O secretário executivo da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Murade Murargy, informou que
a organização deve traçar, para a próxima década, políticas de cooperação entre
os países nas áreas de educação, agricultura, energia e turismo. Na opinião do
moçambicano, seguir à risca a aplicação do acordo ortográfico não é prioridade.
“A língua é muito importante,
não há dúvida nenhuma, e é nossa obrigação difundi-la, promovê-la,
internacionalizá-la. Mas não podemos ficar apenas agarrados à nostalgia da
língua. A língua é um meio de transmissão de conhecimento, de negócios, do
comércio, do investimento. Eu, por exemplo, não me preocupo se estou a aplicar
[o acordo ortográfico] ou não. Se as pessoas me entendem, vamos em frente”,
disse na passada segunda-feira Murargy, em entrevista à Agência Brasil.
Para o secretário, que estará
em Brasília no fim de outubro por ocasião da 11ª Conferência de Chefes de
Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP está
cada vez mais visível no contexto internacional. Uma série de países, como a
Índia e a Austrália, se candidataram, inclusive, para serem observadores da
Comunidade.
“Nós, os países-membros, não
nos olhamos ao espelho para ver quão interessantes somos. Os outros é que olham
para nós e veem a importância que temos no cenário internacional. O potencial
econômico, os recursos naturais que nós temos... Eles [os países observadores]
querem ter acesso a nossas negociações sobre comércio e investimento. Todo
mundo quer aprender português, sobretudo por causa dos países africanos. Hoje a
Turquia está na África. A China e a Índia estão na África. Estão todos a correr
para a África para desenvolver negócios”.
Segundo Murargy, que serviu
como embaixador de Moçambique no Brasil por seis anos e meio, é preciso que os
países-membros da CPLP redefinam os objetivos da organização, tendo em conta
seu potencial econômico e seus recursos naturais.
“Todos os países da CPLP têm
uma capacidade energética muito forte. É preciso traçar políticas para
exploração desses recursos em benefício dos nossos próprios povos. Na
agricultura é a mesma coisa. A larga experiência do Brasil, através dos
conhecimentos que a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]
possui, pode ser transmitida a outros países que também têm capacidade para
produzir alimentos. A próxima guerra vai ser por alimentos. E nós temos a
capacidade de minimizar os grandes deficits de alimentos no mundo”.
No entanto, para Murargy, o
maior dos desafios que a Comunidade enfrenta é na área da educação e do
desenvolvimento humano. “Os países, sobretudo da África, ainda têm um grande
deficit na área de educação, inclusive na educação de base, e é preciso
eliminar o analfabetismo para que não haja um cidadão que não saiba ler,
escrever, fazer contas”.
A respeito do Brasil, Murargy
disse que o país está buscando o equilíbrio entre as prioridades internas e o
compromisso que tem com as comunidades, como a CPLP e as Nações Unidas.
“É preciso ter em conta que o
Brasil é um vasto continente e, apesar de ter muitos recursos, é um país em
desenvolvimento. Um país que luta para resolver seus problemas de base, como
pobreza, educação, saúde, habitação. Então o Brasil interessa-se [pela CPLP] na
medida do que é possível. Assim como outros países, como Angola e Moçambique,
dão prioridade, obviamente, à resolução dos problemas internos. Os problemas da
Comunidade ficam sempre em segundo ou terceiro plano.”
Acordo
Ortográfico
“Quanto ao acordo ortográfico,
muita gente não está de acordo, há muitos intelectuais, jornalistas, que não
aplicam, pois acham que não traz vantagens. Não há uma unanimidade sobre se
valeu a pena, ou não, o tanto de dinheiro que se gastou. As implicações
financeiras da aplicação do acordo são grandes", disse Murargy.
Ele deu como exemplo a
alteração dos manuais escolares, sobretudo nos países africanos, que não têm
capacidade financeira para mandar alterar tudo. "Acredito que devemos
concentrar-nos no que é fundamental para permitir que os outros
[países-membros] possam se desenvolver”.
Futuro
da CPLP
“Eu gostaria que a CPLP
resolvesse um grande problema, que é a questão da mobilidade do cidadão no
espaço da Comunidade. Sobretudo em grupos identificados, que são os
empresários, jornalistas, artistas, desportistas, estudantes, investigadores,
pesquisadores. A este grupo podíamos começar a dar uma porta de saída para
circular no espaço, enquanto os países se organizam, para que a abertura seja
total para os outros cidadãos. Isso seria um grande avanço nos próximos dez
anos. E isso tem implicações na questão da educação, dos intercâmbios de conhecimento
entre estudantes de Portugal, Brasil, Moçambique... Porque esses são os
cidadãos que vão transmitir a imagem do que é a CPLP, deste sentimento de
pertença à CPLP”.
“Eu vejo que, se houver
vontade política, e espero que em Brasília os chefes de estado reafirmem a sua
decisão de que a CPLP é uma organização para todos os nossos povos, é possível
dar um impulso para que continue a crescer cada vez mais. Eu acredito que é um
grande instrumento que temos para nos posicionarmos a nível internacional. Hoje
já somos incontornáveis, mas podemos ser mais se mostrarmos um empenho em que
essa organização cresça”, afirmou Murargy. Marieta
Cazarré – Brasil in “EBC Agência Brasil”
Sem comentários:
Enviar um comentário