Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Moçambique - Um canhão ou uma causa: um ensaio sobre “O Caçador de Pássaros” de João Baptista Caetano Gomes

Edita-se “O Caçador de Pássaros” de João Baptista pela Editorial Fundza em 2022; o autor é poeta e escritor moçambicano nascido em Malawi e residente em Manica. Publicou o livro de poesia, Águas cristalinas em 2022. Venceu o concurso de conto infantil ’Nó da gaveta’ com o livro “As aventuras de Manuelito”.


De acordo com a Ananaz (2018), a literatura infantil dedica-se especialmente às crianças, jovens e adolescentes. Fazendo parte desta literatura as histórias fictícias infantis e juvenis, biografias, novelas, poemas, obras folclóricas e culturais.

Ruz (2011) citado por Ananaz (2018), diz que os livros infantis são compostos por ilustração e texto, embora o formato varie. Sendo importantes elementos como a forma, a cor, textura e dimensão do texto. Vemos isto no livro ‘’O Caçador de Pássaros’’.

Por que um livro infantil? Porque a infância é um lugar que representa o primeiro estágio do desenvolvimento da criança. É um jardim que se guarda adentro de um homem. É o reino dos sonhos de cada humano, onde a água, a luz, o pão com queijo, ovo e leite são alimentos gratuitos e o mundo é perfeito porque o mal é apenas um personagem de classe baixa, na maioria dos casos tem sido um personagem negro, tal como retrata a Disney e algumas telenovelas, um personagem que chora quando vare o quintal da casa e quando lava a louça nas manhãs ou porque não se pode juntar à roda com outras crianças porque o vestido está roto ou porque é larápio e etc. Guardar a infância como um lugar sagrado é transformar um canhão numa causa, numa sociedade em que o som do canhão se ouve a detonar em todas as famílias e avenidas, onde homens e mulheres dedicam-se a trocar os sonhos por baldes de violência de diversificadas formas, desde a verbal à física. O desrespeito pelas leis e pelos símbolos nacionais. A cobrança ao outro do que nós próprios nunca o fizemos. Amotinamos dessa forma os canhões nas igrejas que discute-se o poder enquanto Deus é colocado em canhões. Nas instituições públicas e privadas onde os canhões detonam os sonhos de quem tem uma causa pela qual vive.

Logo à prior o autor começa de forma sábia oferecendo doses de coragem a cada leitor que é medicado por estas palavras terapêuticas na tentativa de silenciar os canhões, dizendo: “Não se envergonhe dos seus medos, pássaros medrosos também voam. Na natureza.”

Para Nietzshe (1973; pág.54), erro de causas imaginárias – tomando como ponto de partida o sonho: a uma sensação determinada, por exemplo, à sensação produzida pela detonação de um canhão, soando ao longe, é substituída depois por uma causa. Imagino o processo criativo deste livro tendo começado pela causa imaginária em que o sonho tenha sido o ponto aludido por Nietzshe. Oates (2008), descreve Faulkner que na composição do seu romance “o som e a fúria” começou por uma inexplicável imagem através duma janela, a visão de uma rapariga desconhecida com roupa coberta de lama a trepar uma árvore…ou Hemingway escrevendo em todas manhãs num café de Paris para mais tarde se tornar o seu primeiro romance. Nesta senda, vejo o autor imaginando que as pessoas pudessem voar, e porque o voo é a sublimação de nobreza, só as aves dispõem desse privilégio, embora os homens o façam por dentro dos seus sonhos, vejo o autor sonhando com as asas de quem vem suportando quem não as tem e um menino que ama as aves sendo arrastado pelo bico dos pássaros que usam das suas asas para fazer dele um ser voador. Começa assim a escrita deste livro que imagino ter sido do voo para a iniciação de um menino que dorme e se esquece do mundo e da escola para viver um sonho de caçar pássaros, não para aprisioná-los, mas sim para se tornar um deles e voar tal como eles o fazem. E assim o sonho torna-se uma causa.

Vejamos 4 áreas de estudo do livro:

Estudo do espaço;

Estudo de tempo;

Estudo da acção.

Exercícios de análise gramatical e estética.

Estudo do espaço:

De acordo com Ananaz (2018), existem espaços físicos, sociais, psicológicos e culturais. Espaços físicos, indicam o lugar onde acção se realiza; espaços sociais, o meio social onde os personagens se movimentam; espaços psicológicos, vivenciados pelos personagens de acordo com o seu estado do espírito; espaços culturais, referências culturais no texto.

João Baptista Caetano Gomes, apresenta os seus personagens inseridos numa casa que representa a família, um menino sonhador que vai à escola onde sonha com pássaros. Vide o excerto da pág. 11: ‘’Voam pelas ruas da cidade. Casa na rua.”

Em “O Caçador de Pássaros’’, encontra-se a presença do ritmo temporal na isocronia estabelecida entre o Benjamim, personagem principal do conto e pinguim e os demais pássaros que estabelecem um diálogo num espaço físico onde narram as aventuras de Benjamim.

O sonho movido por um mundo inclusivo, justo e de igualdades revela-se na escrita do autor, tal como se pode ver no excerto da pág 10: ”Surgem pássaros de todas as cores. Pássaros de todas as idades.’’

Estudo do tempo

Há descrições cronológicas que ocorrem no texto, o autor se dedica a associar as acções à determinadas marcas de passagem de tempo. Vejamos na pág. 9: “o dia já amanheceu’’ e na pág 11: “orvalho da manhã, ou no sol da tarde”

Estudo da acção

A narrativa apresenta uma acção aberta em que a imaginação se tece ao longo da descrição do conto. A imaginação move os personagens e o leitor que se põe a reflectir na acção psicológica do personagem com vista a antecipar os factos.

Benjamim, o menino descrito no conto de João Baptista, tem um sonho. Para viver o seu sonho abandona a sua família para viver na rua com os pássaros.

Exercícios de análise gramatical e estética:

A categoria gramatical da palavra presente no texto mostra a enumeração de substantivos, o uso de texto corrido para maior interactividade das crianças e o uso de figuras de sintaxe e de pensamento fazem do texto aqui apresentado num contributo de relevo para a nossa literatura infantil. Vide o excerto da pág 9: “nas árvores verdejantes. Nas acácias, nas mangueiras, nas laranjeiras.’’

João Baptista é um poeta que se autodenuncia ainda que num infanto-juvenil, pelo uso de figuras de pensamento e de sintaxe:

Vide os excertos da pág. 9: “vê-se a aurora do sol. O girassol…vai à escola com sua sacola de sonhos.”

O autor apresenta as asas como realização de um sonho no conto, sustentando a ideia que a sociedade tem, quer seja na religião cristã, onde as asas simbolizam pureza e santidade. Por isso, o símbolo do espírito santo, a pomba, tem asas. Quer seja para os gregos, as asas representavam ser mensageiro de divindades ou ser divindade. Para os xamanistas as asas representam o voo da alma e para taoistas o poder de voar significa alcançar a imortalidade. É assim que se nos oferece, o sonho em o “Caçador de Pássaros”. Onde o autor busca a significação das asas representadas em pássaros sonhados por Benjamim, para mostrar-nos que o céu é todos nós e com asas ou sem asas se pode partilhar a liberdade uns com os outros como um bem comum e que deve beneficiar a todos de forma inclusiva.

É caso para dizer que mais do que viver com as riquezas do mundo há que se libertar a alma de cada canhão e viver uma causa que move-nos à luz e ao encontro de nós próprios. Um dever que é também uma necessidade individual. E por esta via o autor convida-nos a sorvermos a liberdade. Deusa d’Africa – Moçambique in “O País”

Referências Bibliográficas:

ANANAZ, Kanguimbu. “A Literatuta Infantil Angolana no Período Pós-Independência: Estudo sobre a Escritora Cremilda de Lima”. Editora das Letras. Angola. 2018, Pág 23-27.

NIETZSHE, Frederico. “O Crepúsculo dos Ídolos”. Editorial presença. Portugal. 1973. Pág. 54.

OATES, Joyce Carol. “A Fé de um Escritor. Vida, Técnica, Arte”. Casa das Letras. Portugal. 2008. Pág. 96-98.




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