I
O mais produtivo dos
pesquisadores ecianos, A. Campos Matos (1928) acaba de lançar pela Editora
Unicamp e Ateliê Editorial a edição brasileira (revista e aumentada) de Eça de Queiroz. Uma Biografia,
considerada desde que lançada em 2009 por Edições Afrontamento, do Porto, como
a mais completa e mais rica biografia do romancista português (1845-1900),
ainda que trabalhos anteriores, como Eça
de Queiroz, o Homem e o Artista (1945), reeditada em 1973 como Vida e Obra de Eça de Queiroz (Lisboa,
Livraria Bertrand, 3ª ed., 1980), de João Gaspar Simões (1903-1987), e Eça: Vida e Obra de José Maria Eça de
Queirós (Rio de Janeiro, Record, 2001), de Maria Filomena Mónica (1943),
constituam igualmente estudos imprescindíveis.
Ao lado de informações até
aqui pouco conhecidas sobre a vida de Eça de Queiroz, o livro de Campos Matos
traz vasta e preciosa iconografia, além de reflexões críticas que permitem uma
visão aprofundada do percurso ideológico do escritor, da repercussão da sua
obra e da sua figura pública entre os contemporâneos. Nesta biografia, há ainda
uma lista das principais obras do autor de O
Primo Basílio, acompanhada de resumo do enredo e opiniões críticas.
Por isso, como observa o
professor, crítico e poeta Paulo Franchetti na contracapa, este é “um volume
tão agradável ao leitor comum quanto indispensável ao especialista e ao
estudante interessado na cultura luso-brasileira do século XIX”. Enfim, pode-se
dizer, sem medo de errar, que se trata da biografia definitiva de Eça de
Queiroz.
Escrita inicialmente para o
público francês, a obra foi publicada na França de forma simplificada e com o
título Vie et Oeuvre d’Eça de Queiroz
(Paris, La Différence ,
2012). Mas para a edição brasileira o autor introduziu alguns complementos
aos retratos psicológicos de Eça e de Emília de Castro, sua mulher;
apresentando novos elementos sobre o período obscuro do Colégio da Lapa, no
Porto. Por fim, o leitor encontrará também uma cronologia rigorosamente revista,
a mais completa até agora; entre outras atualizações.
II
Como se pode ler na edição
portuguesa, cuja introdução de 13 páginas foi suprimida para a edição
brasileira, “para a não sobrecarregar”, a metodologia adotada nesta biografia “baseia-se
numa seleção ampla e criteriosa de documentos e de comentários e de uma
cautelosa interpretação dos mesmos, que são, em suma, exigências fundamentais
do historiador”. Essa interpretação procura desvendar as motivações
psicológicas de Eça de Queiroz, “uma criança em bolandas”, ou seja, que viveu
aos trancos e barrancos, sem um lar seguro. Diz o autor: “Da mãe, logo após o
nascimento, para a ama, em Vila do Conde, da ama para a casa dos avós em
Verdemilho, da casa dos avós para o Colégio da Lapa no Porto, daqui para casa
de uma tia, irmã da mãe. Finalmente, depois da formatura em Coimbra, vai para a
casa dos pais no Rossio, em
Lisboa. Eis o que os psicanalistas chamam uma criança “cedida”
(...)”.
A partir daí, o biógrafo
conclui que os comportamentos dissimulatórios de Eça, que se transportaram para
a ficção, “afiguram-se resultado de mecanismos de autodefesa, que implicam um
jogo de disfarces, (...) que nem sempre compreendemos e que, por vezes, nos
parecem inteiramente gratuitos”. E observa que o que predomina na maior parte
de sua ficção é “o insucesso amoroso, a impossibilidade da realização do amor,
a desilusão”. De fato, é extensa a lista de amantes enganados na ficção queiroziana,
desde o conselheiro Acácio traído por uma ex-amante e Jorge por Luísa em O
Primo Basílio (1878) e Raposão em A
Relíquia (1887) a Pedro Maia em Os
Maias (1888) e tantos outros.
Essa desconfiança em
relação a mulheres talvez tenha contribuído para que a solteirice de Eça
durasse até os 40 anos de idade, quando, depois de algumas “aventuras” nos
Estados Unidos, à época em que fora cônsul em Cuba, e, provavelmente, com a
“bela desconhecida de Angers”, na França, decidiu procurar a estabilidade e a
disciplina que só o casamento poderia oferecer. Casar-se-ia com Emília de
Castro, irmã de seu amigo Luís Benedito de Castro Pamplona, conde de Resende, de
uma família do Porto há muito sua conhecida. E constituiria família com quatro
filhos, enquanto prosseguia a carreira diplomática em Bristol e Paris, sem
deixar de passar curtas temporadas no Porto.
Com o conde de Resende,
alguns anos antes, Eça fizera uma viagem ao Oriente, cujas peripécias e
deslumbramento passaria para um romance de tinturas picarescas, A Relíquia. Ao contrário do que dissera
seu primeiro biógrafo, João Gaspar Simões, que desconhecia à época a existência
de cartas trocadas pelo escritor com sua esposa, o casamento de Eça com a
aristocrata Emília de Castro, como mostra Campos Matos, esteve longe de ter
sido motivado apenas por conveniências. Emília seria extremamente ciumenta em
sua relação conjugal com o marido.
III
A exemplo do que já fizera
em livro anterior (Eça de Queiroz-Ramalho
Ortigão, Retrato da “Ramalhal Figura”), Campos Matos volta a desmistificar
a figura de Ramalho Ortigão (1836-1915), até então considerado um grande amigo
de Eça, inclusive pelo próprio escritor. Assumindo a responsabilidade perante a
família de coordenar e preparar a publicação dos últimos livros do amigo,
Ramalho Ortigão, como constatou o biógrafo, praticamente, nada fez pela obra
inédita do antigo companheiro, que lhe havia sido confiada pela viúva.
Um ano depois da morte de
Eça, Ramalho Ortigão descartaria a publicação de seus trabalhos póstumos,
limitando-se a fazer a revisão das 30 páginas finais de A Cidade e as Serras (1901), “trabalho atrabiliário de abusiva
intervenção”. Ao contrário do comportamento dúbio do pretenso amigo Ramalho
Ortigão, o milionário brasileiro Eduardo Prado, desde o primeiro instante em
que soubera da morte do escritor, haveria de assumir uma série de atitudes
solidárias com a família de Eça de Queiroz, inclusive levando-a para a casa
onde morava, na rue Pergolèse, em Villa Said , perto da famosa
Avenida Foch.
IV
O arquiteto e historiador
da literatura portuguesa Alfredo Campos Matos, nascido na Povoa do Varzim, como
Eça de Queiroz, tem um vasto currículo queiroziano, que começou com Imagens do Portugal Queirosiano (1976).
Foi autor em grande parte do Dicionário
de Eça de Queiroz, publicado em 1988, que deu lugar a uma edição aumentada
em 1993 e, em 2000, ao Suplemento ao
Dicionário de Eça de Queiroz. Publicou ainda Eça de Queiroz-Emília de Castro, Correspondência Epistolar (1995)
e, posteriormente, Cartas de Amor de Anna
Conover e Mollie Bidwell para José Maria Eça de Queiroz, cônsul de Portugal em
Havana: 1873-1874 (1999).
É também autor de Diálogo com Eça de Queiroz (1999), A Casa de Tormes, Inventário de um Patrimônio
(2000), Viagem no Portugal de Eça de
Queiroz (2000), A Igreja Românica de
S. Pedro de Rates: Guia para Visitantes (2000), Eça de Queiroz, Marcos Bibliográficos e Literários (1845-1900),
catálogo da exposição do Instituto Camões (2000), Ilustrações e Ilustradores na Obra de Eça de Queiroz (2001), O Mistério da Estrada de Ponte de Lima:
António Feijó, Eça de Queiroz (2001), Sobre
Eça de Queiroz (2002), Sete Biografias
de Eça de Queiroz (2004), Dicionário
de Citações de Eça de Queiroz (2005), Eça
de Queirós, Postais Ilustrados (2006), A
Guerrilha Literária Eça de Queiroz-Camilo Castelo Branco (2008), Eça de Queiroz. Correspondência (2008), Eça de Queiroz-Ramalho Ortigão, Retrato da
“Ramalhal Figura” (2009), Silêncios,
Sombra e Ocultações em Eça de Queiroz (2011) e Sexo e Sensualidade em Eça de Queiroz (2012), entre outros. No
total, já publicou 33 livros, incluindo livros sobre arquitetura. Adelto Gonçalves - Brasil
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EÇA DE QUEIROZ. UMA BIOGRAFIA, de A. Campos Matos. Campinas: Editora Unicamp; Cotia-SP: Ateliê Editorial, 600 págs., 2014, R$ 100,00. E-mails: vendas@editora.unicamp.br; contato@atelie.com.br
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa
pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga,
um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Academia
Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), entre
outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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