Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 9 de abril de 2019

Macau - Nova geração de auto-expatriados faz renascer comunidade portuguesa

Há diferenças substanciais entre os portugueses que vieram para Macau antes da transição e a geração que chegou principalmente depois da crise financeira global de 2008. Um novo livro procurou conhecer essa geração de auto-expatriados, para quem regressar a Portugal não é tão importante e que se envolve em actividades culturais

Contributos para uma história dos Portugueses a viver em Macau”, apresentado no Clube Militar, dedica uma parte considerável à última leva de portugueses que chegaram à Região, uma “diáspora recente de auto-expatriados”, como os autores a designam, e que “é relevante pelo seu número, importância socioprofissional, cultural e pelo ‘renascimento’ da ‘comunidade’ portuguesa em Macau”.

Vítor Teixeira e Susana Costa e Silva fizeram, para poder escrever este livro, “19 entrevistas pessoais a Portugueses vivendo presentemente no território e que aqui trabalham e radiculam as suas famílias, independentemente da sua naturalidade, idade, nível de instrução, ou formação profissional”. Destes 19 (14 homens, 5 mulheres), apenas 4 chegaram antes de 1999; em contrapartida, 7 estão em Macau a partir de 2009, representando a tal comunidade que mais atenção merece neste trabalho, destacando os autores, por exemplo, “a sua presença em força em eventos lusófonos ou de matriz portuguesa”.

O livro, contudo, procura elementos comuns às três levas de imigração (antes da transição, 2000-2008 e depois de 2008), concluindo que “clima hostil, humidade, calor, tufões, culturas diferentes, culinárias, poluição, língua chinesa difícil, a muitos dos que chegam chocam, mas vão-se adaptando. Depois, embrenham-se e vão cristalizando como tantos Portugueses que já ‘não são portugueses’, que por aqui foram ficando desde serviços militares, comissões há décadas. Outros vieram para estudar no Seminário diocesano, outros são ex-sacerdotes, outros mais casaram-se com senhoras chinesas, as mais as vezes, num processo quase total de significação de muitos deles”.

Relativamente aos expatriados mais recentes, “ainda faltará muito para chegar a esses patamares de inculturação tão profundos, se chegarem. Já não temos expatriados como Pessanha, que se embebeu da cultura e língua chinesas. Hoje o cenário é diferente: fala-se inglês, diluem-se barreiras culturais mais facilmente, a integração é grupal, não no todo do território. Muitos dos recém-expatriados sentem que cá estão até não sei quando, ou mudam-se mesmo um dia, quem sabe, para outro destino, Hong Kong por exemplo, China continental ou outro destino no Oriente. Ou alguns regressar a Portugal, quem sabe…”

Regressar a Portugal?

Uma das marcas que os autores registaram, a partir do trabalho de campo, é que “regressar pode contar para alguns, mas não é a preocupação dominante”. E explicam porquê: “No todo, entre todos os Portugueses de Macau, por vontade própria aqui estabelecidos, ou perseguindo projetos empresariais ou em deslocações mais ou menos temporárias, colocações ou estágios, o sentido da família acabou por se vincar aqui, perpetuando as marcas culturais mais importantes dos Portugueses: a importância das relações familiares. O que acaba por criar as bases da continuidade por terras de Macau de muitos expatriados lusos, com a retaguarda familiar de apoio definida e consolidada”.

É, por isso, acentuam Teixeira e Silva, “uma emigração diferente das vagas migratórias portuguesas anteriores para outros destinos, sem tantas preocupações de retorno, de remessa de divisas, de vínculos consulares fortes ou passando por etapa de sacrifício e pobreza, ou seja, de viver no destino de migração de forma pobre, discreta e voltado para dentro do grupo, amealhando poupanças para o regresso”.

Numa das conclusões mais revelantes do livro, os autores sublinham que “temos [em Macau] uma diáspora mais intelectualizada, mais culta até, com alguns interesses culturais, artísticos e associativos, com diploma na mão, contrato já à vista ou efetivo, tudo mais ou menos definido e preparado antes da viagem de ‘adeus/ até já’ de Portugal para Hong Kong e depois, no jetfoil de todas as esperanças e anseios, Macau”.

Outra observação final feita por Vítor Teixeira e Susana Costa e Silva: “em regra, gosta-se de estar em Macau”. Os autores explicam que “a maior parte dos portugueses habitua-se a estar cá, não é preciso manual de sobrevivência nem guia; há sempre um amigo, conhecido, alguém que irá dar o empurrão ou arranjar a morada em chinês para o taxista, ou indicar o nome certo no serviço do governo para se acelerar processos ou procedimentos, à boa maneira portuguesa”. E neste contexto citam a palavra que “o saudoso escritor macaense Henrique de Senna Fernandes” imortalizou: “xuxumeca-se”; “oh, uma xuxumeca, instituição da cultura macaense tão ao gosto português, claro…”.

“Colonialismos espúrios ou saudosismos anacrónicos”

A propósito da “xuxumeca”, “Contributos para uma história dos Portugueses a viver em Macau” lembra que há “valores culturais que se vão perdendo, como o patois macaense, a Dóci Papiaçam di Macau, embora os novos expatriados acorram aos espetáculos em defesa da preservação da identidade e cultura macaenses, embora de forma esporádica e sem sentido de comunidade”. Há também algumas associações culturais, centros de artes, projectos e instalações que “motivam e ativam alguns dos novos expatriados, tentando insuflar-lhes alguma pertença à comunidade e ao território, mas muitas vezes a efemeridade vence a perseverança e continuidade, ou mesmo a disseminação e interculturalidade”.

Vítor Teixeira e Susana Costa e Silva sentiram-se movidos pela necessidade de “seguir a pegada portuguesa de Macau”, acrescentando que “na história, no património, na memória, na cultura (imaterial, material…), sociedade, economia, geopolítica, enfim, urge tomarmos o pulso de uma ‘comunidade’ (chamemos assim) estabelecida na margem direita do Delta do Rio da Pérola há cerca de 500 anos”.

“Os Portugueses em Macau, na contemporaneidade, são o escopo deste estudo”, afirmam nas conclusões, detalhando: “Os Portugueses vieram mesmo para ficar, depois de Jorge Álvares, ou mais tarde apenas, mas ficaram. A sua pouquez de gentes, adaptou-se, misturou-se, implantou-se e estabeleceu-se, fez de Macau uma terra portuguesa, com certeza, leal como nenhuma mais, indómita e ciosa dos seus direitos, uma república cristã na China. Coabitou, tolerou, foi tolerada, houve de tudo nesta história semi-milenar, para o bem e para o mal: mas os portugueses aqui seguem, na sua marcha de vida, não interessando já colonialismos espúrios ou saudosismos anacrónicos, mas apenas pragmatismo e sentido de existência preocupado com o devir de uma terra que lhes está no coração e mantendo a pegada lusa bem marcada”.

Contributos para uma história dos Portugueses a viver em Macau”/” A history of Portuguese people in Macao — History contributes” [a edição é bilingue] surgiu através de uma bolsa de investigação obtida em 2016 “com vista à compreensão dos fatores que explicam a história dos Portugueses em Macau, desde a sua chegada no século XVI, até aos dias de hoje”. Vítor Teixeira é professor da Escola das Artes da Universidade Católica e Susana Costa e Silva é professora da Católica Porto Business School e professora visitante na Universidade de São José. O livro tem o apoio do Instituto de Estudos Europeus de Macau e é editado pelo Jornal Tribuna de Macau. João Meneses – Macau in “Ponto Final”

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