"É
tempo de agir para moldar as vidas das gerações presentes e futuras"
Nasci em Canchungo, na
região noroeste de Bissau. Uma bela paleta de uma paisagem verdejante
atravessada por abundantes cursos de água, por uma floresta densa, grandes
extensões de mangais, de ilhas virgens e um litoral onde uma riquíssima vida
marinha abunda permanece gravada na minha memória. Hoje, as condições
climáticas erráticas, a diminuição de precipitação, o aumento do nível do mar e
outros fenómenos estão a mudar a paisagem, ameaçando a subsistência de
pescadores e agricultores e pondo em causa o futuro de grande parte do meu
país.
Com aproximadamente 80
pequenas ilhas que se estendem ao longo do litoral, a Guiné-Bissau é um dos seis
pequenos estados insulares em desenvolvimento (PEID) em África, juntamente com
Cabo Verde e São Tomé e Príncipe no Oceano Atlântico, e com as Ilhas Comoros,
Maurícias e Seicheles no Oceano índico. A tendência tem sido a de subestimar os
PEID africanos, quando são estes mesmos países que efectivamente “suportam” o
custo global da gestão das alterações climáticas. Ainda que representando menos
de 1% das emissões globais de carbono, os custos que os PEID suportam são
extraordinariamente desproporcionais.
Habitualmente referidos como
um grupo homogéneo, as realidades dos PEID africanos são, na verdade, bastante
diferentes. A nível económico, Cabo Verde, Ilhas Maurícias e Seicheles
encontram-se entre os países de rendimento médio, numa muito melhor posição relativamente
às Ilhas Comoros, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, classificados como países
menos desenvolvidos (PMD). Não obstante, todos partilham as mesmas
vulnerabilidades aos choques externos, dada a forte dependência que registam em
termos de energia, importação de alimentos, a que se somam uma limitada
diversificação das respectivas economias e grandes deficits públicos e externos. Tendo em conta estes
constrangimentos, de que forma poderão estes países combater eficazmente as
alterações climáticas e mitigar os efeitos a elas associados?
As boas notícias são as de
que os PEID africanos se encontram na linha da frente dos esforços para
encontrar soluções inovadoras na resposta aos desafios trazidos pelas
alterações climáticas, através de medidas para o aproveitamento e
potencialização dos seus recursos marinhos e costeiros e de uma transição para
soluções e tecnologias sustentáveis mais limpas e inteligentes. Por outras
palavras: os PEID africanos são os pioneiros da denominada “Economia Azul”, conceito
que está a transformar as alterações climáticas em oportunidades.
Abundam as histórias de
sucesso:
- O projecto de energia
eólica Cabeólica em Cabo Verde foi criado em 2009 com o efeito de reduzir os
custos da importação de energia para o país. Hoje, os quatro parques eólicos
geram 18% da produção de electricidade, fazendo de Cabo Verde líder mundial em
energia eólica e um modelo de parceria público-privada.
- A plataforma fotovoltaica
em La Feme, nas Maurícias, que começou a operar em Fevereiro de 2014, foi
criada para responder à crescente demanda de energia. É esperada desta
plataforma a produção de 24GW horas de energia limpa, poupando simultaneamente
15.000 toneladas de emissões de CO2 por ano.
- O sector da aquicultura
está a despontar nas Seicheles, com o apoio financeiro do Governo por forma a
incrementar a produção de atum, 70% do qual é exportado.
As Seicheles estão também a
promover o turismo industrial e arqueológico-marinho, nichos novos e amigos do
ambiente. Em Junho de 2013, o país lançou o seu primeiro parque eólico em
terreno recuperado em Port Victoria, fornecendo, actualmente, electricidade a
mais de 2100 lares e poupando 1.6 milhões de litros de combustível por ano.
Este projecto, implementado em colaboração com os Emirados Árabes Unidos,
constitui um exemplo de parceria Sul-Sul.
Assim como celebramos estas
histórias de sucesso, necessitamos, da mesma forma, de redobrar esforços para
ajudar os PEID africanos e os restantes 52 pequenos estados insulares em
desenvolvimento espalhados pelo mundo a manter o seu combate contra as
alterações climáticas, a construir as suas capacidades de adaptação e a
promover o uso, quer dos novos, quer dos já existentes conhecimentos e
inovações. No meio de um cenário de desenvolvimento em rápida transformação, os
PEID africanos precisam de encontrar novas formas de galvanizar o seu impulso
para a “Economia Azul” através, inclusivamente, da exploração dos mercados
financeiros africanos.
No momento da vossa leitura
estarei em Apia, Samoa, participando na Terceira Conferência Internacional dos
Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Tenciono partilhar as histórias
dos PEID africanos e defender um apoio internacional de alto nível que apoie os
seus esforços. Estarei também activamente empenhado num diálogo de alto nível,
que decorrerá paralelamente à Conferência sobre o Clima no início de Setembro
em Nova Iorque, onde planeamos ajudar os PEID africanos a transformar as suas
preocupações particulares em posições robustas para a sua participação nas
negociações sobre as alterações climáticas que decorrerão em Lima, Dezembro
próximo.
Não nos deixemos enganar: as
ameaças das alterações climáticas são taxativamente reais para os PEID. Tuvalu,
um pequeno país, atol de corais, no Pacífico pode desaparecer numa questão de
décadas se não forem adoptadas medidas urgentes para conter o aumento do nível
do mar; um grande número das 115 ilhas das Seicheles aguardam pelo mesmo
destino, bem como um número incontável de outras pequenas ilhas em torno de África
e noutros lugares.
As oportunidades perdidas
apontam para uma espiral descendente de pobreza, doenças e múltiplas
vulnerabilidades. Os pescadores, agricultores e pastores africanos não podem
permanecer impassíveis, enquanto os impactos das alterações climáticas
continuam a roubar os seus sonhos e a erodir a sua confiança, valores e meios
de subsistência – eles aguardam ansiosamente por soluções concretas. Um estudo
recente da UNICEF prevê que, no virar do século, quase metade da população
infantil no Mundo, menor de 18 anos, será africana e um grande número desta
mesma população viverá em pequenos estados insulares em desenvolvimento. É
tempo de agir para moldar as vidas das gerações presentes e futuras. Carlos
Lopes – Guiné Bissau in “África 21 Online”
Carlos
Lopes - (Sub-Secretário Geral e Secretário Executivo da Comissão
Económica das Nações Unidas para África em Adis Abeba, Etiópia)
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