Numa dessas manhãs,
concentrado sobre as teclas do meu lap
top, para escrever alguma coisa, o telemóvel vibra e do outro lado me
chamam de Domingos Florentino, meu heterónimo como autor de alguma poesia e
ficção. Anunciam-me um convite para levantar na União dos Escritores Angolanos,
associação de que sou membro, desde os anos 90 do outro século. Era para me
juntar, no dia seguinte, a outros homens de cultura e artes, sem cores
partidárias, para ouvir uma palestra do candidato João Lourenço, sobre o programa
do MPLA para esse sector.
Entro em alguma perplexidade
(vou ou não vou?) porque desde 2009, que através de uma carta aberta, dirigida
ao então Secretário-Geral do MPLA, suspendi a minha actividade política dentro
do partido, para me dedicar a um discurso de apelo nacional à moderação. Algo
que eu via cada vez mais a afastar-se das práticas do Estado, cada vez mais
entregue aos desígnios pessoais do Presidente José Eduardo, com o MPLA cada vez
mais transformado num mecanismo de aplausos a tudo, desde o mais ou menos
aceitável ao mais absurdo possível. Com todas as vias do diálogo interno
cortadas, a não ser por via de mensagens cínicas e algumas a tocar as raias do
sinistro.
Durante todo esse período
contornei a pressão de convites à mudança de clube partidário ou à criação de
uma organização político-partidária pessoal. Porque achei estar a ocupar o
espaço que mais se ajustava a mim próprio, em relação a um serviço que os
mestres da Igreja Cristã chamam de “bem comum”. Que outros continuassem a
ocupar os outros espaços. A perplexidade vinha, pois, do facto de que não está
ainda claro se estamos, efectivamente, a sair do quadro que determinara a minha
decisão. E, havendo na anunciada actividade, um lado de natureza cívica, havia
também a vertente estritamente partidária e apelativa ao voto para um candidato
e respectiva lista, nestas eleições que serão ainda “atípicas”, infelizmente.
Porém, tendo já passado, há muito, a idade do “to be or not to be”, mais adequado a certos naturais radicalismos
juvenis – não fosse eu considerado um inveterado obstinado de causas estéreis –
consulta aqui a um confrade em situação similar, consulta acolá a um familiar
ou amigo, foi desfeita a perplexidade e lá fui.
Tudo começou da melhor
maneira. Sentar-se ao lado do gigante Pepetela, do velho confrade Jacques dos
Santos e do mais jovem Luís Fernando, mas tudo de forma espontânea; matar
“idosas” saudades, reencontrando antigas beldades do Cremlim, na sua
persistente beleza e simpatia; aqui um abraço do grande Lamartine, acolá do Carlos
Baptista e sentir arrepios recordando a canção-poema “Enquanto Espero”; chocar,
num corredor, com um cronista de 7 costados como o Ismael Mateus; ouvir pedaços
da obra inolvidável do Santocas, mas rezar para que não venham incendiar novas
pradarias, 4 décadas depois da sua relativa utilidade, etc., etc. Ouvir o
discurso político do candidato, bem colocado e adequado à circunstância;
depois, desagradar-se um pouco com aquela sectarização partidária de homens de
arte e cultura que deviam pertencer a todos, mas pensar que são coisas de se
esperar e que, dificilmente, se poderiam excluir do risco assumido, pois,
poderia ser pior. Não dizem alguns (antiguidades!) que em campanha eleitoral
(ou, pior, em política) vale tudo?
Mas esperem, leitores, que é
isso mesmo que vai acontecer comigo, no fim de tudo, quando terminar a
tesourada sobre o trabalho de jornalistas dos meios públicos e meios privados
de comunicação cujos donos são os mesmos que mandam (e muito mal!) nos meios
públicos, que por essa arte mágica vão conseguir transformar o ontem crítico
construtivo de um regime, que se pensa estar no fim, num vulgar bajulador do
presidente cessante. A quem ainda ontem, sem lhe retirar os méritos devidos,
nunca se coibiu de apontar a gravidade dos mais do que públicos e notários
factos e consequências, especialmente, dos últimos 15 anos.
Durante as entrevistas,
adivinhei, levemente, o que poderia acontecer, mesmo depois de me jurarem por
todos os santos, na terra e nos céus, que desta vez não aconteceria, nem pouco mais
ou menos aquilo de que “os outros se têm, injustamente, queixado”, quando me
apercebi da raivosa vontade de me sacarem elogios, completamente fora do
contexto em que nos encontrávamos, ao Presidente dos Santos. Porém, na dimensão
em que a cirurgia foi feita, especialmente na TPA, era de parar o coração, se o
não tivesse ainda suficientemente forte, graças a Deus. Caíra “como patinho”,
num pântano que julgava já estar seco.
Mas a pesar disso, houve ainda
uma coisa extremamente positiva. Um encontro breve de saudação muito cordial,
da iniciativa do candidato João Lourenço, que só não tenho encontrado, de algum
tempo a esta parte, pelas responsabilidades enormes que tem assumido e por
vivermos nesta floresta densa que se chama Luanda. Como não encontrar-me com um
companheiro de longas jornadas de trabalho de partido, que nos tornaram amigos
como irmãos? Se eu me encontro, com toda a naturalidade, com líderes e amigos
de outros partidos? Deus me livre deste tipo de sectarismo, se sempre continuei
com o meu coração aberto, mesmo ao Presidente dos Santos de que ainda espero o
apoio a quem ganhar, seja de que partido for, para a consolidação da harmonia
nacional, na sequência da obra positiva que se lhe atribui com toda a justeza,
neste domínio!
Assim como “nem só do pão vive
o homem”, como diz a Bíblia Sagrada, espero que cheguemos, rapidamente, ao dia
em que possamos dizer: nem só de ganhar eleições depende a nossa felicidade que
também depende da felicidade daquelas que as percam. O mesmo que dizer: não
faças aos outros o que não gostarias que fizessem a ti. Marcolino Moco – Angola
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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953. Licenciado em Direito, mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto e doutor em Ciências Jurídico-Políticas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.
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