Até 2013, apenas 0,5% da
população total moçambicana era estudante do ensino superior. Deste universo,
segundo ilustra o Relatório do estudo sobre género no ensino superior em Moçambique
realizado naquele ano, 60,5% eram homens e apenas 39,5% mulheres. De acordo com
o mesmo documento, as desigualdades vão desde o reduzido número de mulheres em
campos de estudo tradicionalmente tidos como masculinos como a área de ciências
exactas e engenharias até ao corpo docente e à liderança das instituições de
ensino superior onde os homens são a maioria.
No entanto, pelo menos ao
nível da mais antiga instituição de ensino superior do país, Universidade
Eduardo Mondlane (UEM), essas disparidades se verificam também nas intenções de
candidatura às bolsas de estudo, até porque, tal como referencia o relatório
supracitado, esta diferença entre os homens e mulheres caracteriza mais o
sistema público do ensino superior que o privado. O último Relatório anual de
actividades e financeiros da UEM referente ao ano de 2015 apontava que naquele
ano a instituição tinha 1912 estudantes beneficiários de bolsas de estudo, e
confirmava-se a tendência de que os homens são os que mais se beneficiam das
bolsas de estudo da UEM com 1372 (72%).
“O
benefício esmagador masculino das bolsas de estudo prende-se ao facto de ser
este o género que mais se candidata a bolsas de estudo e também o que mais
admite à UEM”, explica o documento, que define bolsa de
estudo como sendo o apoio em bens e/ou serviços de que é beneficiário o
estudante carente de recursos financeiros, destinado a suportar parte dos
encargos para a frequência e conclusão de um curso.
Entre os vários critérios da
atribuição da bolsa, destaca-se o artigo 16 do Regulamento da Bolsa de Estudo,
que estabelece que na atribuição de bolsas de estudos, serão ponderados os factores
idade e género, privilegiando-se os mais novos e os requerentes do sexo
feminino. Entretanto, embora o número de mulheres candidatas a bolsas seja
menor que o dos homens conforme referencia o relatório da UEM, a realidade
revela haver, por parte desta instituição de ensino superior, algumas
fragilidades caracterizadas por reduções do valor e atrasos na atribuição das
referidas bolsas de estudo, fenómeno que obriga a que estas mulheres tenham
sempre um segundo plano para a sobrevivência, e muitas delas apostam no
negócio.
Dificuldades
aliam-se à criatividade empreendedora
Virgínia de Lurdes Francisco
tem 22 anos e frequenta o 3º ano de Licenciatura em Psicologia no período
laboral na UEM. É natural de Nampula e veio a Maputo sob regime de bolsa de
isenção, mas o seu desejo é ter uma bolsa completa conforme requisitou logo que
admitira, em 2015. “Actualmente vivo no
bairro do Zimpeto, na casa de um familiar. Tenho enfrentado várias
dificuldades, sobretudo na questão de transporte, reprodução de fichas de
estudo, por isso pretendo voltar a concorrer a uma bolsa completa ainda este
ano. A bolsa apenas me isenta do pagamento de inscrição das cadeiras. Não tem
sido fácil para mim.”
Ter direito a bolsa, há já
algum tempo que deixou de ser sinónimo de aquisição do referido valor no tempo
certo. Estudantes da mais antiga instituição de ensino superior do país
queixam-se dos recorrentes atrasos na obtenção do valor, subida acima de 100%
do preço das refeições entre outras adversidades que segundo o presidente da
Associação dos Estudantes Universitários da UEM, Salvador Muchidão são justificadas
pelo abate, em 50%, do valor que a instituição adquire do Orçamento do Estado.
Aznaida Artur frequenta o 3º
ano do curso de Agro-economia e extensão agrária e é beneficiária da bolsa
completa que lhe confere o direito a alojamento, isenção de matrícula, pensão
no valor de 3000 meticais, dos quais mil são descontados automaticamente para a
alimentação no refeitório da universidade e os restantes transferidos para a
sua conta bancária para custear a despesas do dia-a-dia, como fichas de
leitura, transporte, entre outras.
Apesar de ser beneficiária da
bolsa com mais privilégios, Aznaida refere que os termos da gestão da bolsa por
parte da universidade não são eficazes pois no seu caso, há benefícios dos
quais não disfruta devido a sua rotina, “existe
um horário estabelecido para passar as refeições no refeitório da residência
que não é compatível com o meu horário na faculdade. As minhas aulas iniciam às
7h e terminam às 19h com alguns intervalos, mas que não coincidem com os
horários das refeições” lamenta a bolseira, mais ainda pelos mil meticais
que lhe são descontados para este fim. “Este
valor é destinado a alimentação, mas não passo as refeições lá. O mais caricato
é que a pensão, algumas vezes chega com atraso de dois a três meses” revela
a estudante que no dia da entrevista somava o segundo mês sem receber a pensão,
sendo obrigada, algumas vezes a recorrer aos pais, que também não têm muito a
dar.
Devido à experiência amarga,
Aznaida decidiu abraçar o empreendedorismo e não mais ser refém da universidade
ou de ajuda. Actualmente, além de estudar comercializa produtos de beleza para
as suas colegas da residência universitária. O negócio não lhe rende muito, mas
é dessa actividade que ela consegue manter-se sem entrar em conflito com as
aulas, enquanto espera pela pensão.
Tal como Aznaida, Lucinda
Feraz é bolseira e frequenta o mesmo lar universitário, porém, o regime da
bolsa da Lucinda é diferente, contém menos benefícios, um dos quais é o do
alojamento. Feraz frequenta o quarto ano de Licenciatura em Educação de
Infância na faculdade de Educação e veio de Quelimane para concretizar o sonho
de licenciar-se. Ela relata que teve que se esforçar para conseguir alojamento
na residência onde mensalmente paga o valor de 750 meticais.
Se existem dificuldades para
os beneficiários de bolsas completas, para Lucinda as dificuldades são maiores,
a beneficiária da bolsa reduzida revela que também ressente-se do facto de o
valor de alimentação ser descontado automaticamente da sua pensão. “Normalmente recebo três mil meticais, no
entanto apenas 2000 líquidos, dos quais 750 mt retiro para pagar o alojamento e
o valor que sobra não é suficiente para a minha alimentação, fichas e
transporte” disse Lucinda. “O valor
da pensão sai de dois em dois meses geralmente acumulado mas nem sempre é
assim, muitas vezes somos obrigadas a criar dívidas e quando o dinheiro chega
serve só para pagar as dívidas e isso acaba nos empatando. Somos estudantes e
temos capacidade de auto-gerência, a direcção devia dar o valor completo e para
quem quisesse frequentar o refeitório com o valor podia gerir de modo a suprir
as suas necessidades. Eu não frequento o refeitório mas sou lesada” desabafou
Feraz.
Apresentadas as questões à
Associação dos Estudantes Universitários (AEU) e à Direcção dos Serviços
Sociais (DSS) da instituição, as estudantes foram recomendadas a “se aguentar, porque a situação está
difícil”, contou Feraz, que para suprir certas necessidades, há mais de
três meses que Lucinda compra e revende carne de peru e ovos. O lucro ganho é
destinado às despesas de alojamento, fichas, transporte para as aulas práticas,
entre outras.
Contactado pelo MediaFemme,
Salvador Muchidão, presidente da Associação dos Estudantes Universitários da
UEM admitiu ter conhecimento dos problemas que os estudantes bolseiros têm
enfrentado, até porque são também as suas dificuldades.
Muchidão é estudante do 4º ano
de Direito e é beneficiário da bolsa completa. O representante reconhece que os
problemas que os bolseiros enfrentam são inúmeros e a justificação mais
recorrente da Direcção é a falta de fundos por parte da Universidade pois “a nossa bolsa é contemplada pelo orçamento
do Estado, e o orçamento da UEM foi reduzido pela metade. Muitas vezes o
Ministério da Economia e Finanças tem levado muito tempo para efectuar o envio
do valor para a universidade e daí, para os estudantes”, explicou.
O presidente da AEU revela que
estas reclamações têm sido apresentadas com frequência a DSS pois, muitos são
os estudantes que dependem exclusivamente daquela pensão e lamenta que a
entidade que dirige não tenha muita margem de manobra nesta questão. “A AEU não
tem como garantir que este valor chegue em tempo útil, mas temos feito
negociações com os serviços internos da universidade. A título de exemplo, já
enviamos uma carta à DSS a dar a conhecer que os estudantes bolseiros não
poderiam efectuar o pagamento do alojamento no devido tempo pelo que só poderia
ser feito quando o valor da pensão fosse enviado” disse.
Uma questão que também deixa
os estudantes irriquietos é o facto de o valor das refeições ter subido para
mais de 100%, dos anteriores 14mt para 35mt. Muchidão revela que no início do
corrente ano, a DSS convocou um encontro para informar que devido a conjuntura
financeira do país, a universidade tinha recebido apenas 50% do seu orçamento,
o que se reflectiria nos serviços da universidade, em particular no valor das
refeições pois eram subsidiadas pela universidade, capacidade que a UEM perdeu.
Por essa razão, a universidade pretendia aplicar o valor do mercado, 110 a 150
mt/refeição. O assunto foi discutido de tal maneira que passadas três semanas
chegou-se ao acordo de 35mt por refeição, com a condição de que o valor seja
revisto logo que o país alcançar um equilíbrio.
UEM
sobrevive com 50% do orçamento a menos
O Orçamento da UEM provem de
três fontes, orçamento do Estado, receitas próprias e doações. De acordo com a
Proposta do Plano Económico e Social e Orçamento da UEM para 2017, documento
produzido em Agosto de 2016, o orçamento de Estado da UEM no ano passado foi de
3,227,643.45 mt, dos quais 2,485,553.93 mt provenientes do orçamento do Estado,
o maior financiador, doações e contratos, 174,543.30 mt e receitas próprias
567,546.22mt.
Para o presente ano, a
proposta do Orçamento Global apresentada pela UEM previa um acréscimo de 41% do
patrocínio e estava estimada na ordem dos 4.549,05 milhões de meticais, dos
quais, 3.478,36 milhões seriam do Orçamento do Estado (76.46%), as receitas
próprias contribuiriam com 567,55 milhões, equivalentes a 12.48% e os restantes
503,15 milhões de proveriam de doações. Contudo, de acordo com Salvador
Muchidão, presidente da Associação dos Estudantes Universitários da UEM, o
orçamento que o Estado atribuiu foi apenas a metade do esperado, factor aliado
à depreciação do metical. In “CEC – Centro de Estudos Interdisciplinares
de Comunicação” - Moçambique
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