Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Canadá - A língua portuguesa tem que ser ensinada numa perspectiva de língua estrangeira

Ana Paula Ribeiro esteve cerca de oito anos à frente da Coordenação de Ensino Português no Canadá. Na hora da despedida, destaca as conquistas da Coordenação num país onde o ensino da língua portuguesa chega até mais de sete mil alunos, apenas nos ensinos básico e secundário, para além do ensino superior. A criação da Associação de Professores de Português, a grande aposta na formação de professores e no incentivo à leitura, a procura crescente pelos exames de certificação, são algumas das conquistas do ensino português no Canadá que enumerou nesta entrevista. Como desafios de futuro para a Coordenação de Ensino destaca o fortalecimento do programa de português no ensino secundário nas várias províncias. E defende que, a nível de ensino universitário, o português deve ser apresentado como língua de potencial económico e de potencial futuro a nível de trabalho

Esteve quanto tempo no Canadá? O que se orgulha de ter a Coordenação de Ensino conquistado nesses anos?

Iria fazer oito anos como coordenadora na última semana de outubro. Quando cheguei ao Canadá, o ensino do português era ministrado ainda como língua materna e isso mudou. Não foi fácil, no início, mas hoje não há duvidas, para nenhum professor no Canadá, de que a língua portuguesa tem que ser ensinada numa perspetiva de língua segunda/língua estrangeira. Temos que pensar que no Canadá estamos a ir da terceira para a quarta geração de lusodescendentes e que o português já não é falado em casa. E, muitas vezes, o contato com a língua portuguesa é um contato passivo: quando visitam Portugal, quando comunicam com os avós, etc. Mas a resposta que dão já é em inglês ou francês. Tive uma aluna, com vinte e tal anos, que me contatou porque queria aprender português no Centro de Língua Português (implantado na Universidade de Toronto). Perguntei-lhe se falava alguma coisa de português e disse-me que as frases que conhecia eram: “senta-te”, “come a sopa”, “cala a boca”… eram frases que ouvia da avó. Essa alteração de ensino de língua materna para língua segunda/língua estrangeira, foi a primeira conquista.

Fico contente também por tem conseguido criar uma relação muito positiva com todos os professores no Canadá. Foi estabelecida de uma forma mais fácil em Toronto, mas gradualmente estendeu-se aos outros docentes, que foram seguindo muitas das minhas sugestões e compreendendo que eu não estava a impor nada, até porque não poderia nunca fazê-lo, porque não são professores pagos pelo Instituto Camões.

Foi feita uma grande aposta na formação de professores, também na base do ensino do português como língua segunda/língua estrangeira. Uma formação que acontece maioritariamente nos grandes centros, Toronto, Otava, Montreal, e com menos frequência nas cidades mais distantes.

Fizemos também uma grande aposta no incentivo à leitura, não só com a distribuição de mini-bibliotecas por todas as escolas e até em bibliotecas públicas, mas também com a visita de escritoras infanto-juvenis a várias escolas em Toronto, Otava e Montreal. E tenho sido surpreendida de ano para ano com atividades fantásticas feitas pelos professores e pelos alunos em torno das obras dessas escritoras. Não é só um estímulo à leitura como também possibilita uma atividade fora da rotina normal da sala de aulas.

Temos feito também uma aproximação dos professores do Instituto Camões que lecionam nas universidades, com as escolas comunitárias e públicas, de forma a que haja uma relação entre professores universitários e docentes dessas escolas. E que possam fazer atividades de incentivo à leitura, de desenvolvimento de escrita junto dos professores. Incluído no programa das universidades, há disciplinas que incentivam aqueles que querem vir a ser professores de português. No âmbito dessas disciplinas, os alunos do último ano das universidades vão às escolas fazer trabalho voluntário, desenvolvem atividades muito giras com as crianças e em colaboração com os professores.

Outra conquista da Coordenação foi a criação, este ano, da Associação de Professores de Português, com a professora Anabela Rato à frente da associação. Este foi um passo muito importante, porque é uma forma de unir os professores que estão dispersos pelo Canadá, mas também uma forma da Coordenação trabalhar juntamente com uma outra instituição para a formação de professores, para a promoção de atividades, numa perspetiva de trabalho em colaboração.

O ensino português no Canadá está ‘de saúde’?

Está ‘de saúde’, sim. Temos neste momento entre 7200 e 7300 alunos, desde o pré-escolar até ao final do ensino secundário, não contando com as universidades. O ensino da língua portuguesa é ministrado por várias escolas comunitárias e também através de diferentes direções escolares. As únicas que têm o português integrado no horário são as duas direções escolares de Toronto – a católica e a laica, ambas públicas. Na Direção Escolar laica temos menos alunos de português, porque as escolas católicas atraem mais os portugueses.

Na Direção Escolar católica, temos o português integrado em cerca de 12 escolas. Um programa que, na realidade, esteve em risco. É uma ‘guerra’ de há muitos anos, não só por falta de fundos, mas porque acham que o programa de línguas internacionais absorve os fundos necessários a outros programas. Há escolas que oferecem línguas estrangeiras e outras que não oferecem. Nestas últimas, os professores saem às 15h. Onde há língua internacional, os professores saem, todos, às 15h30 – e os professores regulares não recebem mais por isso.

Como disse, esta é uma situação entre professores, entre sindicatos. E, este ano, no final de junho, término do ano letivo, marcaram uma assembleia extraordinária dos trustees (responsáveis políticos eleitos em cada zona que têm o poder de decisão nestas assembleias públicas) – quando a maior parte dos professores de línguas internacionais, que são docentes de origem, já tinham as suas viagens de férias marcadas. Os professores das línguas internacionais e o próprio sindicato foram apanhados desprevenidos.

A reunião foi agendada para 12 de julho e tivemos até esse dia para conseguir mobilizar pessoas para irem à assembleia, porque havia inscrições para apresentações públicas. Acompanhei a assembleia toda, que terminou às 2h30 da madrugada, hora de Portugal. E fiquei muito contente porque as comunidades imigrantes uniram-se, mobilizaram-se de forma fantástica assim como o sindicato dos professores de línguas internacionais. A associação dos professores de língua portuguesa fez uma apresentação conjunta com a Coordenação de Ensino, houve imensas intervenções, muito emotivas e fortes. E os trustees decidiram que o programa de línguas internacionais não acabaria. A última palavra ainda vai ser da ministra da Educação. A nível diplomático houve vários contatos com a ministra e eu estou positiva, acredito que este programa está salvo por, pelo menos, mais um ano letivo.

E a Direção Escolar católica de Toronto interessa-nos muito porque só dentro deste programa temos 2900 alunos a estudar português com carácter obrigatório, nas suas escolas. E não são só alunos lusodescendentes.

No total, contando com o ensino integrado e o ministrado depois do horário escolar e aos sábados, temos cerca de 3800 alunos de português em Toronto. Representam mais da metade do total do país. Depois temos as escolas comunitárias. Por exemplo, na província do Quebeque, na cidade de Montreal, há a escola da Missão de Santa Cruz e a escola portuguesa do Laval. Na província de Manitoba, é na Associação Portuguesa de Winnipeg que temos a maioria dos alunos. Em Edmonton, na província de Alberta, há aulas na Escola Gil Vicente, que está a fazer um excelente trabalho. Em Vancouver, província da Colombia Britânica, temos duas escolas comunitárias, a Escola Portuguesa Nossa Senhora de Fátima e a Escola Portuguesa Santíssima Trindade.

Qual é o próximo desafio do ensino português no Canadá?

Penso que o trabalho a fazer no futuro será a nível do ensino secundário, onde temos menos alunos. Porque os alunos começam a estudar português aos quatro anos e quando chegam aos 14 anos já têm muitas outras opções. Os próprios counselors de cada escola secundária não incentivam a opção de língua internacional e as famílias acabam também por não fazer grande pressão, visto que os miúdos já andam a aprender português desde os quatro anos.

É preciso fortalecer o programa de português no ensino secundário nas várias províncias. Mas estamos a falar no segundo maior país do mundo. A Coordenação de Ensino, que é uma pessoa, está em Toronto e torna-se muito complicado. Por exemplo, a cidade de Edmonton representa uma diferença horária de menos duas horas em relação a Toronto, uma viagem ‘grande’ de quatro horas de avião e uma deslocação que fica cara para o orçamento da coordenação. O que tenho conseguido é fazer uma dessas viagens ‘grandes’ por ano – a cada ano, uma província diferente. E o reforço no ensino secundário exige um trabalho de persistência, que deveria ser feito com a comunidade e que leva muitíssimo tempo. Acredito que no futuro tal possa vir a acontecer. Mas penso que tem de haver um maior investimento no Canadá.

Como está o projeto das escolas associadas?

Este foi outra das iniciativas da Coordenação de Ensino no Canadá: ter proposto, em anos diferentes, escolas associadas. Temos neste momento três escolas associadas do Instituto Camões. A primeira foi uma grande escola de Toronto, a First Portuguese, com a qual estamos a renovar o protocolo, que já completou três anos. A segunda foi uma escola que pertence à Direção Escolar católica de Otava – a escola Luís de Camões, cujos professores são pagos por essa direção escolar. E a terceira associada foi a escola de Winnipeg.

Estes protocolos com escolas associadas são iniciativas muito importantes. As escolas beneficiam não só por estarem em primeiro lugar na atribuição de manuais escolares, mas também na formação de professores. Por outro lado, têm que dar muito mais, têm que seguir os programas do Instituto Camões, têm que apresentar uma planificação anual das suas aulas e incentivar a que os alunos participem na certificação das aprendizagens… Penso que foi uma excelente iniciativa.

A certificação das aprendizagens veio valorizar o ensino do português. Como está a decorrer no Canadá?

A certificação das aprendizagens foi muito importante e tem acontecido todos os anos. Este ano já fizemos a certificação das aprendizagens em seis cidades, que no fundo são centros de exame: Toronto, Otava, Montreal, Waterloo (que abrange Cambridge e Kitchener), Winnipeg e Edmonton. Todas as provas são preparadas em Portugal pelo Instituto Camões e enviadas para as várias coordenações de ensino, que fazem a gestão de envio para as escolas, a preparação dos professores que vão vigiar as provas e os que vão fazer a avaliação das mesmas, etc. No Canadá, são aplicadas no mesmo dia em que o são noutros centros de exame na Europa. A avaliação é feita por professores do Instituto Camões colocados nas universidades do Canadá juntamente com a Coordenação de Ensino e os resultados são enviados para a sede do Instituto, em Lisboa, que depois emite os certificados. Coa, fazemos uma cerimónia de entrega muito bonita, de forma a valorizar esta certificação e o esforço feito pelos professores, pelos alunos e pelos pais. Este ano tivemos que fazer a cerimónia em duas sessões, porque havia muitas pessoas.

O português está implantado há muitos anos a nível universitário no Canadá, de que é exemplo a Universidade de Toronto onde é dinamizado há mais de 70 anos. O que há ainda a fazer?

Durante muito tempo, e ainda hoje se pensa no ensino do português a nível superior como um ensino dirigido aos filhos dos portugueses. Como já referi, no Canadá estamos na terceira e quarta gerações de descendentes e se continuamos com essa perspetiva, a língua portuguesa vai ‘morrer’.

Temos que pensar que o português é uma língua de comunicação internacional, falada por mais de 250 milhões de pessoas no mundo, como língua materna, que tem interesse, por exemplo, para quem está a estudar Economia/Negócios.

Temos que fazer uma divulgação do português dentro dos vários departamentos das universidades e esse é um trabalho que está a começar a ser feito no Canadá. A vinda este ano, à Universidade de Lisboa, de um grupo de estudantes universitários de Toronto, de diferentes licenciaturas, para um curso de verão intensivo em língua portuguesa (durante todo o mês de julho), que lhes vai dar créditos correspondentes a uma disciplina anual, é disso prova. Mostra que estão a olhar para o português de uma forma diferente e, para mim, é um motivo de orgulho e de satisfação. Significa que estamos a ter muito mais visibilidade do que tínhamos há uns anos atrás.

O facto de termos transferido o Centro de Língua Portuguesa (do Consulado de Portugal em Toronto) para dentro da Universidade de Toronto é também importante. O seu objetivo não é concorrer com o Programa de Português (do Departamento de Espanhol e Português da Universidade), mas ser um complemento. O Centro de Língua Portuguesa dinamiza aulas, mas fora do Programa de Português. São alunos adultos, podem vir de outros cursos ou de fora da universidade. Aliás, a maioria dos alunos vem de fora da universidade e o facto é que temos muitos alunos que nos procuram e cujos apelidos não são portugueses.

Temos uma média de cem alunos por ano a estudar no Centro de Língua Portuguesa, o que é muitíssimo bom, mas achamos que podemos chegar muito mais longe por estarmos dentro da universidade. Não só vamos dar mais visibilidade ao Programa de Português, como também ao próprio Centro de Língua Portuguesa e à língua e cultura portuguesas.

Como se consegue, mantendo o ensino do português junto dos lusodescendentes, torná-lo também uma língua de interesse geral? Nota um interesse pela sua aprendizagem fora da comunidade portuguesa?

Há cada vez mais interesse, mas tem que ser feito um trabalho, como disse, a nível do ensino secundário. Depois de já ter sido dada visibilidade à língua portuguesa e ao Instituto Camões, o objetivo é agora dar mais visibilidade fora também da comunidade portuguesa e com um programa e atividades muito mais abrangentes. Penso que os primeiros passos estão dados. O português está na moda, viajar para Portugal também está na moda e tudo isso vai ajudar a abrir portas.

Ter um curso em língua portuguesa é importante também em termos de futuro profissional. Essa é a mensagem a transmitir?

É muito importante, esse é o discurso que temos feito e que teremos que fazer cada vez mais. Devemos valorizar os laços, as ligações emotivas, mas temos que valorizar o potencial económico da língua portuguesa e o potencial futuro a nível de trabalho. É uma língua de comunicação internacional cada vez mais valorizada e é essa a perspetiva que os pais têm que ter. Não é apenas por a família ser portuguesa, mas também porque, no futuro, os seus filhos vão falar uma segunda ou uma terceira língua, que poderá fazer a diferença no mercado de trabalho. In “Mundo Português” - Portugal

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