Teatro Nacional do
Luxemburgo foi palco de pega de touros à ribatejana
O Teatro Nacional do
Luxemburgo assistiu pela primeira vez a uma pega de touros à moda do Ribatejo,
um dos momentos altos da peça apresentada esta terça-feira pelo actor português
Fábio Godinho, filho de emigrantes portugueses no Grão-Ducado.
"Que la terre m’étouffe
si j’agis faussement" é o nome da peça assinada pelo actor português, que
veio para o Luxemburgo com apenas dois anos, nesta que é a sua primeira
incursão no teatro enquanto dramaturgo. Um texto falado em várias línguas,
incluindo português, que aborda o desenraízamento e as dificuldades da
emigração para as novas gerações, com muito humor à mistura.
“A peça aborda os problemas
de uma geração mais jovem que vive num país que não é o seu, fala várias
línguas, e mesmo assim não se sente inteiramente parte desse país, que é também
aquilo que eu sinto”, contou ao CONTACTO Fábio Godinho, que também é encenador
da peça, além de integrar o elenco e assinar a música, em colaboração com Jules
Poucet.
O actor e dramaturgo, que
estudou arte dramática em Paris, onde vive habitualmente, admite que se sente
"dividido" entre os vários países a que está ligado. "As pessoas
perguntam-me o que sou, aqui e em Paris, e eu às vezes não sei responder-lhes.
Sou português, luxemburguês, sou francês? São questões de identidade que se
vivem no dia-a-dia", diz.
Além de Fábio Godinho, o
elenco integra outros actores que também são filhos de emigrantes, como o
italiano Luca Besse, a espanhola Laure Rolden, e Delphine Sabat,
judia-marroquina, além de Julien Rochette, "o único francês-francês".
A chave das questões de identidade que atormentam as personagens pode aliás vir
deste francês "de cepa": é que "a vida não é fácil, mesmo para
quem não tem de se debater com questões sobre as suas origens", diz Fábio
Godinho.
A cenografia minimalista,
composta por uma bandeira branca assente em terra e por árvores portáteis
"cultivadas" em "jerrycans", é assinada pelo artista
plástico Marco Godinho, irmão do actor.
Fábio Godinho, de 28 anos, é
licenciado em arte dramática pela prestigiada escola de teatro francesa Cours
Florent e pela Sorbonne, tendo estudado dança contemporânea também em Paris.
O actor, que vive entre o
Luxemburgo e a capital francesa, apresentou em 2009 e 2010 uma encenação com
textos de Fernando Pessoa no festival de Avignon e foi finalista em 2013 do
prémio Théâtre 13, atribuído a jovens encenadores, com a peça "Hôtel
Palestine", de Falk Richter.
"Que la terre m’étouffe
si j’agis faussement", a peça com que se estreia enquanto autor, resultou
de uma residência em Liège e no Luxemburgo patrocinada pelo Total Théâtre, uma
estrutura europeia que apoia a criação teatral, reunindo seis instituições
teatrais das regiões fronteiriças da Bélgica, Alemanha, Holanda e Grão-Ducado.
Na terça-feira, a peça subiu ao palco pela primeira vez.
Duas peças em que se ouviu
falar português
Os temas da identidade e do
multilinguismo inspiraram outra peça que subiu ao palco do TNL esta
terça-feira, assinada pela encenadora e dramaturga portuguesa Tatjana Pessoa, a
viver na Bélgica.
Falada em dez línguas,
incluindo português, "Whatsafterbabel" explora várias vertentes da
"Babel europeia e do multilinguismo europeu", como a questão da
identidade, da comunicação e da "exclusão que nasce da
incompreensão", disse ao CONTACTO a autora e encenadora, que tem
nacionalidade belga e portuguesa e é sobrinha-bisneta do poeta português
Fernando Pessoa.
No texto de apresentação da
peça, a autora e fundadora da companhia de teatro belga "Collectif Novae"
recorda a frase "a minha pátria é a língua portuguesa", da autoria de
Fernando Pessoa, seu tio-bisavô, considerando-a um "testemunho de lealdade
ao idioma e não ao país", uma ideia com que se identifica e que desenvolve
na peça.
Nascida em Bruxelas em 1981,
filha de mãe portuguesa e pai suíço, Tatjana Pessoa, que fala cinco idiomas e
já viveu em países como a Alemanha, Burkina Faso e Costa do Marfim, admite que
"a noção de pátria não tem significado" para si, considerando
"naturais" o multilinguismo e a pertença a vários países.
"Eu não me defino por
um país ou por uma pátria, e as perguntas 'de onde vens' ou 'qual é a tua
nacionalidade' são questões que para alguns de nós, na Europa, deixaram de ter
significado", defende a dramaturga portuguesa.
A peça "é uma reflexão
sobre como conseguimos compreender-nos na União Europeia falando várias línguas
e sobre as dificuldades de comunicação", pondo em destaque "mais os
pontos de convergência do que as divisões que as línguas naturalmente também
trazem", adiantou Tatjana Pessoa.
"Temos hoje uma
realidade de movimento e de emigração na Europa, mas leva tempo até apagar as
fronteiras, porque é uma realidade relativamente recente", diz a
encenadora, para quem a União Europeia "tem de escolher entre ir na
direcção da uniformização e fechar-se, ou abrir-se à multiplicidade".
A bisavó materna da
encenadora era prima de Fernando Pessoa, e a dramaturga diz que as afinidades
com o poeta português vão para além do parentesco.
"Quando eu era pequena
ficava muito orgulhosa quando via as notas de 100 escudos com o Fernando Pessoa
e me diziam que éramos da mesma família”, recorda Tatjana Pessoa, que mais
tarde viria a descobrir a obra do tio-bisavô e a ideia de "identidade
múltipla", com a qual se identifica.
Licenciada pelo
Conservatório de Liège, na Bélgica, Tatjana Pessoa é também autora de
"Lucien", uma peça sobre a emigração portuguesa encenada em Bruxelas
em 2013, tendo além disso traduzido várias peças de teatro e sido assistente de
encenação do dramaturgo alemão Falk Richter e da coreógrafa holandesa Anouk van
Dijk. Paula Alves – Luxemburgo In “Jornal
Contacto”
Sem comentários:
Enviar um comentário