Em 1941, a Europa e Portugal
viviam um dos períodos mais negros da sua história, a primeira envolvida numa guerra
que matará milhões de pessoas e deixará um rasto de destruição sem paralelo e o
segundo mergulhado na longa noite do fascismo de onde só emergirá a 25 de Abril
de 1974.
Nesse mesmo ano, Bento de
Jesus Caraça, então professor de matemática e conhecido intelectual com
ligações ao PCP, fundava a Biblioteca Cosmos, uma colecção de divulgação
cultural e científica sem paralelo no país. Com um milhão de exemplares
vendidos entre 1941 e 1948, num país em que a taxa de analfabetismo rondava os
70%, a Biblioteca Cosmos será uma resposta possível ao inferno que então se
vivia.
O lançamento do livro “Uma
Biblioteca contra o Inferno” da autoria de João Oliveira Duarte será no dia 04
de Setembro, pelas 19H, no Espaço Cultural Cinema Europa, em Campo de Ourique,
Lisboa. A apresentação contará com a presença do Dr. Carvalho da Silva, antigo
dirigente da CGTP. “Ego Editora”
"Há quem acredite (...)
que ainda existem intelectuais e que os livros ainda podem mudar o que quer que
seja (...). Acho que quem acredita nisso se encontra verdadeiramente
equivocado."
João Oliveira Duarte vai lançar
no próximo dia 04 de Setembro em Campo de Ourique o livro "Uma Biblioteca
contra o Inferno", no qual descreve o extraordinário legado de Bento de
Jesus Caraça, intelectual pouco conhecido da maioria dos portugueses, mas cujo
trabalho foi bastante relevante nos tempos obscuros do Estado Novo.
Estivemos à conversa com o
autor para percebermos melhor quem é e o que o move no mundo da literatura.
1
- Para quem não o conhece, quem é o João Oliveira Duarte?
Nasci em Lisboa, estudei
Direito durante alguns anos mas acabei por fazer o curso de filosofia na
Universidade de Lisboa. De momento, estou a fazer o doutoramento em História de
Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
2
- Sempre teve a ambição de publicar um livro, neste caso, um ensaio?
Nunca tive ambição de publicar
o que quer que seja. O pouco que fui publicando aqui e ali deveu-se a
obrigações académicas – hoje só sobrevive na academia quem obedecer a critérios
nada inteligentes de produtividade – ou então a pequenos gostos de origem
inconfessável.
3
– O que o levou a escrever sobre o Bento de Jesus Caraça?
É uma história algo comprida,
que começa com uns textos para uma revista literária da qual não tenho especial
orgulho – fui director-adjunto enquanto durou e felizmente durou pouco. Depois
de acabar a revista, perguntaram-me se não queria aprofundar aqueles pequenos
textos que nunca chegaram a ser publicados.
4
– Qual o impacto que acha que este livro poderá ter na sociedade portuguesa?
Há uma pequena conversa entre
Michel Foucault e Gilles Deleuze em que o eclipse da figura do intelectual é
desenhada e as suas consequências retiradas. Esta figura, que começa com Zola e
o caso Dreyfus, no século XIX, e que acaba com Jean-Paul Sartre em 1980, faz
parte de uma “atmosfera”, chamemos-lhe assim, em que os livros ainda tinham
alguma forma de impacto, mesmo que fosse, muitas vezes, de forma equivocada.
Parece-me que com o fim da figura do intelectual, a possibilidade desse impacto
desapareceu. Há quem acredite no contrário, que ainda existem intelectuais e
que os livros ainda podem mudar o que quer que seja – jornalistas, acima de tudo,
cheios de boa vontade. Acho que quem acredita nisso se encontra verdadeiramente
equivocado.
5
– Qual a sua ambição literária, até onde se imagina ir?
Não tenho nem nunca tive
qualquer tipo de ambição literária. Mas acho interessante a sobrevivência de umas
certas características da “função autor”.
6
– Que autores o inspiram?
Num trabalho como este a
inspiração não tem lugar. A filosofia, a crítica e o ensaio, contrariamente à
literatura e à arte, não têm nem nunca tiveram musas. Chegam sempre depois, após
estas terem abandonado o local do crime. Mas há “diálogos”, apesar de não
gostar muito desta palavra. Neste texto em concreto, é inegável a presença de
Michel Foucault e de Jorge Luis Borges, num primeiro momento, um conjunto de
autores (Schiller e Marx, por exemplo) em que a questão da antiguidade é
colocada e, por último, uma peça atribuída a Ésquilo. Acima de tudo, e
descontando a óbvia presença dos escritos de Bento de Jesus Caraça, tentei que
diversos textos interviessem de forma local ao longo do livro, convocados por
questões precisas.
7
– Tem planos para próximos títulos?
Havia o plano de publicar uma
versão modificada da tese de mestrado. Mas como é um texto já antigo onde,
apesar de concordar ainda com as teses gerais, há um certo tom e estilo no qual
já não me revejo, terei de decidir se está publicável ou não. Isto, acrescido
do facto de se publicar demasiado em Portugal, deixa-me, no mínimo, relutante. "Ego Editora"
Sem comentários:
Enviar um comentário