabemos nada", refere.
A estudar neste momento um
outro grupo de insetos muito pouco conhecido, as Ariasella, um tipo de moscas
corredoras, que não têm asas e só existem na Península Ibérica, em florestas de
carvalhos e de outras árvores folhosas, Ana Gonçalves não tem tempo para levar
por diante um trabalho em relação à nova abelha.
"Quando estiver mais
livre, penso fazer isso, mas também é necessário que haja financiamento",
diz. "Era importante fazer este estudo, mas a investigação em insetos em
Portugal, e mesmo internacionalmente, tem pouco financiamento. Quem financia a
ciência básica não tem muito interesse em investir no trabalho de campo em
relação aos insetos. Mesmo internacionalmente, tem-se andado um pouco para trás
neste ponto", adianta.
Seja como for, estudar a
Protosmia lusitanica não está para já nos seus planos. "Se outros quiserem
avançar, é bom", diz. Quanto a si, não está parada e já tem uma série de
outras novidades para dar à ciência. Ainda neste ano, Ana Gonçalves espera
publicar a descoberta de cinco novas espécies do grupo de moscas que tem andado
a estudar. "Até este momento conheciam-se cinco espécies deste grupo na
Península Ibérica, e a partir de agora passamos a conhecer dez." Aos 25
anos, não deixa de ser um currículo invejável. Filomena Naves – Portugal in
"Diário
de Notícias"
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