Tanto na América como na Europa
A frase original de Bertol
Brecht é a seguinte: “O que é o crime de assaltar um banco comparado com o crime de fundar um banco?”. Para ser
melhor compreendida, ficou assim: “Que é roubar um banco em comparação com afundar um banco?”. Uma grande
diferença é esta: o primeiro, se descoberto, gera cadeia; o segundo, mesmo com
todas as provas do mundo, gera riqueza e nobreza. Para os senhores neofeudais
vigoram outras leis. Porém, se a Justiça não se aplica a todos com o mesmo
rigor, se o capitalismo neofeudalista (que não tem nada a ver com o capitalismo
distributivo) se abre para o dinheiro sujo, se o Estado permite que esse virus
se instale em seu edifício, que o debilite e finalmente o destrua, se a
confiança dos eleitores é traída minuto a minuto, não há que o futuro de todas
as mafiocracias não seja o caos (ou o abismo).
O
Banco Econômico (de Ângelo Calmon de Sá) constitui, no contexto da nossa
pujante mafiocracia, não só um dos 30 maiores escândalos financeiros do País,
senão também mais uma prova, inequívoca e exuberante, de que a arte de furtar
“é mesmo muito nobre” (veja Arte
de furtar, p. 48). Sofreu
intervenção do Banco Central em 1995. Entrou em liquidação judicial em 1996
(apesar da ajuda do Proer). Rombo hecatômbico (de mais de 13 bilhões de reais,
possivelmente maior que o estrago na Petrobras). Milhares de prejudicados (até
hoje não ressarcidos, pelo que se sabe). Falcatruas comprovadas (uso do mesmo
contrato de câmbio várias vezes para captar crédito com instituições financeiras
do exterior) revelaram gestão fraudulenta (com muita arte). Os recursos
adicionais obtidos eram aplicados em proveito do próprio banco, servindo de
liquidez para aliviar a situação em que se encontravam as empresas do grupo (Valor10/9/15:
C14).
Há
quem diga que não há ladrão que seja nobre, visto que o ofício, por si só,
extingue todos os foros e insígnias da nobreza. Olhando a realidade (nua e
crua) dos países mafiocratas (como é o caso do Brasil), mirando bem de perto
todos os ladrões que são tidos e havidos como as espécies melhores do mundo,
chega-se à conclusão de que o exercício da arte de furtar não tem (normalmente)
a eficácia de deslustrá-los, nem abate um ponto mínimo sequer o timbre da sua
grandeza. O fato de ser surpreendido com a boca na botija da corrupção, por
exemplo, não é suficiente para impedir o crescimento da sua vistosa carreira.
Com efeito, é frequente que nem a Justiça, nem a sociedade em conjunto nem o
eleitor individualmente, quando se trata de cargo eletivo, atine para esse desatino
que seria encerrar uma carreira próspera de quem faz o mal pensando no bem.
Na
primeira instância, Ângelo foi condenado a 13 anos e 4 meses de reclusão.
Outros três também foram condenados. O TRF 3ª Região (julho/15) absolveu dois
deles e reduziu a pena do ex-presidente para 8 anos e 7 meses. O MPF recorreu
para o STJ e pediu aumento de penas. Se não houver aumento de pena tudo já está
prescrito (porque ele tinha mais de 70 anos da data da sentença). A Justiça
tartaruga, em regra, funciona desse jeito (particularmente perante a grande
criminalidade mafiocrata).
Em
virtude dos três princípios das ciências (objeto, regras ou métodos e sujeitos)
não há como negar que a arte de furtar no mundo da mafiocracia é muito nobre:
seu objeto é tudo que tem nome precioso (dólar, ouro, jóias, ações, capitais,
terras, carros etc.); suas regras ou métodos são sutilíssimos e infalíveis; os
sujeitos e mestres que a professam, ainda que fazendo o mal, são os que se
prezam de mais nobres, posto que são senhorias, altezas e majestades
[senadores, deputados, governadores, presidentes etc.] (Arte de furtar, p. 48).
Na
época da intervenção o banco adquiria empréstimos diários altíssimos para
conseguir fechar o caixa. No início de 1996, o Banco Central descobriu diversos
indícios de um prejuízo (inicial) que cerca de R$ 7 bilhões na contabilidade do
Banco Econômico. Depois da descoberta, para saldar o rombo existente, o
Ministério Público da Bahia conseguiu o bloqueio dos bens dos controladores. O
dono do banco, Ângelo Calmon de Sá, e outros 42 administradores, foram
impedidos de vender suas propriedades, de fazer investimentos financeiros e de
emprestar dinheiro de outros bancos. Todos eles foram acusados pelo Ministério
Público, por terem utilizado recursos obtidos de instituições estrangeiras para
financiar operações ilícitas em benefício próprio do Banco, assim como a
utilização de um mesmo contrato de câmbio para mais de uma transação comercial.
Ângelo Calmon de Sá, em 2003, foi proibido pelo Banco Central, de ocupar cargos
de direção em instituições financeiras durante 20 anos. Outros 19 antigos
dirigentes do Banco também foram suspensos por prazos que variavam de 5 a 20
anos.
Não
engrandece tanto as ciências a matéria (o objeto) em que se exercitam, senão o
engenho da arte com que obram. Como o engenho e a arte de furtar vai se
sofisticando cada vez mais, bem podemos dizer que é ciência nobre (Arte de
furtar,p. 48).
Saiba mais:
O
Banco Econômico foi envolvido, ainda, em outro escândalo, abafado pela ditadura
militar (1964 a 1985), que tinha por objeto cheques administrativos sem
cobertura, popularmente chamados de “sem fundos”. Em 1995, Banco Econômico foi
incorporado pelo Banco Excel, e passou a se chamar Banco Excel-Econômico. Nessa
época, o banco sofreu a intervenção e os fundos ficaram com aplicações presas
no Econômico; mesmo assim veio a ajuda do programa de reestruturação do sistema
financeiro, o Proer, do governo federal. Os fundos de pensão – liderados por
Petros (Petrobrás), Previ (Banco do Brasil) e Centrus (Banco Central),
aceitaram trocar as aplicações por uma participação acionária no
Excel-Econômico. Tinham 25% do capital com direito a voto. Menos de três anos
depois, o dinheiro virou pó de novo. Com práticas semelhantes às do antigo
dono, Calmom, o novo controlador do Excel-Econômico, Ezequiel Nasser, quebrou o
mesmo banco. O governo então, impôs a condição de venda do banco ou ele seria
liquidado. Nasser acertou a venda de 55,4% das ações ordinárias de sua família
por um valor simbólico de R$ 1. À medida que fosse recuperado o dinheiro
emprestado pelo Excel-Econômico a empresas e pessoas físicas, a família Nasser
receberia por suas ações. Alguns meses depois, o banco foi vendido para o banco
espanhol Bilbao de Vizcaya. Contratada pelo banco logo após a compra, a consultoria
Arthur Andersen, responsável por checar a contabilidade do Excel-Econômico,
encontrou uma diferença de US$ 550 milhões nas contas. Em 2003, o banco foi
vendido novamente ao Bradesco, com o Bilbao deixando o país. Mas a descoberta
de sucessivas operações de entradas e saídas de divisas no valor de US$ 1,5
bilhão para paraísos fiscais levantou a suspeita de que antigos diretores do BC
podem ter favorecido o banco estrangeiro com a injeção oculta de dinheiro
público. E até hoje existem controvérsias quanto ao valor pago pelo Banco
Bilbao Vizcaya. Enquanto que em 1998 se dizia que o BBV pagou a quantia de US$
500 milhões pelo controle acionário do Excel, em 2004 foi denunciada uma
quantia simbólica de R$ 1. As informações são do MUCO (Museu da Corrupção) e do
Centro de estudos e Pesquisas sobre Corrupção.
Passados vinte anos da
intervenção do Banco Central (19 em liquidação extrajudicial ou sob regime
especial), o jornal Tribuna da Bahia (13/07/15), mostrou que, até julho de
2015, a dívida da antiga instituição bancária, criada na Bahia, girava em torno
dos R$ 13,5 bilhões. Desse valor, R$ 10.850 bilhões ao Bacen e R$ 2,7 bi junto
a demais credores. A maior parte do débito refere-se à dotação disponibilizada
pelo Proer–Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro Nacional, criado em novembro de 1995, durante o governo Fernando
Henrique Cardoso, para evitar uma quebradeira sistêmica de bancos que não se
adaptaram ao Plano Real e
garantir os recursos dos depositantes. A intervenção do Bacen decorreu de
operações como saques a descoberto na conta Reservas Bancárias, saldo negativo
em operações e multa administrativa, entre outros desmandos cometidos pelos
dirigentes do banco.
Próximo
de alcançar o tempo de prescrição do caso (perda da possibilidade de se exigir
judicialmente um direito devido ao tempo decorrido), de acordo com o jornal
Valor Econômico (10/09/15), o Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pediu o aumento das penas do ex-presidente
do Banco Econômico. Segundo o MPF, há risco de prescrição da ação contra Calmon
de Sá. Quando foi condenado pela primeira vez, em 28 de setembro de 2007, o
banqueiro já tinha 72 anos. Se o STJ não der provimento ao recurso, haverá
prescrição (em outubro/15). O aumento da pena poderá evitar a prescrição. Flávio Gomes – Brasil in “JusBrasil”
Luiz Flávio Gomes - Jurista e
professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto
Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001).
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