Publicava no fim agosto, o PGL umha pequena crónica
de J. C. da Silva sobre os sotaques do Brasil, que acabou por provocar um
inesperado turbilhom de intervençons sobre a unidade do português internacional
e a pertinência da normativa AO90. A viveza da argumentaçom cruzada revela mais
umha vez a existência de suscetibilidades enfrentadas em volta das identidades
portuguesa e brasileira e de discrepâncias significativas quanto à pertinência
do acordo ortográfico.
A amplitude do debate confirma a complexidade do arquipélago
lingüístico do português internacional, ao qual pertencemos, digam o que
dixerem os aduaneiros dos foros de concertaçom constituídos. Em resumo, as
diferenças manifestas reduzem-se à disjuntiva que separa os partidários da
convergência, ou mesmo da fusom dos formatos ortográficos existentes, dos
partidários da manutençom das peculiaridades nacionais abonadas polo uso e o
reconhecimento social.
Achei estimulante o debate, incluída a paixom que lhe serviu de
tempero, sem a qual, as polémicas correm risco de degenerar em aborrecido
recital de monólogos. Os debates agradecem o corpo a corpo, sempre que
preservados os limites do confronto civilizado. Pessoalmente, participei no
troco de opinions mormente acerca da questom do tempero ortográfico do galego.
Sustenho a opiniom, que já tenho expressado algumha outra vez, que o nó do
conflito que o galego defronta assenta na dialética da harmonizaçom dos
persistentes hábitos da comunicaçom escrita com as exigências da sua
homologaçom com o seu padrom internacional.
Considero oportuno separar a questom ortográfica do galego,
assunto da nossa estrita incumbência, da polémica levantada polo AO90, que
afeta principalmente Portugal e o Brasil, e também aos países africanos de
língua portuguesa. Um galego cultivado nom tem especial dificuldade em navegar
polas diversas variantes do idioma, de Zeca Afonso a Cesária Évora, para
entender-nos. A tarefa prioritária deveria ser para nós a difusom do uso do
português na Galiza – processo felizmente em andamento através das EOI e em
breve, talvez, da ILP Paz-Andrade – junto com a promoçom do imperativo de
homologaçom internacional do nosso idioma. É altamente duvidoso que misturar
ambos propósitos com a polémica AO90 poda contribuir a difundir este duplo
imperativo. A genuína norma Agal é um excelente formato, simultaneamente
próprio e aberto.
A heterogeneidade do português internacional nom impede umha
razoável intercompreensom entre as suas variantes. Confesso, seja como for, a
minha preferência pola solidez do formato gramatical da variante portuguesa e a
claridade da dicçom angolana e brasileira. Declaro também o meu desgosto pola
mania de acumular galicismos e anglicismos no português com o subseqüente
abandono do acervo lingüístico tradicional. Um processo que só contribui a
esbater a expressividade da língua tradicional. Quanto mais expressiva a
sentenciosa fala do camponês que a insolente pirotecnia do locutor televisivo,
vetor de todos os vírus que adoentam o idioma!
Em questons de língua declaro-me conservador convicto e adiro à
ética da “exceçom cultural”, esgrimida polos franceses para tentar defrontar a
enxurrada anglo-saxónica. A língua evolui, certo, mas, o que tal processo
demanda é umha resoluta política de promoçom de neologismos congruentes – infantário, escola maternal, melhor do
que creche, para
entender-nos – a menos que optemos por um modelo de idioma robocop onde as próteses predominem
sobre o tecido natural.
Voltando ao debate devo confessar a minha aberta simpatia pola
substância e também pola desenvoltura argumental praticada polo professor
Venâncio em defesa das suas opinions. É bom falarmos ao direito como antídoto à
vácua retórica com que nos maçam a diário próceres, políticos e comentaristas.
Nom podo concordar polo contrário com o saibo de desdém que
creio perceber nas opinions do professor com o reintegracionisno como movimento
oposto ao galego subsidiado e ministrado polas instituiçons oficiais. Nom
parece justo concordar com posiçons pouco sensíveis com a disjuntiva de achegar
o galego ao tronco comum ou tolerar a sua amável diluiçom num processo de
eutanásia subsidiada.
Os galegos conscientes do mencionado repto nom podemos esquecer
o oferecimento de Rodrigues Lapa de reabilitar a língua assediada mediante o
“português servido em salva de prata”. O catalám, carente para a sua desgraça
de referências lingüísticas internacionais, reage ao seu declínio com vigorosos
programas de imersom educativa. O galego enquanto contenta-se com inocentes
jogos florais oficiados polos encarregados da sua revitalizaçom. Há na RAG
excelentes especialistas em literatura espanhola; a portuguesa, ao contrário,
nom está na moda na douta instituiçom. Pode mesmo pontuar em contra do
aspirante a prócer no precetivo cursus
honorum a percorrer.
Reconhece o professor Venâncio a existência de excelentes
lexicógrafos, didáticos, historiadores e sociolinguistas nas filas do
reintegracionismo embora lamente a falta de gramáticos. Quanto a isso, aos
reintegracionistas de amplo espetro vale-nos o professor Freixeiro Mato, cujos
compromissos cívicos parecem ter-lhe vedado o acesso a qualquer sólio oficial.
Incluiria também no meu círculo privado de valedores do nosso fatigado idioma o
professor Venâncio, que bem poderia aspirar a herdar a sede vacante de
Rodrigues Lapa. O seu sólido conhecimento do idioma e da sua história e o
patente compromisso com a problemática do galego vivo justifica a candidatura.
Laboram os foros da lusofonia em ativo na necessária cooperaçom
entre as diversas variantes do idioma ou estám incapacitados de raiz pola sua
servidom à trapalhada politiqueira do MIL como o professor Venâncio opina?
Declaro-me incompetente ante este dilema embora deva manifestar sérias reservas
quanto à primeira opiniom e encontre em excesso radical a desqualificaçom que
incorpora a segunda.
Tugas contra brasucas
quando na Galiza contamos já com algum brasilego
e mesmo algum angolego declarado?
Bom, reconheçamos que o problema que o nós defrontamos é prévio às brilhantes
escaramuças transatlânticas. Transitar da extravagante indumentária ortográfica
do nosso idioma à ortografia internacional exigida polos tempos é o nosso
problema específico e intransferível.
E agora, se me desculpam, gostaria de reincidir na tentaçom de
descrever o mapa topográfico das incertezas ortográficas que o galego defronta.
Em essência, podemos reduzir a três os paradigmas em pugna polo futuro
ortográfico do galego: o galego hipo-grafado
ou demótico, o
galego orto-grafado
ou agálico e o
galego hiper-grafado
ou lusista. Os
contendentes na briga aduzem razons filológicas em apoio das respetivas
posiçons embora saibamos que a sua índole é eminentemente política. Ensaiemos
daquela um mapa topográfico mais preciso: galego
infra-nacional ou regionalista, galego
nacional e galego
internacional. Escusado insistir na minha preferência pola opçom
central da tríada, embora deva reconhecer-lhe um sério inconveniente: a de
requerer um processo
concomitante de construçom nacional para a sua posta em prática. Um
oneroso expediente do qual estám dispensadas as outras duas posiçons polo facto
de disporem de modelos próprios prontos a usar.
Processo de construçom nacional: palavras maiores, amigos. A
lendária lentidom do aludido processo, que conduz “da província a naçom”,
aconselha procurar refúgios transitórios. Reconheço que a minha proposta
particular pode ser qualificada de oportunista. Consiste simplesmente em
aproveitar qualquer nicho de expressom em galego com independência da norma
ortográfica exigida no foro. A postura compensa sobejamente o seu défice de
heroísmo com a sua manifesta operatividade. Se estamos impedidos de eleger
formato, mantenhamos em todo o caso a capacidade de intervençom. É umha regra
elementar da prática partisana.
De resto, a variante ortográfica nacional por mim preferida, apesar de carecer
dos santos óleos que só o poder ministra, também nom está proscrita no país.
Permitam-me aduzir um modesto argumento privado. Em apenas um mês defenderei na
Universidade de Santiago a minha tese doutoral redigida em galego orto-grafado nacional sem
que tal facto tenha suscitado qualquer impedimento apesar de o júri ter um
certo sabor inter-nacional.
Você, caro professor Fernando, conhece a fábula da raposa das
mil manhas e o ouriço que apenas possuía umha mas muito bem apreendida. Aos
adeptos ao reintegracionismo toca-nos oficiar de resistente ouriço transeunte
porque cremos conhecer o caminho. As discrepâncias no ritmo de marcha
empreendida som de menor importância, embora nom irrelevantes. Uns gostam de
tatear o caminho a percorrer e outros de imaginar o seu final. Quanto ao
inevitável cansaço que ameaça o corredor de maratona, declaro-me imune.
Simplesmente, acredito no aforismo clássico ars
longa, vita brevis. Conjugar arte com vida é património da idade.
O galego precisa de umha vigorosa imersom no português. O
ativismo lingüístico que promove tal estratégia agradece toda cumplicidade na
tarefa embora deva proclamar a improvável desistência no empenho. A defesa da
soberania cultural da Galiza está forjada na ética da resistência.
De passagem, gostaria de transmitir umha ligeira suspeita acerca
das eventuais cumplicidades internacionais que podam advir ao processo de
reintegraçom: procederám mais provavelmente da beira transatlântica do idioma
que dos seus territórios próximos, A razom estriba na distância geográfica a
Madrid, essa metáfora política que todos compreendemos.
Traduçons incompatíveis do português para o português segundo
procedência de texto e leitor? Reintegracionismo em crise permanente?
Manifestaçons apenas da ebuliçom do idioma partilhado e diverso, sujeito a
defrontar o incerto século que nos acolhe.
Desculpem, amigos, onde é que deixáramos as nossas
discordâncias? Penso que foi nos detalhes, esse lugar marginal, onde, nom
obstante, Mies van der Rohe colocava o próprio Deus. Joám Facal – Galiza in “Portal Galego da Língua”