«Creio no galego e no
português mas nom acredito em qualquer híbrido entre ambos», sentenciava em
conversa privada um eminente representante da cultura galega a propósito da
minha tese de doutoramento. A tese, defendida na Faculdade de Económicas da
USC, trata sobre a banca compostelana dos Pérez e foi redigida e defendida em
norma AGAL por simples lealdade ao idioma nativo do autor. Optei por esta norma
nom sem antes ponderar a possibilidade da versom em português padrom, mais
adequado decerto para um trabalho que visa o acesso à comunidade académica sem
fronteiras. Prevaleceu a lealdade e a convicçom da plena aptidom do galego para
qualquer uso e circunstáncia.
A opiniom do meu interlocutor,
bem instalado na norma galega habitual e apreciador do português, pouco
diferirá da que um pode esperar de qualquer conspícuo partidário do “português
da Galiza”: “nom brinquem com o idioma –quer seja galego consagrado, quer
português padrom–, fora da norma todo é artifício vao”.
A opçom pola norma AGAL
comporta, ademais – será bom deixar constáncia –, um esforço suplementar que um
pode aforrar se optar polo português padrom. Contamos em tal caso com
excelentes instrumentos auxiliares, magníficos dicionários disponíveis e um
competente corretor lingüístico que facilita grandemente o fluxo da escrita a
pouco que um conheça o idioma. Por quê entom empenhar-se em contrariar nada
menos que duas doutas academias ‑ a
nobilitada com a dignidade real e a empenhada à proclamaçom do “português da
Galiza”?
No que a mim respeita, a
resposta afinca na convicçom de a Galiza ser um sujeito histórico singular
dotado de língua própria com atributos de naçom. Haverá quem sustenha que tal
categoria é mera ilusom, mas talvez poda reconhecer que também é a hipótese de
nom existirem sociedades senom apenas átomos individuais desvinculados. Numha
perspetiva nacionalitária, nem o caráter descaradamente regionalista do galego
em vigor ‑
simples apêndice pitoresco do castelhano ‑ nem o
esplendor internacional do idioma português honram como merece a secular história
do galego e a exigência política de reagir contra a sua degradaçom e perigo de
assimilaçom polo espanhol. Por desídia servil no primeiro caso, por abandono do
inescusável confronto com a realidade do idioma vivo no segundo.
A agenda tradicional da AGAL
consistiu desde sempre na reabilitaçom do idioma menosprezado perante o espelho
do português em funçom de língua teito. A superaçom do isolamento regionalista
que abafa o galego requer como precondiçom nom cairmos no abandono do
inevitável confronto com a degradaçom e a reabilitaçom do idioma. Sob esta
perspetiva, o refúgio no «português da Galiza» parece umha saída errada da
imprescindível tarefa pendente. O modelo AGAL promete recuperar o coraçom do
galego, operaçom incompatível com um transplante de coração com previsível
resultado de rechaço.
O stablishment político,
económico e mediático felizmente imperante garante e usufrui a tese implícita
de o galego ser um apêndice do castelhano. A proclamaçom do «português da
Galiza» em substituiçom do galego vivo parece acreditar numha conceçom do
galego como fruto prematuro e gorado do idioma português. Hipótese atrevida que
trai à memória a afirmaçom do Marx mais teleológico de que «a anatomia do homem
explica a do símio».
A procura dum novo consenso
para dignificar o idioma é a tarefa certa e inevitável e o seu destinatário o
conjunto da sociedade galega sem exclusons. O idioma é o mais alto monumento
que tenhamos produzido, património coletivo como as Fragas do Eume, as Ilhas
Atlánticas ou o Pórtico da Glória. O momento é propício para relançar a
proposta da AGAL; basta como observar a esperançosa movimentaçom social
emergente a prol de umha Galiza sem inúteis tutelas como no crescente ativismo
em prol de um grupo parlamentar próprio nas Cortes espanholas.
A tarefa de reabilitaçom do
idioma é difícil mas nom ilusória. Nom estará de mais lembrar que Catalunya
grafa com o seu dígrafo identificativo “ny” apenas desde o ano 1913, e que o
euskara batua é um formato de recentemente construçom como som os dígrafo “tx,
ts, tz”. Nada a ver com a magnitude demográfica e opulência secular da nossa
língua teito, o português padrom. A norma AGAL está construída com material de
excelente qualidade e irreprochável rigor filológico, apenas falta a
cumplicidade do poder político, mas isso tem remédio e a isso estamos.
No próximo 24 de outubro de 2015 está
convocada Assembleia Extraordinária para a renovaçom do Conselho da AGAL. Seria
bom que o novo Conselho procedesse a revalidar a agenda fundacional da
Associaçom mediante os instrumentos que o próprio movimento foi criando:
infantários monolingües, ediçom de livros, recuperaçom de neofalantes, clubes
de leitura, intervençom freqüente de sócios e simpatizantes em redes sociais e
debates. Tornar normal o ativismo em volta do idioma – que é património quase
exclusivo hoje do movimento reintegracionista – é o eixo da agenda.
A bússola do ativismo
linguístico nom aponta hoje para gramáticas e prontuários, senom para a prática
acrescentada do idioma reabilitado através das redes sociais e a difusom de
textos cuidados de toda índole, da crónica ao ensaio, do artigo à tese
doutoral. A freqüentaçom da literatura portuguesa é o melhor guia para
configurar um galego literário, limpo e reconhecível. Um galego renovado que
prenuncia e acompanha a emergência dessa Galiza reconciliada consigo mesma que
tenta de novo afirmar-se. Lopes Facal –
Galiza in “Portal Galego da Língua”
Joám
Lopes Facal - Nascim e vivim na aldeia até os quinze anos,
Toba, ao pé da ria de Corcubiom, frente ao Pindo. Figem-me economista despois
de engenheiro e aí desenvolvim a minha atividade profissional até o momento de
me reformar. A economia é ademais um vício particular: ler atentamente e tentar
compreender a informaçom económica cotidiana, ter sempre sobre a mesa um livro
de economia.
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