A capacidade instalada no
Brasil levando em conta todos os tipos de usinas que produzem energia elétrica
é da ordem de 132 gigawatts (GW). Deste total menos de 0,0008% é produzida com
sistemas solares fotovoltaicos (transformam diretamente a luz do Sol em energia
elétrica). Só este dado nos faz refletir sobre as causas que levam nosso país a
tão baixa utilização desta fonte energética tão abundante, e com
características únicas.
O Brasil é um dos poucos
países no mundo, que recebe uma insolação (numero de horas de brilho do Sol)
superior a 3000 horas por ano. E que na região Nordeste conta com uma
incidência média diária anual entre 4,5 a 6 kWh. Por si só estes números
colocam o pais em destaque no que se refere ao potencial solar.
Diante desta abundância,
então porque persistimos em negar tão grande potencial? Por dezenas de anos, os
gestores do sistema elétrico (praticamente os mesmos) insistiram na tecla de
que a fonte solar é cara, portanto inviável economicamente quando comparadas
com as tradicionais. Até a “Velhinha de Taubaté” (personagem do magistral Luis
Fernando Veríssimo), que ficou conhecida nacionalmente por ser a última pessoa
no Brasil que ainda acreditava no governo, sabe que o preço e a viabilidade de
uma dada fonte energética dependem muito da implementação de políticas
públicas, de incentivos, de crédito com baixos juros, de redução de impostos.
Enfim, de vontade política para fazer acontecer.
O que precisa ser dito
claramente para entender o porquê da baixa utilização da energia solar fotovoltaica
no país é que ela não tem apoio, estímulo nem neste, e nem teve nos governos
passados. A política energética na área da geração simplesmente relega esta
fonte energética de produção de energia elétrica. Daí, em pleno século XXI, a
contribuição da eletricidade solar na matriz elétrica brasileira é pífia,
praticamente inexiste.
Mesmo com a realização de
dois leilões exclusivos para esta fonte energética, claramente ficou
demonstrado que não basta simplesmente realizar os leilões é necessário que o
preço final seja competitivo para garantir a viabilidade das instalações. O
primeiro leilão realizado a nível nacional em outubro de 2014, resultou na
contratação de 890 MW, e o valor final atingiu R$ 215,12/MWh. O segundo
realizado em agosto de 2015 terminou com a contratação de 833,80 MW, a um valor
médio de R$ 301,79/MWh. Ainda em 2015, em novembro próximo será realizado um
terceiro leilão especifico para a fonte solar.
Por outro lado à geração
descentralizada, aquela gerada pelos sistemas instalados nos telhados das
residências praticamente não recebem nenhum apoio e consideração governamental.
Apesar do enorme interesse que desperta, segundo pesquisas de opinião
realizadas junto à população.
Mesmo a entrada em vigor em
janeiro de 2013 da Norma Resolutiva 482/2012 da Agencia Nacional de Energia
Elétrica (Aneel), que estabeleceu regras para a micro (até 100 kW) e a mini
geração (entre 100 kW e 1.000 kW), permitindo assim que consumidores possam
gerar sua própria energia, e trocar o excedente por créditos, que dão desconto
em futuras contas de luz; não alavancou o uso desta fonte energética. Os dados
estão ai.
Segundo a própria Aneel, a
evolução acumulativa do numero destes sistemas implantados foi: de jan/mar 2013
- 8 sistemas instalados, de abr/jun - 17 sistemas, de jul/set - 43, de out/dez
-75, de jan/mar 2014 - 122, de abr/jun - 189, de jul/set - 292, de out/dez -
417, de jan/mar2015 - 541 e de abr/jun - 725 sistemas estavam instalados (deste
total 681 são sistemas fotovoltaicos, 4 biogás, 1 biomassa, 11 solar/eólica, 1
hidráulico, 27 eólico). Números insignificantes quando comparado, por exemplo,
com a Alemanha que dispõe de mais de um milhão de sistemas instalados nos
telhados das residências.
Fica mais que evidente que
obstáculos persistem para o crescimento, e uma maior participação da
eletricidade solar na matriz elétrica. O que depende para transpor os
obstáculos são políticas públicas voltadas ao incentivo da energia solar. Por
exemplo, a criação pelos bancos oficiais de linhas de credito para
financiamento com juros baixos, a redução de impostos tanto para os
equipamentos como para a energia gerada, a possibilidade de ser utilizado o
FGTS para a compra dos equipamentos, e mais informação através de propaganda
institucional sobre os benefícios e as vantagens da tecnologia solar.
Mas o que também dificulta
enormemente, no que concerne a geração descentralizada é as distribuidoras, que
administram todo o processo deste a análise do projeto inicial de engenharia
até a conexão a rede elétrica. Cabe às distribuidoras efetuarem a ligação na
rede elétrica, depois de um burocrático e longo processo administrativo
realizado pelo consumidor junto à companhia.
E convenhamos, aquelas
empresas que negociam com energia (compram das geradoras e revendem aos
consumidores) não estão nada interessadas em promover um negócio que, mais cedo
ou mais tarde afetará seus lucros. Isto porque o grande sonho de consumo do
consumidor brasileiro é ficar livre, não depender das distribuidoras com
relação à energia que consome. O consumidor deseja é gerar sua própria energia.
Ai está o “nó” do problema
que o governo não quer enfrentar. O lobby das empresas concessionárias, 100%
privadas, dificulta o processo através de uma burocracia infernal, que nem
todos que querem instalar um sistema solar estão dispostos a enfrentar.
Enquanto que em dois dias você instala os equipamentos na sua residência, tem
que aguardar quatro meses para estar conectado na rede elétrica.
O diagnóstico dos problemas
encontrados é quase unânime. Só não “enxerga” quem não quer. E não
“enxergando”, os obstáculos não serão suplantados. Assim o país continuará
patinando, mergulhado em um discurso governamental completamente deslocado da
realidade.
Acorda “ilustres
planejadores” da política energética, pois a sociedade não aceita mais pagarem
pelos erros cometidos por “vossas excelências”. Exige-se mais democracia, mais
participação, mais transparência em um setor estratégico, que insiste em não
discutir com a sociedade as decisões que toma. Heitor Scalambrini – Brasil in
“Diário Liberdade”
Heitor
Scalambrini - Professor associado da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), graduado em Física pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP/SP), Mestre em Ciências e Tecnologias Nucleares na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutor em Energética, na
Universidade de Marselha/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França.
E-mail:
hscosta@ufpe.br
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