Em
novembro de 2010, foram inauguradas as duas eclusas de Tucuruí, no Pará, mas a
obra, entregue depois de mais de 30 anos, não funciona
São Paulo – No momento em que
se promete a retomada e conclusão de obras de infraestrutura para enfrentar a
precariedade da logística nacional, o governo mantém, há sete anos, duas
eclusas bilionárias completamente inutilizadas, estruturas que poderiam transformar
a realidade do escoamento de cargas pela Região Norte do País, mas que hoje só
produzem prejuízos milionários aos cofres públicos.
Em novembro de 2010, foram
inauguradas as duas eclusas de Tucuruí, no Pará, estruturas formadas por um
canal e elevadores de água para vencer grandes desníveis e propiciar a subida e
descida de embarcações. A obra foi entregue depois de mais de 30 anos de
trabalhos, de paralisações e investimentos que, em preços da época, consumiram
mais de R$ 1,66 bilhão.
Erguidas na barragem da
hidrelétrica de Tucuruí, as estruturas prometiam tornar viável uma hidrovia de
mais de 500 quilômetros de extensão no Rio Tocantins, ligando Marabá ao porto
paraense de Vila do Conde, em Barcarena.
Não era segredo, porém, que,
para que essa navegação se concretizasse, era preciso retirar uma corredeira de
43 quilômetros de pedras do rio, o chamado “Pedral do Lourenço”, localizado
acima da barragem. As pedras impedem a passagem das embarcações nos períodos de
seca, por pelo menos cinco meses do ano. Nada foi feito.
O resultado é que, sete anos
depois, em vez de eficiência logística, o que se produz é um enorme prejuízo.
São pelo menos R$ 3,6 milhões por ano de gastos na manutenção de uma estrutura
paralisada. De 2010 para cá, R$ 25,2 milhões já foram gastos.
E mais prejuízo está a
caminho. Pelo cronograma atual do governo, a retirada do pedral só deverá se
concretizar em 2022, isso se não ocorrer mais nenhum imprevisto. Serão mais
cinco anos sem operação, elevando perdas a R$ 43,2 milhões.
Carga
A capacidade de transporte de
cargas pela hidrovia, a partir da operação total das eclusas, é estimada em até
40 milhões de toneladas por ano. Até hoje, no entanto, passaram pelo canal
algumas poucas embarcações, que carregavam algo em torno de 150 mil toneladas,
menos de 0,5% de seu potencial.
Desde o ano passado, apurou a
reportagem, está vencido o contrato de manutenção que o Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pelas eclusas, mantinha
com a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás que administra a hidrelétrica de
Tucuruí e as eclusas. O Dnit chegou a atrasar pagamentos devidos à Eletronorte
e hoje acumula dívida perto de R$ 5 milhões com a estatal.
Entre 2010 e 2015, o Dnit
tentou licitar a retirada do pedral. Foram três licitações fracassadas, por
causa de uma série de questionamentos sobre preços e erros técnicos, até que,
finalmente, foi contratada, em fevereiro de 2016, a empresa DTA Engenharia, por
R$ 520,6 milhões.
Cabe a essa empresa fazer o
processo de licenciamento ambiental do projeto e retirar as pedras do rio. Até
hoje, porém, praticamente nada avançou.
Bichos
Passados quase dois anos da
assinatura do contrato, a empresa conseguiu com o Ibama, em agosto deste ano,
uma “autorização de captura, coleta e transporte de material biológico (Abio)”.
Na prática, é apenas uma liberação para estudar bichos, peixes e plantas da
região, uma fase embrionária do processo de licenciamento.
“Temos buscado todo tipo de
apoio possível para tentar acelerar esse prazo. A hidrovia é um processo
irreversível e temos que usá-la. Não tem como abrirmos mão disso”, disse o
ministro da Integração, Helder Barbalho, que é do Pará e tem interesses
políticos no projeto.
Em 1981, foram iniciadas as
obras da primeira eclusa, que foram paralisadas em 1989. Em 1998, o Ministério
dos Transportes retomou o projeto, mas ele voltou a parar em 2004.
Em 2006, as obras foram
retomadas, sendo concluídas em 2010. Entre a construção da hidrelétrica de Tucuruí
e de suas eclusas, passaram-se quase 30 anos. Agora, entre a conclusão das
eclusas e a retirada do pedral, serão pelo menos 12 anos.
A relevância do projeto fica
mais clara quando se verifica seu impacto na matriz de transportes do País. Os
dados do Dnit apontam que apenas um comboio médio de 150 metros de comprimento,
com capacidade de carregar 6 mil toneladas, tiraria das estradas 172 carretas
de 35 toneladas de capacidade. As hidrovias, no entanto, não contribuem sequer
com 5% do transporte nacional de cargas.
Troca
da acusações
O licenciamento ambiental é
apontado, mais uma vez, como o vilão do projeto de infraestrutura. A demora em
iniciar as obras de retirada das pedras (derrocamento, no termo técnico) no Rio
Tocantins está atrelada, segundo o Dnit, à demora do Ibama em liberar as
autorizações ambientais.
O órgão ligado ao Ministério
dos Transportes declarou que a autorização para estudar espécies de fauna e
flora da região “causou atraso significativo no cronograma da obra, pois estava
prevista para agosto de 2016 e só foi obtida em agosto de 2017”, um ano depois.
A empresa DTA Engenharia, responsável pelos estudos e obras, não quis comentar
o assunto.
Somente com essa autorização é
que a empresa pode fazer o estudo de impacto ambiental, para então requerer a
licença prévia, que atesta a viabilidade das obras e, depois, a licença de
instalação, que autoriza o início efetivo das intervenções.
O Ibama reagiu e culpou o Dnit
por enviar estudos deficientes. O prazo para emissão da autorização, declarou,
“foi decorrente da falta de informações apresentadas pelo empreendedor ao
Ibama, o que resultou em diversos pedidos de complementação e esclarecimentos”.
Segundo o órgão
ambiental, a emissão só ocorreu após três revisões técnicas. “Após a emissão, o
Dnit solicitou retificação da autorização, o que demandou mais duas análises,
por incompletudes ou necessidade de esclarecimentos. Portanto, os atrasos são
de responsabilidade do empreendedor.” In “Exame Abril” - Brasil
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