Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Timor-Leste - O preço do isolamento

Vinte anos depois do referendo da independência, Timor-Leste tem praticamente concluída a definição da soberania terrestre e marítima. As negociações com a Austrália terminaram com fronteiras permanentes e as com a Indonésia, sobre terra e mar, estão a avançar. O país está no entanto cada vez mais isolado por depender de monopólios em áreas como as telecomunicações e a aviação



Timor-Leste continua a depender de soluções muito mais caras do que qualquer país vizinho. O país depende de monopólios que nem sequer controla e permanece condicionado a vontades externas, incluindo, de empresas estatais de outros territórios.

Sucessivos Governos timorenses foram-se acomodando a uma realidade de menor qualidade e preços mais caros, sem autonomia nacional nas ligações internacionais nem aéreas, nem por cabo de fibra.

A postura governativa deixou o país a pagar preços astronómicos pela internet. Os operadores pagam 200 dólares norte-americanos por megabit por segundo, quando os países vizinhos pagam entre três a oito dólares. No que diz respeito às viagens aéreas, os preços chegam a ser 10 vezes mais caros. A situação tem-se vindo a agravar e permanece, apesar de anos de debates e de sucessivos projetos.

Na área das telecomunicações, por exemplo, os operadores gastam 12 milhões de dólares por ano a comprar internet por satélite - a preços elevadíssimos - porque o Governo não tomou ainda uma decisão sobre uma ligação internacional por cabo de fibra ótica.

Um recente estudo, o "Speed Matters", sobre o setor em Timor-Leste, referia que a ligação de fibra ótica poderia ter benefícios anuais superiores a cerca de 45 milhões de dólares.

Estimativas da International Telecommunications Union (ITU) indicam que a velocidade média da internet em Timor-Leste é 25 vezes mais lenta do que a de outros países da Ásia e Pacífico.

O estudo mostra que só 12 por cento das ligações por telemóvel em Timor-Leste incluem acesso 3G - apesar da rede abranger já 97 por cento da população, que ilustra a potencial "elevada procura" com o progressivo uso crescente de internet móvel.

Só 25 por cento dos timorenses usa a internet regularmente, bastante aquém da média mundial que ultrapassa os 46 por cento e da média da Ásia e Pacífico que é de 41,5 por cento.

Estudos do setor mostram que o problema poderia ser resolvido, em poucos meses, com uma das várias opções de ligação por cabo, com custos reduzidos.

Isolamento aéreo

No caso das ligações aéreas o problema é idêntico com tendência para se agravar.

O país vai ficar mais isolado, com o fim dos voos entre Díli e Singapura, uma das únicas três ligações internacionais que o país tem. As outras duas, para Bali na Indonésia, e para Darwin, na Austrália, são das mais caras do mundo, em preço por quilómetro.

A ligação a Singapura caiu por indecisões e polémicas em torno da licença da Air Timor. Os problemas tiveram origem no Serviço de Verificação Empresarial (SERVE) que queria que a empresa a quem a Air Timor fazia o charter do avião, a SilkAir, tivesse registada em Díli.

O fecho de operações afeta não só o transporte de passageiros, mas também o de carga. Produtos farmacêuticos, peças para automóveis e aviação, e carga geral são normalmente transportados nos voos de Singapura para a capital timorense.

Várias empresas, incluindo a Heineken - a única fábrica internacional do país - já escreveram ao Governo a pedir uma intervenção que evite que a rota cesse de operar, o que não vai ocorrer, pelo menos para já.

A situação reforçou a insistência para que haja uma companhia aérea de bandeira no país.

Pedro Miguel Carrascalão, especialista do setor aéreo e um dos responsáveis de um novo projeto apresentado ao Governo para a criação de uma companhia de bandeira timorense, defende que a opção de uma empresa 100 por cento pública é a melhor para o país.

"Podemos resolver os problemas de preços, baixando o custo das viagens para a Indonésia e Austrália, e ganhamos mais autonomia", defendeu, numa referência aos custos, que considerou "desproporcionadamente elevados", mantidos pelas companhias aéreas da Indonésia e da Austrália.

Uma empresa "100 por cento do Estado" é a melhor opção porque teria mais força do que uma empresa privada para competir na Indonésia, o principal mercado, com as empresas da transportadora estatal Garuda que voam para Díli.

A aposta daria opções de rotas a horários diferentes dos atuais, ligações a centros regionais, viagens de ida e volta e até voos com outras empresas em "code sharing".

Na proposta apresentada ao Governo, a estratégia poderá custar até 45 milhões de dólares norte-americanos ao Estado. Já as receitas, salientou, podem "chegar aos 80 milhões" de dólares com um amplo impacto na economia timorense. Pedro Miguel Carrascalão acrescentou que a solução pode ser uma forma direta de combater os preços abusivos dos monopólios australiano e indonésio.

Com um monopólio, desde 1999, na ligação a Darwin, a AirNorth, da gigante australiana Qantas, continua a manter preços por quilómetro especialmente elevados.

Em abril, o preço indicativo de uma viagem de ida e volta Díli-Darwim (722 quilómetros para cada percurso) é superior a 600 dólares norte-americanos. No mesmo período, um voo de ida e volta entre Darwin e Singapura (3.350 quilómetros para cada percurso) custa perto de metade. O preço de um bilhete entre Díli e Darwin - 722 quilómetros - custa praticamente o triplo do que custa, por exemplo, viajar mais do dobro da distância entre Macau e Banquecoque.

A ligação com a Indonésia depende igualmente de um monopólio, neste caso, do grupo Garuda com as marcas Citilink e Sriwijaya. Nos últimos seis meses, os preços dos voos das transportadoras mais do que triplicaram, forçando muitos em Timor-Leste a procurar alternativas mais baratas para sair do país.

Uma viagem ida e volta entre Díli e Denpassar, capital de Bali, Indonésia, (1.140 quilómetros cada percurso) custa mais de 590 dólares, enquanto um voo entre Kupang, capital de Timor Ocidental, e Surabaya, segunda maior cidade indonésia (1.236 quilómetros cada percurso) custa apenas 150. Isto significa que o preço por quilómetro e por lugar Díli-Bali é de 26 cêntimos, 20 cêntimos mais que os seis cêntimos entre Kupang-Surabaya. António Sampaio - Macau In “Plataforma”

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