Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Macau - “A história colonial deixou para as gerações seguintes um legado de racismo e de injustiça”

Música, texto e imagem irão conjugar-se em cena para contar a História do Brasil, e a luta das populações negras e periféricas em busca de reconhecimento, direitos e dignidade. “Samba de Guerrilha – História do Brasil em três actos”, conta com a narração de Nádia Yracema, cenografia multimédia desenhada em tempo real por António Jorge Gonçalves, e música a cargo de Luca Argel e a sua banda, que estarão no palco do Teatro Broadway este sábado, dia 14 de Outubro.

A “ópera-samba” do artista carioca radicado no Porto é dividida em três actos, em que cada canção é antecedida por uma narração que faz uma contextualização histórica e social de cada momento. Composto por versões modernas de clássicos do samba, resultado de seis anos de pesquisa histórica, “Samba de Guerrilha” parte da premissa de demonstrar como a herança do colonialismo continua, ainda hoje, a condicionar a vida de milhões de pessoas, sob a forma de racismo, pobreza e discriminação social.

Ao Ponto Final, o músico e poeta falou das suas expectativas quanto à vinda a Macau, o processo criativo da encenação do espectáculo, e a importância de continuar a educar o público para desmantelar estigmas sociais que persistem mesmo após o fim do colonialismo.

É a primeira vez em Macau, quais são as suas expectativas?

Sim, é a primeiríssima vez. Estamos, acho que falo pela equipa toda, muito animados em levar o “Samba de Guerrilha” pela primeira vez para fora de Portugal. Eu, pessoalmente, estou curioso com tudo, não só com a parte do espectáculo, do festival, do público, mas também em conhecer o lugar, ver as ruas, provar as comidas, ouvir a língua… Tenho a certeza que vai ser uma viagem inesquecível.

Como foi o processo de selecção dos diferentes sambas que figuram neste espectáculo que traz a Macau? Foram as músicas que inspiraram o texto, ou foi-se encontrando músicas para ajudar a ilustrar a narrativa do espectáculo?

Todo esse processo faz parte de uma investigação continuada sobre a história do samba, que venho desenvolvendo desde pelo menos 2016, e que ainda não parou. Da primeira versão do espectáculo para a que vamos apresentar no dia 14, já houve alteração de repertório, e talvez ainda haja outras no futuro, conforme vamos descobrindo mais histórias. Eu acho que as histórias vêm sempre na frente. É a vontade de contá-las, dispô-las de uma maneira que nos ajude a compreender a realidade no presente. Alguns sambas ajudam a contar as histórias porque foram escritos enquanto elas aconteciam, são testemunhas do seu tempo. Por isso estão no espetáculo.

E a colaboração com o ilustrador António Jorge Gonçalves, como surgiu? Como funciona o processo de desenho em tempo real em palco?

Como eu estou o tempo todo de costas para a tela durante o espectáculo, nunca consegui ver em tempo real o que o António vai fazendo! É uma pena… Mas depois vejo os vídeos e fico maravilhado. O que nós queríamos era uma “cenografia” que tivesse a capacidade de complementar o texto e as músicas. Que não fosse apenas um pano de fundo, ou uma repetição daquilo que é dito, mas uma outra voz, que traz informações que às vezes as palavras não conseguem alcançar. E o António é perfeito para esta função, porque trabalha precisamente com essa mentalidade. Durante as músicas consegue transitar entre traços abstratos e figurativos, e durante a narração nos apresenta imagens documentais, que depois vai manipulando e subvertendo, conforme se desenrola a história.

Imagino que na concepção deste “Samba de Guerrilha” tenha tido em conta que este iria ser apresentado principalmente a portugueses e outros públicos de países lusófonos, que não são tão versados na história do seu país. Acha que o espectáculo consegue ser compreendido por todos?

Este é o nosso grande desafio. Será a primeira vez que o apresentamos a um público que pode maioritariamente não ser nem português, nem brasileiro. Pensando nisso, nós adaptámos um pouco o texto, enxugando referências que eram muito localizadas. No entanto, o “Samba de Guerrilha” sempre foi um projecto voltado, de raiz, para um público não especializado. Não temos a ambição de em uma hora e meia contar toda a história do samba. De jeito nenhum. A nossa ideia é abrir portas, apresentar um universo cultural muito rico, e estimular o público a continuar a desbravá-lo depois que as cortinas fecham.

Qual a importância para si de contar esta parte da história do seu país?

Transformar o presente, que é muito violento e desigual. A história, junto com a música, o texto, e a imagem, são as nossas ferramentas de eleição para compreender de onde vêm os problemas sociais da actualidade, e sensibilizar o público para a importância de interromper os seus ciclos. A história colonial que nos é comum deixou para as gerações seguintes um legado de racismo e de injustiça com o qual ainda não conseguimos romper. A importância do “Samba de Guerrilha” reside aí. Quem me dera um mundo onde ele não fosse mais necessário. Mas enquanto for, cá estaremos. Rita Gonçalves – Macau in “Ponto Final”


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