Sensivelmente por volta da
década de 1980, a música angolana começou a entrar “em força” em Portugal, por
via das muitas discotecas africanas que foram surgindo, principalmente em
Lisboa, e também dos muitos artistas da lusofonia que demandaram a antiga Metrópole
para prosseguirem as respectivas carreiras. Se nessa altura muitos
cabo-verdianos já lá estavam há largos anos, a maior parte dos músicos
angolanos viu-se obrigada a emigrar muito por força da guerra civil no país,
tal como fizeram alguns compatriotas seus. O movimento tornou-se mais intenso
em finais da década, sendo um dos seus grandes protagonistas Eduardo Paím,
co-fundador em Angola da banda SOS, que tanto sucesso fez no início da década,
disputando a simpatia e a atenção da juventude estudantil luandense com o Afra
Sound Stars.
Antes desse movimento, de
música angolana Portugal conhecia muito pouco. Praticamente só o N’gola Ritmo e
Lourdes Van-Dúnem, que fizeram uma aparição na RTP em 1964, numa acção de
propaganda política salazarista para vitoriar o luso-tropicalismo, e o duo Ouro
Negro, que se radicara em Portugal mais. Outra referência do período anterior à
Independência era o incontornável Bonga (Barceló de Carvalho), ele que fora atleta de topo no Benfica
de Lisboa, clube que representou de 1966 a 1972, tendo sido a 16 de Setembro de
1969, em Atenas (Grécia), recordista de Portugal dos 400 metros, com 47,02
segundos. A passagem pelo atletismo rendeu-lhe alguma simpatia enquanto músico
mas aos portugueses daquele tempo pouco ou nada dizia.
O boom da música angolana e, de certo modo, africana da década de
1980 deve-se em grande medida à diáspora lusófona para a qual editoras
“especializadas” em música africana e as generalistas dirigiam os seus
produtos. Nesta senda estiveram na vanguarda Gravissom, Valentin de Carvalho e
Sonovox, entre outras, que ajudaram a divulgar a Música Popular Urbana de
Angola (MPUA). A RTP África e a RDP África juntaram-se ao esforço de
divulgação. Ainda assim, todo essa agitação visava apenas os emigrantes
africanos, especialmente angolanos.
Há quase uma década,
entretanto, o público-alvo da música angolana em Portugal começou a mudar,
muito por força das modernas tecnologias de informação e comunicação. A
Internet, com toda a sua panóplia de ferramentas, apresentou de forma diferente
a música angolana a Portugal, que a aceitou sem preconceitos. Desse modo, a
música angolana deixou de ser consumida apenas pela diáspora africana, entrando
também em salões e casas portuguesas com certeza. O fenómeno começou
timidamente mais ou menos na segunda metade do primeiro decénio do século XXI e
ganhou força incomensurável no princípio da presente década.
A música angolana entrou com
força tal em lares, discotecas e salões portugueses que a actual geração de
jovens conhece e venera – não há exagero algum neste substantivo – alguns nomes
da nossa música. Um dos nomes mais cultuados é o de Anselmo Ralph que,
curiosamente, nunca ganhou nenhuma edição do “Top dos Mais Queridos”, o mais
emblemático concurso de música do país. Só que, ao optar pela world music, conquistou literalmente a
juventude lusitana. De sorte que quando sobe ao palco os suspiros femininos que
grassam pelas geralmente abarrotadas plateias não apenas de angolanas ou
africanas mas também de portuguesas. Entre os seguidores do autor de “Dor de
Cupido” (2012) não há exclusivamente raparigas se esgoelando enlouquecidamente.
Há também rapazes que durante os shows
acompanham as músicas cantando com a alma e, em alguns casos, inclusive
chorando.
Mas Anselmo Ralph, cuja
aparência física muito lhe favorece – indubitavelmente tem pinta de galã, como
dizem os brasileiros –, não é o único reverenciado. C4 Pedro também integra a
lista, onde ainda cabem Matias Damásio e o show-man
Yuri da Cunha. Tanto é assim que neste Verão europeu constam de vários elencos
de festivais musicais que se realizam um pouco por todo o Portugal. E não foram
escolhidos apenas para agradar a considerável diáspora angolana, composta por
muitos alunos que neste momento até estão de férias e na terra-mãe. São
convidados porque já fazem parte dos “eleitos” da juventude portuguesa.
Curiosamente, em tempos mais
ou menos recentes Angola já teve exímios músicos radicados em Portugal, mas sem
o sucesso dos actuais “ícones” junto dos portugueses. Falamos, por exemplo, das
bandas Afra Sound Stars, cujos elementos viveram durante algum tempo na região
autónoma dos Açores, e do Semba Masters; de Waldemar Bastos e Paulo Flores, que
também andaram muito tempo em Lisboa; de Ângelo Boss e de Dom Kikas... só para
citar estes exemplos. Bem que tentaram, mas nunca saíram definitivamente dos
salões e discotecas angolanas e africanas. E não foi por falta de talento ou
por interpretarem músicas de raiz marcadamente angolana. Na verdade, talento é
que não lhes falta.
No caso dos “ícones” angolanos
da actualidade em Portugal, a surpresa pelo êxito é tanto maior na medida em
que qualquer deles sequer precisou de viver em Portugal para se fazer conhecer
por lá com as suas músicas. Todos vivem em Angola e só lá vão para actuações
pontuais. Decididamente, este é um caso de estudo que nem o boom migratório português para Angola
depois da crise económica mundial de 2008 ajuda a explicar. Este é, pois, um
caso que devia ser dissecado por sociólogos, uma vez que ultrapassa a nossa
modesta compreensão. Silva Candembo –
Angola in “Correio Angolense”
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