Edita-se “O Caçador de Pássaros” de João Baptista pela Editorial Fundza em 2022; o autor é poeta e escritor moçambicano nascido em Malawi e residente em Manica. Publicou o livro de poesia, Águas cristalinas em 2022. Venceu o concurso de conto infantil ’Nó da gaveta’ com o livro “As aventuras de Manuelito”.
De
acordo com a Ananaz (2018), a literatura infantil dedica-se especialmente às
crianças, jovens e adolescentes. Fazendo parte desta literatura as histórias
fictícias infantis e juvenis, biografias, novelas, poemas, obras folclóricas e
culturais.
Ruz
(2011) citado por Ananaz (2018), diz que os livros infantis são compostos por
ilustração e texto, embora o formato varie. Sendo importantes elementos como a
forma, a cor, textura e dimensão do texto. Vemos isto no livro ‘’O Caçador de
Pássaros’’.
Por
que um livro infantil? Porque a infância é um lugar que representa o primeiro
estágio do desenvolvimento da criança. É um jardim que se guarda adentro de um
homem. É o reino dos sonhos de cada humano, onde a água, a luz, o pão com
queijo, ovo e leite são alimentos gratuitos e o mundo é perfeito porque o mal é
apenas um personagem de classe baixa, na maioria dos casos tem sido um
personagem negro, tal como retrata a Disney e algumas telenovelas, um
personagem que chora quando vare o quintal da casa e quando lava a louça nas
manhãs ou porque não se pode juntar à roda com outras crianças porque o vestido
está roto ou porque é larápio e etc. Guardar a infância como um lugar sagrado é
transformar um canhão numa causa, numa sociedade em que o som do canhão se ouve
a detonar em todas as famílias e avenidas, onde homens e mulheres dedicam-se a
trocar os sonhos por baldes de violência de diversificadas formas, desde a
verbal à física. O desrespeito pelas leis e pelos símbolos nacionais. A
cobrança ao outro do que nós próprios nunca o fizemos. Amotinamos dessa forma
os canhões nas igrejas que discute-se o poder enquanto Deus é colocado em
canhões. Nas instituições públicas e privadas onde os canhões detonam os sonhos
de quem tem uma causa pela qual vive.
Logo
à prior o autor começa de forma sábia oferecendo doses de coragem a cada leitor
que é medicado por estas palavras terapêuticas na tentativa de silenciar os
canhões, dizendo: “Não se envergonhe dos seus medos, pássaros medrosos também
voam. Na natureza.”
Para
Nietzshe (1973; pág.54), erro de causas imaginárias – tomando como ponto de
partida o sonho: a uma sensação determinada, por exemplo, à sensação produzida
pela detonação de um canhão, soando ao longe, é substituída depois por uma
causa. Imagino o processo criativo deste livro tendo começado pela causa
imaginária em que o sonho tenha sido o ponto aludido por Nietzshe. Oates (2008),
descreve Faulkner que na composição do seu romance “o som e a fúria” começou
por uma inexplicável imagem através duma janela, a visão de uma rapariga desconhecida
com roupa coberta de lama a trepar uma árvore…ou Hemingway escrevendo em todas
manhãs num café de Paris para mais tarde se tornar o seu primeiro romance.
Nesta senda, vejo o autor imaginando que as pessoas pudessem voar, e porque o
voo é a sublimação de nobreza, só as aves dispõem desse privilégio, embora os
homens o façam por dentro dos seus sonhos, vejo o autor sonhando com as asas de
quem vem suportando quem não as tem e um menino que ama as aves sendo arrastado
pelo bico dos pássaros que usam das suas asas para fazer dele um ser voador.
Começa assim a escrita deste livro que imagino ter sido do voo para a iniciação
de um menino que dorme e se esquece do mundo e da escola para viver um sonho de
caçar pássaros, não para aprisioná-los, mas sim para se tornar um deles e voar
tal como eles o fazem. E assim o sonho torna-se uma causa.
Vejamos
4 áreas de estudo do livro:
Estudo
do espaço;
Estudo
de tempo;
Estudo
da acção.
Exercícios
de análise gramatical e estética.
Estudo
do espaço:
De
acordo com Ananaz (2018), existem espaços físicos, sociais, psicológicos e
culturais. Espaços físicos, indicam o lugar onde acção se realiza; espaços
sociais, o meio social onde os personagens se movimentam; espaços psicológicos,
vivenciados pelos personagens de acordo com o seu estado do espírito; espaços
culturais, referências culturais no texto.
João
Baptista Caetano Gomes, apresenta os seus personagens inseridos numa casa que
representa a família, um menino sonhador que vai à escola onde sonha com pássaros.
Vide o excerto da pág. 11: ‘’Voam pelas ruas da cidade. Casa na rua.”
Em
“O Caçador de Pássaros’’, encontra-se a presença do ritmo temporal na isocronia
estabelecida entre o Benjamim, personagem principal do conto e pinguim e os
demais pássaros que estabelecem um diálogo num espaço físico onde narram as
aventuras de Benjamim.
O
sonho movido por um mundo inclusivo, justo e de igualdades revela-se na escrita
do autor, tal como se pode ver no excerto da pág 10: ”Surgem pássaros de todas
as cores. Pássaros de todas as idades.’’
Estudo
do tempo
Há
descrições cronológicas que ocorrem no texto, o autor se dedica a associar as
acções à determinadas marcas de passagem de tempo. Vejamos na pág. 9: “o dia já
amanheceu’’ e na pág 11: “orvalho da manhã, ou no sol da tarde”
Estudo
da acção
A
narrativa apresenta uma acção aberta em que a imaginação se tece ao longo da
descrição do conto. A imaginação move os personagens e o leitor que se põe a
reflectir na acção psicológica do personagem com vista a antecipar os factos.
Benjamim,
o menino descrito no conto de João Baptista, tem um sonho. Para viver o seu
sonho abandona a sua família para viver na rua com os pássaros.
Exercícios
de análise gramatical e estética:
A
categoria gramatical da palavra presente no texto mostra a enumeração de
substantivos, o uso de texto corrido para maior interactividade das crianças e
o uso de figuras de sintaxe e de pensamento fazem do texto aqui apresentado num
contributo de relevo para a nossa literatura infantil. Vide o excerto da pág 9:
“nas árvores verdejantes. Nas acácias, nas mangueiras, nas laranjeiras.’’
João
Baptista é um poeta que se autodenuncia ainda que num infanto-juvenil, pelo uso
de figuras de pensamento e de sintaxe:
Vide
os excertos da pág. 9: “vê-se a aurora do sol. O girassol…vai à escola com sua
sacola de sonhos.”
O
autor apresenta as asas como realização de um sonho no conto, sustentando a
ideia que a sociedade tem, quer seja na religião cristã, onde as asas
simbolizam pureza e santidade. Por isso, o símbolo do espírito santo, a pomba,
tem asas. Quer seja para os gregos, as asas representavam ser mensageiro de
divindades ou ser divindade. Para os xamanistas as asas representam o voo da
alma e para taoistas o poder de voar significa alcançar a imortalidade. É assim
que se nos oferece, o sonho em o “Caçador de Pássaros”. Onde o autor busca a
significação das asas representadas em pássaros sonhados por Benjamim, para
mostrar-nos que o céu é todos nós e com asas ou sem asas se pode partilhar a
liberdade uns com os outros como um bem comum e que deve beneficiar a todos de
forma inclusiva.
É
caso para dizer que mais do que viver com as riquezas do mundo há que se
libertar a alma de cada canhão e viver uma causa que move-nos à luz e ao
encontro de nós próprios. Um dever que é também uma necessidade individual. E
por esta via o autor convida-nos a sorvermos a liberdade. Deusa d’Africa –
Moçambique in “O País”
Referências Bibliográficas:
ANANAZ,
Kanguimbu. “A Literatuta Infantil Angolana no Período Pós-Independência: Estudo
sobre a Escritora Cremilda de Lima”. Editora das Letras. Angola. 2018, Pág
23-27.
NIETZSHE,
Frederico. “O Crepúsculo dos Ídolos”. Editorial presença. Portugal. 1973. Pág.
54.
OATES,
Joyce Carol. “A Fé de um Escritor. Vida, Técnica, Arte”. Casa das Letras.
Portugal. 2008. Pág. 96-98.
Sem comentários:
Enviar um comentário