Música, texto e imagem irão conjugar-se em cena para contar a História do Brasil, e a luta das populações negras e periféricas em busca de reconhecimento, direitos e dignidade. “Samba de Guerrilha – História do Brasil em três actos”, conta com a narração de Nádia Yracema, cenografia multimédia desenhada em tempo real por António Jorge Gonçalves, e música a cargo de Luca Argel e a sua banda, que estarão no palco do Teatro Broadway este sábado, dia 14 de Outubro.
A
“ópera-samba” do artista carioca radicado no Porto é dividida em três actos, em
que cada canção é antecedida por uma narração que faz uma contextualização
histórica e social de cada momento. Composto por versões modernas de clássicos
do samba, resultado de seis anos de pesquisa histórica, “Samba de Guerrilha”
parte da premissa de demonstrar como a herança do colonialismo continua, ainda
hoje, a condicionar a vida de milhões de pessoas, sob a forma de racismo,
pobreza e discriminação social.
Ao
Ponto Final, o músico e poeta falou das suas expectativas quanto à vinda a
Macau, o processo criativo da encenação do espectáculo, e a importância de
continuar a educar o público para desmantelar estigmas sociais que persistem
mesmo após o fim do colonialismo.
É a primeira vez em Macau, quais são as suas expectativas?
Sim,
é a primeiríssima vez. Estamos, acho que falo pela equipa toda, muito animados
em levar o “Samba de Guerrilha” pela primeira vez para fora de Portugal. Eu,
pessoalmente, estou curioso com tudo, não só com a parte do espectáculo, do
festival, do público, mas também em conhecer o lugar, ver as ruas, provar as
comidas, ouvir a língua… Tenho a certeza que vai ser uma viagem inesquecível.
Como foi o processo de selecção dos diferentes sambas que
figuram neste espectáculo que traz a Macau? Foram as músicas que inspiraram o
texto, ou foi-se encontrando músicas para ajudar a ilustrar a narrativa do
espectáculo?
Todo
esse processo faz parte de uma investigação continuada sobre a história do
samba, que venho desenvolvendo desde pelo menos 2016, e que ainda não parou. Da
primeira versão do espectáculo para a que vamos apresentar no dia 14, já houve
alteração de repertório, e talvez ainda haja outras no futuro, conforme vamos
descobrindo mais histórias. Eu acho que as histórias vêm sempre na frente. É a vontade
de contá-las, dispô-las de uma maneira que nos ajude a compreender a realidade
no presente. Alguns sambas ajudam a contar as histórias porque foram escritos
enquanto elas aconteciam, são testemunhas do seu tempo. Por isso estão no
espetáculo.
E a colaboração com o ilustrador António Jorge Gonçalves,
como surgiu? Como funciona o processo de desenho em tempo real em palco?
Como
eu estou o tempo todo de costas para a tela durante o espectáculo, nunca
consegui ver em tempo real o que o António vai fazendo! É uma pena… Mas depois
vejo os vídeos e fico maravilhado. O que nós queríamos era uma “cenografia” que
tivesse a capacidade de complementar o texto e as músicas. Que não fosse apenas
um pano de fundo, ou uma repetição daquilo que é dito, mas uma outra voz, que
traz informações que às vezes as palavras não conseguem alcançar. E o António é
perfeito para esta função, porque trabalha precisamente com essa mentalidade.
Durante as músicas consegue transitar entre traços abstratos e figurativos, e
durante a narração nos apresenta imagens documentais, que depois vai
manipulando e subvertendo, conforme se desenrola a história.
Imagino que na concepção deste “Samba de Guerrilha” tenha
tido em conta que este iria ser apresentado principalmente a portugueses e
outros públicos de países lusófonos, que não são tão versados na história do
seu país. Acha que o espectáculo consegue ser compreendido por todos?
Este
é o nosso grande desafio. Será a primeira vez que o apresentamos a um público
que pode maioritariamente não ser nem português, nem brasileiro. Pensando
nisso, nós adaptámos um pouco o texto, enxugando referências que eram muito
localizadas. No entanto, o “Samba de Guerrilha” sempre foi um projecto voltado,
de raiz, para um público não especializado. Não temos a ambição de em uma hora
e meia contar toda a história do samba. De jeito nenhum. A nossa ideia é abrir
portas, apresentar um universo cultural muito rico, e estimular o público a
continuar a desbravá-lo depois que as cortinas fecham.
Qual a importância para si de contar esta parte da
história do seu país?
Transformar
o presente, que é muito violento e desigual. A história, junto com a música, o
texto, e a imagem, são as nossas ferramentas de eleição para compreender de
onde vêm os problemas sociais da actualidade, e sensibilizar o público para a
importância de interromper os seus ciclos. A história colonial que nos é comum
deixou para as gerações seguintes um legado de racismo e de injustiça com o
qual ainda não conseguimos romper. A importância do “Samba de Guerrilha” reside
aí. Quem me dera um mundo onde ele não fosse mais necessário. Mas enquanto for,
cá estaremos. Rita Gonçalves – Macau in “Ponto
Final”
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