I
O
filósofo, poeta e ensaísta Agostinho da Silva (1906-1994) sempre teve múltiplos
interesses, mas concentrou-se em áreas como literatura portuguesa e brasileira
e as questões portuguesas, deixando obras, artigos e ensaios que o colocam hoje
como um dos maiores – senão, o maior – pensadores luso-brasileiros do século
XX. Em Ensaios sobre Cultura e Literatura
Portuguesa e Brasileira, volume I (Lisboa, Editora Âncora, 2000), que tem
merecido reedições, o leitor encontrará textos pedagógicos e filosóficos,
especialmente aqueles que apareceram a partir da década de 1950, embora possam
ser encontrados alguns de décadas anteriores, mas que são suficientes para dar
uma ideia geral do pensamento agostiniano.
Para
Agostinho da Silva, a partir daqui, “o indígena passa a ser uma minoria que se
elimina rapidamente e a lei de Pombal, banindo o uso do tupi, é o ponto
culminante do drama brasileiro, que consiste essencialmente em ver-se arrastada
pelas correntes de um mundo europeu, que lhe é estranho, a nação que estava ensaiando
um teor de vida inteiramente novo”. Dessa maneira, passou o Brasil a ser o que
Portugal foi a partir do século XV, “um país ocupado pelo estrangeiro, quer a
ocupação se faça com o direito romano, a arquitetura renascentista ou a poesia
do tipo italiano, quer se processe com instituições da Contra-Reforma, a
política de linha maquiavélica e, mais diretamente, as tropas de ordenação
austríaca trazidas pelo duque de Alba”.
Segundo
o pensador português, “a melancolia portuguesa que nitidamente se estabelece
nesta altura, embora haja, e devido a outras ocupações, raízes anteriores,
passa ao Brasil, ocupado também por uma característica de vivência que de
nenhum modo correspondia aos seus anelos íntimos e às suas mais profundas
disposições”.
II
Pois
é essa melancolia que se faz cada vez mais intensa neste Brasil do início do
século XXI, em que o País parece destinado a um futuro pouco promissor, de
violência urbana desenfreada, sem políticos confiáveis que possam conduzir a
Nação. O resultado disso é uma diáspora que pode repetir o fenômeno do século
XVIII ao inverso, com os brasileiros seguindo cada vez em maior número para
Portugal, em busca de uma vida mais tranquila, a ponto de hoje a outrora pacífica
vila de Cascais estar a ponto de virar um bairro carioca. Até quando o
pequenino Portugal vai aguentar essa “invasão” é que não se sabe.
Nesse
ensaio, Agostinho da Silva alertava ainda para a necessidade que o Brasil tinha
de oferecer uma educação de massas, mas, como se vê, o alerta caiu no vazio.
Hoje, a carreira de professor não atrai mais os jovens porque deixou de ser uma
profissão digna, constituindo apenas um “bico”, ou seja, uma atividade-extra
para reforçar o orçamento doméstico. E, como o professor está pouco capacitado
para ensinar, aquele que aprende a ler (quase sempre apenas para ver o que
aparece no visor do aparelho celular ou telemóvel), geralmente, mal entende o
que lê porque, como dizia o pensador, não lhes cultivaram o hábito de “joeirar
criticamente o que lê”.
Em
outras palavras: sem educação de massas, enquanto as elites digladiam-se na
rinha para arrombar os cofres públicos, para o resto da população sobra apenas
o caos social, até porque a tecnologia – especialmente, a informatização – está
reduzindo drasticamente os empregos e, por consequência, eliminando os consumidores
do mercado interno. Ou seja, o que se afigura hoje para o Brasil é um futuro sombrio,
de desregramento social, bem diferente daquele que Agostinho da Silva gostaria
que fosse.
III
Nascido
no Porto, George Agostinho Baptista da Silva, depois de concluído o ensino
secundário, fez o curso de Filologia Românica na Faculdade de Letras da
Universidade do Porto de 1925 a 1928, diplomando-se doutor em Filologia
Clássica em 1929, com apenas 23 anos de idade.
Naquele mesmo ano, publicou a sua tese de doutoramento e a obra Breve Ensaio sobre Pérsio, além de lecionar no Liceu Alexandre Herculano.
Depois, partiu para Lisboa onde fez estágio na Escola Normal Superior
(1930-1931).
Obteve
bolsa para estudar História e Literatura na Sorbonne e no Collège de France
(1931-1933). Em 1932, fundou em Lisboa o Centro de Estudos Filológicos da
Universidade Clássica e passou a atuar também no Liceu José Estêvão, em Aveiro.
Porém, em 1935, ao tempo do regime salazarista (1933-1974), foi demitido da função
pública por ter se recusado a assinar declaração de repúdio ao comunismo.
Ganhou bolsa para estudar em Madri, mas deixou a Espanha devido à aproximação
da guerra civil (1936-1939). De regresso
a Lisboa, voltou a ensinar, desta vez no setor privado, no Colégio Infante
Sagres.
Em
julho de 1943, foi preso pela polícia política do regime salazarista, a Pide, e
ficou na cadeia do Aljube, permanecendo incomunicável durante 18 dias. Depois
de libertado, foi-lhe imposta pena de residência fixa que cumpriu em Portimão.
Em 1944, partiu com a mulher e um casal de filhos para o exílio, na América Latina.
Em 1945, foi para o Uruguai, onde lecionou História e Filosofia em escolas de
Montevidéu.
Em
1946, já na Argentina, organizou cursos de Pedagogia Moderna para a Escola de
Estudos Superiores de Buenos Aires. Em 1947, fixou-se definitivamente no
Brasil, onde viveu até 1969 com a sua segunda mulher, a professora Judith
Cortesão (1914-2007), filha do historiador Jaime Cortesão (1884-1960), da qual
teve seis filhos.
Entre
1948 e 1952, fixou-se no Rio de Janeiro, onde trabalhou no Instituto de
Biologia Oswaldo Cruz, dedicando-se à investigação nas áreas de Zoologia,
Entomologia e Parasitologia, além de ter lecionado Filosofia da Educação na
Faculdade Fluminense de Filosofia. Associou-se a outros exilados portugueses,
entre os quais se destacava Jaime Cortesão, com quem colaborou num estudo da
obra de Alexandre de Gusmão (1658-1753).
Em
1952, mudou-se para João Pessoa a fim de ajudar a fundar a Universidade Federal
da Paraíba, onde deu aulas de História Antiga e Geografia Física até 1955. Em
1959, juntou-se ao professor Eduardo Lourenço na Universidade da Bahia, onde
ensinou Filosofia do Teatro e pôs em marcha o projeto de conhecimento da África
Negra pelo Brasil, tendo fundado o Centro de Estudos Afro-Orientais.
Em
1961, foi nomeado assessor para a política externa do presidente Jânio Quadros
(1917-1992). Em 1962, com Darcy Ribeiro (1922-1997), dedicou-se ao projeto da
fundação da Universidade de Brasília e criou o Centro de Estudos Portugueses naquela
instituição. Em 1963, com bolsa da Unesco, viajou para o Japão, onde deu aulas
de Português. Conheceu ainda Macau e Timor e visitou os Estados Unidos e o
Senegal.
Só
regressou a Portugal após a morte de António de Oliveira Salazar (1889-1970). Depois
do 25 de Abril de 1974, passou a lecionar em diversas universidades
portuguesas, tendo dirigido o Centro de Estudos Latino-Americanos da
Universidade Técnica de Lisboa e desempenhado funções de consultor do Instituto
de Cultura e Língua Portuguesa, atual Instituto Camões.
Na
década de 70, o governo brasileiro o aposentou do ensino. Mais tarde, ele dirigiu
o Centro de Estudos Latino-Americanos. Tempos depois, o governo português
restituiu-lhe os salários retroativos aos anos da ditadura salazarista.
Despreocupado com a questão financeira, viajou, escreveu, recebeu medalhas e
títulos, além de ter concedido muitas entrevistas a órgãos de imprensa. Faleceu
em 1994, em Lisboa, aos 88 anos. Pouco antes de falecer, havia sido homenageado
pelo embaixador do Brasil em Lisboa, José Aparecido de Oliveira (1929-2007).
É
ainda autor de A vida de Pasteur
(Seara Nova, 1938), Sanderson e a escola de Oundle (Inquérito, 1941), Moisés e outras páginas bíblicas (1945), Um Fernando Pessoa (Agir,
1958), Um Fernando Pessoa e Antologia
de Releitura (Guimarães, 1959), Quadras
inéditas (Ulmeiro, 1990), Do
Agostinho em Torno do Pessoa (póstumo, 1997) e Uns poemas de Agostinho (póstumo, 1997), entre outros. Adelto Gonçalves - Brasil
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Ensaios
sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira – volume I, de Agostinho
da Silva, com introdução de Paulo Alexandre Esteves Borges. Lisboa: Âncora
Editora, 1ª edição, 350 páginas, 2000, 19,50 euros. E-mail: ancora.editora@ancora.editora.pt Site: www.ancora-editora.pt
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003), Tomás Antônio Gonzaga
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial
(Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio
Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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