A artista Mariana Duarte Santos foi convidada a retratar numa parede a história do bairro de Lallange. Enquanto a lisboeta pintava o mural em Esch-sur-Alzette, o luxemburguês Alain Welter fazia a viagem contrária para dar cor a uma parede de Arroios
Por
estes dias, já ninguém passa indiferente àquele mural gigante na Rue de
Cologne, no bairro de Lallange, em Esch-sur-Alzette. É uma parede com um jogo
de cores a contrastar com o preto e branco, de alto a baixo, num edifício
castanho de três andares, com cerca de nove metros de altura. As figuras a
preto e branco representam as pessoas e as memórias do passado do bairro,
enquanto os elementos coloridos refletem o presente, como as crianças e as
casas. É a história de um local luxemburguês contada por uma artista portuguesa.
Mariana
Duarte Santos tem 26 anos e é de Lisboa. Nasceu e cresceu na capital, onde cedo
começou a desenvolver a sua paixão pela arte. Aos 14 anos já fazia umas
"coisas mais a sério" e arranjou os primeiros trabalhos de
ilustração. Seguiu estudos artísticos, mas considera que o percurso académico
não é muito relevante, porque aprendia mais sozinha ou com outros artistas. Fez
pinturas, desenhos e gravuras de ateliê e, há três anos, começou a pintar
murais. A partir daí, foram surgindo vários projetos. Um deles levou-a até ao
Luxemburgo.
A
artista foi convidada a participar num projeto do centro cultural Kulturfabrik
e do Centro Luxemburguês de História Contemporânea e Digital da Universidade do
Luxemburgo, no âmbito do evento Nuit de la Culture, que promove a descoberta de
lugares invulgares e desconhecidos da cidade, e do Esch2022 – Capital Europeia
da Cultura. A ideia era fazer uma troca de artistas. Enquanto um luxemburguês
ia a Portugal pintar um mural, uma portuguesa vinha ao Luxemburgo fazer a obra
homóloga. Alain Welter foi para Lisboa, Mariana veio para Esch.
A
lisboeta visitou o Grão-Ducado pela primeira vez em fevereiro, para se
encontrar com os habitantes de Lallange e assim se inspirar para contar a
história daquele bairro e das pessoas que lá vivem. "Este mural nasceu de
uma pesquisa sobre o bairro, através de conversas que tive com as pessoas e com
os historiadores da Universidade do Luxemburgo. Depois fiz vários esboços com
diferentes propostas e as pessoas votaram naquela que preferiam e mais se
identificavam", recordou a artista, que voltou a Esch no início deste mês
para concretizar a obra.
O
mural foi inaugurado na passada sexta-feira, depois de Mariana ter estado a
pintar a parede durante uma semana. À versão original do desenho, a artista
acabou por adicionar mais alguns detalhes, como o antigo aeródromo de Esch, que
funcionou naquele bairro entre 1937 e 1954 e que permitiu a primeira ligação
aérea entre o Luxemburgo e Inglaterra. Em vez de uma estrada, pintou um lago
gelado, porque antigamente as pessoas faziam patinagem no gelo dos lagos, que
com o tempo e a construção do bairro acabaram por desaparecer.
Também
a preto e branco, as tintas que remetem para o passado, a autora desenhou um
álbum de fotografias antigas, "como um agradecimento às pessoas que
partilharam as suas fotos para o projeto". Outra particularidade que as
pessoas referiram foi o contraste entre a natureza e o betão. "Foi um
bairro que teve o seu desenvolvimento nos anos 50 e a natureza desapareceu
toda. Então incluí uma planta em cima do passeio, para passar a mensagem de
que, apesar da construção, a natureza prevalece sempre", explicou Mariana.
"Será que saí de Portugal?"
A
obra também faz referência aos muitos emigrantes que vivem no bairro, com uma
"conexão à família e aos países de origem". A artista não fez nenhuma
ligação com a comunidade portuguesa em particular, mas sim com as
"memórias das famílias, porque os emigrantes não são só de Portugal",
esclareceu. "É mais sobre o bairro em si, as pessoas que vivem lá, os
sentimentos e as memórias do que foi importante para o bairro".
Mariana
reconhece que foi um trabalho cansativo, "de manhã à noite, com sol e
vento", mas sente que a missão foi cumprida: "É o que eu gosto de
fazer e acho que correu bem". Enquanto pintava, os residentes que iam
passando na rua paravam para olhar e comentar. "É sempre giro conversar
com as pessoas que passam. Dizem que gostam ou fazem perguntas sobre o mural.
Um rapaz contou-me que costumava brincar no jardim destas casas. Uma senhora
mais velha que vive nesta rua disse que gostou imenso. O mais importante para
mim é ver que as pessoas se identificam com o que pintei. É o propósito
disto", assegurou.
A
maior parte dessas pessoas abordava Mariana em francês ou luxemburguês.
"Eu dizia que não percebia. Mas é sempre giro ver as diferentes reações e
ouvir os comentários. Ia percebendo pela postura se o que diziam era positivo
ou não", contou. A artista também ouvia muitas pessoas a falar português.
"A ligação com Portugal é engraçada, porque na primeira vez que vim cá só
ouvia português em todo o lado e só pensava ‘será que saí de Portugal? Será que
eu perdi o voo?’ (risos). Foi um bocado estranho, mas é bom ver essa grande
comunidade portuguesa aqui no Luxemburgo".
Na
primeira visita ao Grão-Ducado, a lisboeta não teve a oportunidade de conhecer
muito da capital, porque passou mais tempo em Esch. "Gostei imenso de
conhecer Esch e de estar cá a trabalhar Visitei alguns sítios e tentei conhecer
um pouco, apesar de ter estado pouco tempo", reconheceu. Por ora, Mariana
tem outros projetos internacionais, em Santiago de Compostela e na Irlanda, mas
tem curiosidade em voltar ao país. "Para visitar a Cidade do Luxemburgo,
que acabei por não conhecer. Gostava de voltar a trabalhar cá no futuro". Tiago
Rodrigues – Luxemburgo in “Contacto”
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