Uma parceria firmada em 2013 para
exportação de suco de laranja entre uma cooperativa de pequenos agricultores do
Brasil e uma grande rede de supermercados da Suíça é hoje um exemplo de sucesso
no esforço dos dois países para a adoção da prática do comércio justo
Conhecida
internacionalmente pelo termo em inglês “fair trade”,
o conceito de comércio justo valoriza a produção alimentar que tenha 100% de
rastreabilidade garantida e, em troca, paga por esses produtos preços acima
daqueles normalmente praticados pelo mercado.
Localizada
no município de Paranavaí, no Paraná, e formada por 57 pequenos e médios
citricultores, a cooperativa Coacipar fechou um contrato com a rede de supermercados Migros para
o fornecimento de suco de laranja concentrado. Somente na última safra,
foram negociadas duas mil toneladas de suco produzido a partir das laranjas
plantadas nas propriedades familiares dos agricultores que compõem a
cooperativa. Após chegar à Suíça, o suco de laranja produzido pela Coacipar é
processado pela Bischofszell Nahrungsmittel (Bina), empresa que faz parte do Grupo Migros,
e transformada nos produtos Gold e M-Classic, que estão entre os mais vendidos
em todo o país.
Para
se ter uma ideia do valor agregado pelas práticas de comércio justo, cada caixa
de tamanho padrão do suco concentrado de laranja no mercado convencional (US$
3,30) custa quase dois dólares a menos que a caixa com o produto certificado
(US$ 5,20) pelo selo concedido pela World Fair Trade Organization
(WFTO). Com
a margem de ganho adicional, a tonelada do suco produzido no Brasil é vendida a
R$ 2,3 mil.
Antes
de fundar, em 2012, a Coacipar, os agricultores da cooperativa integravam uma
associação, também certificada pela WFTO desde 1999. A mudança começou a
acontecer em 2010, quando a empresa que processava o suco produzido pela
associação desistiu da parceria: “Não quiseram mais processar porque houve
mudanças na certificadora. Na época, o suco convencional estava a US$ 700 a
tonelada, e o nosso estava a US$ 1,7 mil. A certificadora exigia que a
diferença fosse para o produtor, mas a grande cooperativa que processava nossa
laranja não aceitou isso, queria tudo para ela”, conta Vanusa Toledo, diretora
da Coacipar.
A
solução foi andar com as próprias pernas: “Em 2011 nós rompemos, criamos a
cooperativa e passamos a processar em uma indústria pequena. Em 2012 demos um
basta na associação e pegamos a certificação da cooperativa. Foi quando nós nos
empoderamos mais do processo”, conta a diretora. O resultado dessa maior
autonomia foi um aumento de 35% na renda média dos agricultores cooperados.
Universidade
Mas
o contato com a Migros só foi possível graças a intervenção de Angelica
Rotondaro que, em 2011, era aluna da Universidade de Saint-Gallen, com especialização em fair trade, e hoje comanda o
escritório da instituição suíça no Brasil: “Angélica nos procurou, estava
fazendo doutorado sobre o fair trade. Ela procurou várias cooperativas aqui no
Brasil, nós fizemos uma entrevista com ela. Algum tempo depois ela voltou a
entrar em contato conosco porque estava na Max Havelaar da Suíça quando um
trader conversou com ela e pediu para ela vir conversar com a gente. Ela
perguntou se a gente não venderia o suco diretamente para ele. Aceitamos a
proposta, e foi aí que tudo começou”, diz Vanusa.
Desde
então, a parceria continua, diz o coordenador de Pesquisas da Universidade de
Saint-Gallen no Brasil, Luc Wüst: “Dessa articulação surgiu um projeto de
assistência estratégica à Coacipar. Nós fomos a Paranavaí, fizemos um workshop
com vários steakholders para mapear problemas que poderiam surgir para a
cooperativa. A gente assistiu e apoiou a cooperativa nessa autodeterminação dos
próximos passos, para tomar uma decisão estratégica”. Em turmas rotativas a
cada dois anos, estudantes suíços prestam consultoria de Planejamento
Estratégico e Percepção de Mercados à cooperativa brasileira.
“Nosso
escritório no Brasil tem foco em negócios de impacto, finanças sociais e
cadeias de valor. Nesta linha, a gente conhece o mercado e seus atores aqui e
também desenvolve em conjunto projetos de pesquisa. Nos envolvemos nesses
projetos e temos um olhar sob a perspectiva da pesquisa. Queremos olhar mais as
cadeias de valor internacionais. Precisamos entrar nessas cadeias para entender
e depois publicar artigos científicos. Para isso são precisos dados empíricos”,
diz Wüst.
Contato direto
O
intercâmbio entre os parceiros é permanente. Este ano, diretores da cooperativa
brasileira foram visitar a produtora suíça. Os dois lados afirmam procurar uma
parceria estratégica: “Nossa relação é de parceiros e não apenas de produtor e
comprador. É importante conhecer as pessoas por trás dos produtos para entender
o que elas precisam e como produzem”, diz Arnold Graf, gerente de Produto da
Bina.
Representantes
da Migros e da Bina também já visitaram Paranavaí: “Vierem em comitiva e
conheceram os nossos projetos. Duas vezes por ano eles nos visitam, participam
de nossas assembleias, toda a documentação da nossa cooperativa é aberta para
eles. A gente tem uma relação bem transparente com a Migros” diz Vanusa Toledo.
“Esse
contato direto com o cliente melhorou muito as coisas para nós. Os produtores
confiam mais na cooperativa, mostramos com transparência para quem a gente
vende e o que é vendido. Os clientes vêm e conversam com os produtores,
conhecem nossos projetos para a comunidade e com os trabalhadores. Esse
processo de trazer o cliente até o produtor foi muito bom. Isso mudou a
história da nossa cooperativa porque até 2010 a gente vendia, mas não sabia
quem comprava”, diz a diretora da Coacipar. Maurício Thuswohl – Brasil in “Swissinfo”
Contrapartida social
Além de obter preços mais atraentes
para seus produtos, as cooperativas certificadas pela World Fair Trade
Organization recebem um prêmio adicional em dinheiro. O montante deve ser usado
para projetos sociais, melhorias e investimentos. Segundo as regras do comércio
justo, 45% do valor total do prêmio devem ser usados para manutenção da
cooperativa, 45% em projetos sociais da comunidade e 10% para os próprios
produtores.
“Com o dinheiro do prêmio, a gente
ajuda o colhedor, que ganha um valor adicional em dinheiro por aquilo que ele
colhe para o fair trade. Conseguimos comprar tratores e máquinas para podar,
para fazer o manejo das propriedades de laranja. Mantemos também projetos
sociais com crianças carentes da comunidade”, diz Vanusa Toledo, diretora da
Coacipar, cooperativa de pequenos agricultores brasileiros que tem contrato de
fornecimento de suco de laranja para a rede de supermercados suíça Migros.
Para a Universidade de Saint-Gallen,
que acompanha a parceria, a contrapartida social é etapa fundamental do
comércio justo: “Uma parte do prêmio é usada para projetos sociais na região de
Paranavaí. Há outra parte que é um fundo de reserva para os produtores, uma
iniciativa social dentro da cooperativa para assegurar a aposentadoria dos
agricultores. A utilização desses prêmios para uso social é um requerimento do
próprio fair trade”, diz Luc Wüst, coordenador de Pesquisas da instituição
suíça.
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