Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Angola – Os factos da quinzena XIII

Os Factos da Quinzena


1º Facto: V conferência de Advogados no Lubango (22-23/09/16)

Um tanto quanto por critério subjectivo, a realização da V Conferência de Advogados, na minha qualidade de membro da classe, foi o facto dominante da quinzena. Ainda mais quando realizada na fresca capital da Huila, a cidade do Lubango, com todos os seus pitorescos ícones; desde humanos, gustativos e naturais.

Diferentemente da IV Conferência de Advogados, que teve lugar no Huambo, em 2013, em que intervim, em painéis relacionados com as normas e violações flagrantes dos direitos fundamentais, ausente por períodos prolongados do país e curioso em aperceber-me da evolução das coisas, no pensamento dos preletores e dos colegas de profissão ao longo desses anos, limitei-me, desta vez, a tirar apontamentos.

Num primeiro apontamento, anotei que na estrutura do primeiro painel, justamente a que tratava da matéria dos direitos fundamentais, área que muito me toca como especialidade profissional e como interventor cívico-político que sou, havia algo de positivo, a saber, a promoção de um debate contraditório. Nele pontificavam, de forma positiva, de um lado, Luís Mota Liz (ML), Procurador-Geral Adjunto da República, como defensor do “sistema”, insistindo na necessidade de “perdoar” o que considera apenas insuficiências, e, do outro lado, os docente universitário Fernando Macedo (FM) e o jornalista Reginaldo Silva (RS), inconformados, de forma geral, com as incompatibilidades reiteradas das práticas de agentes público-políticos em relação aos dispositivos de um proclamado Estado democrático e de direito. Tudo parecia ir ao encontro de uma aparente maior cedência do regime que por tantas vezes nem perdeu tempo com subtilezas, no sentido de controlar e ditar as suas “ordens superiores” na área da Justiça e do Direito. Cedência que, aliás, se vai notando também na área do contraditório, na comunicação social, como ali mesmo o sublinhou o sénior e experimentado jornalista RG.

Diria que a boa organização da Conferência permitiu uma excelente discussão sobre as matérias agendadas, abordando, contudo, muito mais os aspectos teóricos dos que os práticos, que existem em abundância e em curso. Basta lembrar os casos escandalosos do processo 15+2 e as correntes demolições de casas de populações de forma abusiva e sobretudo desumana, com a participação superiormente orientada do exército, apenas abordados “en passant”, quando deveriam merecer uma atenção especial, para permitir a audição da justificação dos representantes da Procuradoria-Geral da República. Se houve uma observação pertinente, neste sentido, foi a do prelector FM, ao chamar atenção que os operadores do Direito, especialmente os advogados, não deveriam continuar a perder a oportunidade histórica de prestarem a sua contribuição activa para a construção de um verdadeiro Estado Democrático e de Direito.

Escasso o espaço e o tempo, meus apontamentos na Conferência devem voar para o quarto e último painel, onde os advogados presentes foram presenteados com uma interessante panorâmica, também do tipo contraditório, sobre o actual pensamento angolano, em relação à necessidade premente da “diversificação da economia”. Minha nota: um recente texto meu, aqui, intitulado “Do monopólio petrolífero ao monopólio na diversificação” foi perfeitamente corroborado. Particularmente, José Severino, dirigente associativo no ramo empresarial que actuava como prelector, falou da perigosa apetência pelos latifúndios (que, dizia ele, constituíram o último buraco em que colonialismo se enterrou) em vez de se priorizar a agricultura familiar do tipo tradicional. Sem serem citados nomes, falou-se do punhado de endinheirados que investem lá fora, aos magotes, quando deviam, ao menos, trazer para cá esse dinheiro, para aqui ser investido, sem mais questionamentos, para fazer crescer a economia e o emprego consequente, entre os jovens; que o perdem também perante a “invasão” chinesa, que com as suas reconhecidas vantagens tinha de ser profundamente racionalizada. Não faltou a alusão à construção de estradas descartáveis e obras grandiosas entregues, de bandeja, a determinada gente (de família, acrescento eu) sem concursos públicos, sem nada. De tantas irregularidades lembradas, fiquei a pensar no que seria Angola se se comparasse o nosso sistema judicial, este que blinda lindamente os do Executivo, ao sistema judicial brasileiro ou português, estes mesmo que dizem não quererem meter-se na “nossa soberania”, mesmo quando se suspeita de dinheiros que por lá dizem estarem a ser lavados!

2º Facto: Como defender as perversidades do Executivo nos meios públicos de comunicação social

Se o nosso judicial só serve para blindar o Executivo, segue-se o complemento na comunicação social. Já no fim desta minha quinzena de factos, surpreendo-me, mais uma vez, com a agressividade com se entrevistam membros da oposição ao actual governo, em que os entrevistadores aparecem como portadores de perguntas encomendadas. É o que pude observar na última grande entrevista da TPA a Abel Chivukuvuku, presidente da coligação/partido CASAS-CE, que só com muito talento lá conseguiu, mais uma vez, fazer passar algumas ideias daquilo pensa importante para ser feito no país. Não faltaram indicações claras sobre a necessidade de Abel dever ter cuidado com as palavras, quando se referir a José Eduardo dos Santos, como se não trata-se de seu adversário político.

A lição a tirar desse tipo de actuação de jornalistas e comentadores fãs do Executivo, por vontade própria ou por indução “superior” é que, os representantes da oposição, que antes não eram chamados para o contraditório, acabarão, no novo formato, por ajudar adoçar o rosto de um Executivo que, afinal continua autoritário e discriminatório. 

3º Facto: O último Forum TPA

Confirmação do que acaba de ser dito nos comentários ao facto anterior. Aqui o comentador Belarmino Van-Dunem, gemendo em voz alta pelas dores do regime político angolano e de regimes circunvizinhos, não teve peias em defender, a propósito das responsabilidades de Kabila, no conflito pré-eleitoral na vizinha RDC, que há razões para que assim seja, porque estamos em África. Por mais que um experimentado historiador, presente no debate, se esforçasse por demonstrar algo que é óbvio, que quase todos estes conflitos derivam da incapacidade de líderes africanos, agarrados ao poder e pela riqueza, incapazes de dar um mínimo passo para compromissos à altura da nossa diversidade étnico-regional e cultural, para Belarmino, o caminho a seguir é preservar o statu quo. Não aconteça que chefes, hoje, vão amanhã passar a fome ou ficar sem casa, ou pior, ir parar para o TPI, para onde podem ser remetidos como encomendas. Mesmo em Cabo Verde, caso fartamente referido como sendo de sucesso, no desprendimento em relação ao poder ou na proverbial resiliência de um modelo africano de democracia, no Senegal, o professor Belarmino foi descobrir sinais de perigo, quando se fazem cedências, no seu modelo teórico em que não se concebem instituições independentes de quem detém poder. Como quem diz: com o poder não se brinca. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”
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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.  



Marcolino Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito

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