Escritor
moçambicano distinguido em Portugal e no Brasil
Chama-se Hosten Yassine Ali. Ingressou de
forma singular no mundo da literatura. Em 2013, publicou o romance Madalena e o
livro de crónicas Kurhula, crónicas da cidade de Maputo, obras que escreveu e
publicou, em Portugal, sob a estampa das Edições Esgotadas, quando se
encontrava a estudar na Escola Naval Portuguesa com o estatuto de aluno
bolseiro do Ministério da Defesa Nacional, de onde saiu com o grau de Mestre em
Ciências Militares Navais. Com estas obras, o autor teve o condão de vencer
duas distinções, a primeira na categoria de “Autor Revelação” pelo “Círculo de
Escritores Moçambicanos na Diáspora” (CEMD), a segunda um Reconhecimento de
Mérito pela “Ordem dos Escritores Brasileiros”. O Debate conversou com o autor
sobre estas distinções.
Há
meses, foi distinguido em Portugal com a categoria “Autor Revelação” e no
Brasil com um Reconhecimento de Mérito. Fale-nos um pouco do processo que o
conduziu a estas distinções.
Estes não foram concursos no sentido rigoroso
da palavra. São distinções que o Círculo dos Escritores na Diáspora e a Ordem
dos Escritores Brasileiros dão aos escritores lusófonos, baseando-se na
observação da sua qualidade de produção e estilo de vida, isto é, buscam as
pessoas de acordo com os padrões que eles procuram e, depois, distinguem.
O CEMD
tem condecorado escritores de muita idade e muita experiência na Literatura.
O (CEMD) é um grupo fundado por moçambicanos,
mas também aberto a escritores lusófonos e é presidido, neste momento, pelo
escritor moçambicano Delmar Maia Gonçalves. É um grupo de pessoas que trabalha
em torno dos grandes objectos ao nível da literatura lusófona. Das diversas
actividades que esta organização faz, destaca-se a organização de encontros de
escritores moçambicanos e lusófonos, em geral, na diáspora.
O meu primeiro contacto com esta agremiação
(CEMD) foi em Outubro de 2013, após o lançamento do livro Madalena. O Círculo
dos Escritores Moçambicanos na Diáspora convidou-me para uma tertúlia na Loja
de Gatafunhos, em Lisboa. Estavam lá presentes muitos convidados que iam
apreciar as actividades levadas a cabo pelo CEMD. Foi nessa ocasião que a
organização teve a oportunidade de conhecer o meu historial de vida, bem como o
meu percurso como escritor. Depois de contar aquela história eu desapareci de
Lisboa.
O CEMD tem condecorado escritores
portugueses, moçambicanos, angolanos e cabo-verdianos de muita idade e muita
experiência na Literatura. Um dos exemplos é a Fernanda Angius, Doutorada em
Literatura, que neste momento se encontra a leccionar na Universidade Eduardo
Mondlane (UEM) e que preside o projecto “Oficina do Poeta” do Instituto Camões,
onde dá aulas de Literatura a título gratuito.
Isto para dizer que, para se chegar à minha
eleição como “Autor Revelação” 2014 e à
respectiva condecoração obedeceu-se a certos critérios como a qualidade dos
livros, a dimensão dos projetos que fui fazendo ao longo do tempo em torno da
literatura e o estilo de vida que levo, socialmente.
A cerimónia da homenagem foi feita na
Fundação José Saramago. Não estive presente no acto, alguém recebeu o prémio em
meu nome da mão da embaixadora de Moçambique em Portugal e dos membros do
Conselho de Estado que se encontram a trabalhar em Portugal.
Pela Ordem dos Escritores Brasileiros recebi
um Reconhecimento de Mérito. Infelizmente, não tenho em mão o diploma que me
atribuíram, não o pude ir buscar porque tinha que assumir uma pasta de Tenente
no Ministério da Defesa e, por essa razão, não podia ausentar-me sem
autorização do Ministro da Defesa.
Qual
foi o valor monetário ou insígnia que recebeu?
Recebi uma insígnia acompanhada de um
certificado. Mas devo dizer que antes desta distinção já gozava do título de
sócio honorário que me foi atribuído no ano passado por esta organização.
Quantos
autores foram submetidos a avaliação?
Não posso, neste momento, precisar o número
de pessoas, o que me pareceu é que mais de 30 escritores foram avaliados.
Foram
também condecorados outros escritores moçambicanos…
O único caso de um escritor moçambicano que
conheço é a poetisa Sónia Sultuane que foi distinguida numa categoria que,
neste momento, não sei dizer qual é.
Madalena
e Kurhula venderam a sua imagem…
Um
aspecto que me chama a atenção em relação à minha produção é que ela tende a
ganhar maior projecção fora do país, sobretudo nos países de expressão
portuguesa. Os meus livros foram difundidos em todos os países lusófonos.
Madalena vendeu muito no Brasil e, neste momento, encontra-se em Dili, Timor
Leste. Recentemente, vi uma reportagem da RTP com o meu livro presente numa
praça pública em Timor Leste. São estas aparições que chamaram a atenção do
círculo de escritores.
Como
moçambicano e, sobretudo, como jovem que ainda está a começar, que significado
traz esta distinção?
É bem-vinda. É para mim motivo de muito
orgulho, sobretudo se considerarmos que Moçambique é um país com cerca de 22
milhões de habitantes e que, dentro deste universo, existem milhares de pessoas
que produzem Literatura. Umas com mais oportunidades de publicar, com
limitações, outras. Todos ansiando uma distinção do género.
O facto de ter sido eu a pessoa escolhida
significa que as minhas obras traduzem um esforço enorme que as pessoas
reconhecem e gostam. Quando digo às pessoas que ganhei uma distinção literária
logo me perguntam quanto dinheiro ganhei. Esquecem-se de que, por detrás do
valor monetário, há coisas que nos marcam para sempre. E o que este prémio me
traz é o orgulho de saber que o que eu faço é recebido pela sociedade. Quando
um artista faz uma música espera que a sociedade dance. Se escrevi um livro
espero, naturalmente, que a sociedade o leia e aprenda alguma coisa.
Como
navegador, o número de pessoas que me conhecem é muito limitado, como escritor
o meu público é enorme.
O Sr.
Hosten é escritor e, também, funcionário do Estado no Ministério da Defesa de
Moçambique. Como se define?
É uma penumbra muito grande. Eu dizia numa
entrevista que a pessoa não pode lançar um livro e mudar de estatuto. Isso é
estupidez. Não é razoável um escritor desejar que a sociedade, a partir do
momento em que ele se sagra como tal, o tire da camada onde ele estava para
colocá-lo numa outra. O facto de ter lançado dois livros e ter merecido uma
distinção não me retira as responsablidades e as relações sociais que construí
ao longo da vida. Continuo comprometido com o meu emprego e com as minhas áreas
sociais. Em momento nenhum deixarei de
me comunicar ou brincar com as pessoas, meus amigos. Sinto-me um cidadão
socialmente integrado e sem preconceitos.
O que
parece é que está a caminhar a passos largos para a escrita e tudo indica que,
em algum momento, o escritor vai ofuscar o funcionário do Estado…
Quero acreditar que diz isso porque me
conhece mais do lado artístico. Mas há uma interacção muito grande entre a
minha carreira artística e a carreira profissional porque sei equilibrar as
duas partes. Quem acompanha a minha vida como navegador esquece completamente
que escrevo livros. Na travessia Maputo-Catembe, nas sextas-feiras ou
quartas-feiras de manhã, é normal me ver aí no meio do mar, a entrar e a sair
com a embarcação. É normal que, por ser artista, a sociedade me identifique
como artista. Mas para casos de interesses especiais as pessoas transcendem o
lado de artista e procuram saber o que faço socialmente.
Mas
concorda comigo quando digo que o lado de escritor tem maior visibilidade? Mia
Couto, por exemplo, é escritor e também director da Impacto, mas o que o
identifica, efectivamente, é o lado de escritor…
Sim. Por exemplo, como profissional,
navegador dentro de uma instituição, tenho um número limitado de pessoas que me
conhecem. Como escritor, o meu público é enorme. O que estou a chamar a atenção
é que isso não se pode ver em termos de ser positivo ou negativo. É normal que,
por ser escritor, a sociedade me identifique como artista. Mas há quem
transcenda esse lado de escritor e procure saber o outro lado da minha vida, o
que faço. Aliás, quando estou nas lides literárias, as pessoas me tratam como
Escritor Oficial da Marinha, ou seja, juntam as duas coisas… Sou artista, tenho
uma carreira profissional, dificilmente consigo controlar o impacto causado
pelas minhas obras e o impacto que a minha carreira profissional causa. Isso é
a sociedade que o separa.
O
cantor não pode fazer uma música e esperar que faça o futuro.
Se, em
algum momento, se sentir forçado a abandonar o lado profissional e a dedicar-se
à escrita, ou vice-versa, o que escolheria? O escritor tem um capital de
cidadania mais elevado do que um simples funcionário do Estado…
Certamente ficará surpreendido com a minha
resposta, mas eu optaria por seguir a minha carreira profissional. Tenho em mim
que as pessoas devem aprender a não fingir serem estritamente artistas… Mesmo
nos países mais avançados, que respeitam a arte, o músico é também médico. A
música é algo que lhe vai na alma e a medicina algo de que precisa para
sobreviver. No meu caso, a navegação é aquilo que garante o meu pão de cada dia
e o meu futuro, ao passo que a escrita satisfaz o meu desejo interior.
Nas redes sociais (facebook) costumo dizer
que o cantor não pode fazer uma música e esperar que o faça o futuro. Por
vezes, sinto que nós, os artistas, estamos divididos entre alimentar o estômago
e alimentar o espírito. Tudo gira em torno da sobrevivência e do
reconhecimento. E como a sobrevivência é o lado que mais conta, o lado do gosto
é relegado para segundo plano, razão pela qual um escritor lança um livro e fica
7 anos para lançar outro.
Não é
recomendável, quanto a mim, que um escritor viva do livro…
Por
outras palavras, estás a dizer que a escrita não dá dinheiro…
Pergunta a uma dúzia de autores moçambicanos.
Não se enriquece na escrita. Há, naturalmente, excepções de pessoas que lançam
um livro e conseguem vender mais de 20 mil cópias. Dan Brown, por exemplo. A
pergunta é se isso é possível em Moçambique, onde o preço de um livro aqui na
praça é, em média, metade do salário mínimo.
A seu
ver, que devia ser feito para que o escritor seja capaz de viver sossegado com
o que ganha com a venda dos seus livros…
Não é recomendável, quanto a mim, que um
escritor viva do livro porque o artista ver-se-ia forçado a investir na
quantidade de produção e estaríamos a perder em termos de qualidade. Agora, se
pudesse que vivesse.
Nós não
temos políticas de distribuição de livros devidamente aplicadas neste momento…
Que
entende das políticas de divulgação de livros?
Nós não temos políticas de distribuição de
livros devidamente aplicadas neste momento, não conseguimos controlar os
impostos que vêm através da venda dos livros. Isso resulta em fenómenos como a
venda de livros no mercado informal (passeios).
Deveria haver motivação aos escritores e dos
escritores. Aos escritores no sentido de que as instituições competentes
deveriam criar mecanismos para motivarem os escritores a escreverem mais. Dos
escritores no sentido de que os escritores seniores deviam interagir com os
escritores mais novos através de tertúlias, de modo a fazer a passagem de
valores. Quando isso acontecer, os escritores estarão em condições de, com o
rendimento dos seus livros, pagar o imposto ao Estado e ainda sobrar algum
dinheiro para passar alguns dias na praia de Bilene.
Uma
grande característica da crítica construtiva é a justiça…
Ser
escritor exige liberdade intelectual e de consciência. Sente que tem essa
liberdade de consciência para criticar, sobretudo quando o infractor é o
Estado, o seu patrão? Não estará a servir a dois “amos”?
Em algum momento, fala-se em liberdade
intelectual. Mas liberdade intelectual não é libertinagem de expressão, é
preciso respeitar os limites. A liberdade intelectual é acompanhada da
responsabilidade. Se nós escrevemos uma crítica social temos que tratar com responsabilidade
Uma grande característica da crítica construtiva é a justiça. Tem que ser justa
para que as pessoas se possam identificar com ela. Temos que apontar o mal
quando esse mal prejudica a maioria. Cabe à sociedade decidir se o que você diz
tem impacto positivo ou não. O que não tem impacto positivo a sociedade ignora
e o que o tem a sociedade recebe. Como escritor tenho que saber lidar com o
impacto que isso provoca.
Da
parte do Governo nunca recebi nenhuma reacção, assim, de forma clara.
Da parte
do Governo nunca recebeu nenhuma reacção por causa dos seus livros…
Da parte do Governo nunca recebi nenhuma
reacção, assim, de forma clara. Nunca critico directamente individualidades na
comunicação social. Quando o faço é nas redes sociais e quando tenho uma
relação muito próxima com a pessoa que critico. Eu lanço um livro em que
critico o Estado por aquilo que ele faz ou deixa de fazer, com todos os
artifícios literários que a literatura oferece, a crítica fica estampada sob a
alçada literária. Posso dizer, por exemplo, que no meu país estradas são
buracos e buracos são estradas. Mas se, em nenhum momento, eu tiver metido a
palavra “Governo”, a frase é entendida simplesmente como construção ficcional. In “Debatemoz” -
Moçambique
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