Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Equador – Diálogo sobre poetas de língua portuguesa na cidade de Quito

Adelto Gonçalves faz palestra em Quito


Centro Cultural Benjamin Carrion

QUITO - O jornalista e escritor Adelto Gonçalves participou, na passada segunda-feira à noite, de uma conversa no Centro Cultural Benjamin Carrion, em Quito, com o escritor Rogério Pereira, ex-diretor da Biblioteca Publica do Paraná e editor do jornal mensal literário Rascunho, que contou com a moderação do poeta Santiago Estrella, jornalista do diário El Mercurio. O encontro foi promovido pela Embaixada do Brasil em Quito e contou também com a presença do embaixador João Almino, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras. Gonçalves fez uma leitura brasileira da obra e da vida dos poetas Fernando Pessoa, Bocage e Tomás Antônio Gonzaga. Já Rogério Pereira abordou a relação entre literatura e jornalismo como espaços confluentes.

De Fernando Pessoa, destacou que o ensaio "O ideal politico de Fernando Pessoa", que consta de seu livro "Fernando Pessoa: a Voz de Deus" (Santos, Editora da Unisanta, 1997) e foi publicado originalmente em "Estudos sobre Fernando Pessoa (Rio de Janeiro, Fundação Cultural Brasil Portugal, 1986), teve uma trajetória interessante, pois seria lido na Biblioteca Nacional de Lisboa pelo ensaísta Brunelo Natale De Cusatis, professor de Literatura Portuguesa na Universidade de Perugia, e citado no livro "Fernando Pessoa: Politica i Profezia: Apuntes y Frammenti 1910-1935" (Roma, Antonio Pelicanti Editore, 1996), do qual em 2018 saiu uma segunda edição.

Na introdução que escreveu para esta segunda edição, De Cusatis lembra que o fato de o ensaísta ter mostrado que o pensamento de Pessoa passava longe das hostes esquerdistas desagradou ao escritor italiano Antonio Tabucchi (1943-2012), tradutor da obra de Pessoa para o italiano. Em artigo publicado no diário Corriere dela Sera, de Milão, em 31 de maio de 2001, Tabucchi acusou De Cusatis de se basear num ignoto brasiliano (brasileiro desconhecido), como se lê a pagina 24 da edição atual de Politica i Profezia.

De Cusatis lembrou que "Adelto Gonçalves é um ensaísta de prestígio e crítico, autor de uma biografia critica do poeta português Tomás Antonio Gonzaga publicada em 1999 pela editora Nova Fronteira, do Rio de Janeiro".

Durante a apresentação, Gonçalves lembrou que Fernando Pessoa se definiu como "um conservador ao estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente antirreacionario". Mais: Pessoa era contra o comunismo, o socialismo, o catolicismo e o revolucionarismo. Mas nunca fez a defesa explícita da escravidão. "Seria um anarquista utópico, mas de direita, tal como se autodefiniu certa vez Gilberto Freyre. Defendia, porém, que havia um imperialismo da cultura, ou seja, certos povos exerciam influência sobre outros. Como exemplo, citava a França", disse, lembrando que esta posição politica do poeta tem despertado protestos de intelectuais africanos para a decisão da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) de dar o nome de Fernando Pessoa a um programa de bolsas para estudantes. E que seria melhor optar por um nome mais consensual, como o poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003), Prémio Camões de 1991, filho de pai algarvio e de mãe ronga.

Depois de fazer referência a escritores equatorianos como Jorge Icaza e Jorge Enrique Adoum, Gonçalves destacou principalmente a vida de Tomas Gonzaga, lembrando que, em Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), corrigiu a informação do professor português Rodrigues Lapa segundo o qual o poeta, no exilio na Ilha de Moçambique, casara com a "herdeira da casa mais opulenta de Moçambique em negócios da escravatura" e dedicara "as horas vagas ao rendoso comércio de escravos".

"De fato, Gonzaga casou em 1793 com Juliana de França Mascarenhas, de 18 anos de idade, filha de Alexandre Mascarenhas, que era escrivão e subordinado do poeta na estrutura judiciária da comarca local. Mais: Mascarenhas morreria em 1793 e, portanto, Gonzaga não teria tempo de ajudar o sogro a aumentar a fortuna", disse. “Além disso, Mascarenhas era pessoa de poucas posses: tinha uma casa na ilha e outra no continente fronteiro que obtivera pelo casamento. Ressaltei também que nas edições da Gazeta de Lisboa, de 1792 a 1810, Gonzaga, autor de Marília de Dirceu, só seria superado em número de citações por Bocage, que sempre viveu em Lisboa, com exceção dos quatro anos (1786-1790) que passou entre Rio de Janeiro, Goa, Damão e Macau", acrescentou.

De Bocage, Gonçalves destacou que, em Bocage: o Perfil Perdido (Lisboa, Editorial Caminho, 2003), provou com documentos que o poeta não nasceu na rua de São Domingos, atual Edmond Bartissol, em Setúbal, mas sim numa casa localizada a rua das Canas Verdes, atual Antonio Joaquim Granjo.

"Essa casa a mãe de Bocage herdara do pai, o corsário francês l`Hedois du Bocage. Em 1771, o pai de Bocage, José Luis de Barbosa, ouvidor em Beja, seria acusado de desviar a arrecadação da décima, sendo preso na cadeia do Limoeiro ate 1777. A casa, sequestrada, iria a leilão em 1800. Da documentação referente a rua de São Domingos, no Arquivo da Torre do Tombo, não há registro de que alguma família Bocage ou Barbosa tenha residido naquela casa. Até hoje, porém, a Câmara Municipal de Setúbal não se resolveu a adquirir o imóvel da verdadeira casa onde nasceu Bocage e corrigir uma informação falsa de quase século e meio", concluiu.

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