Exposição A Tendency to
Forget prossegue a investigação da artista sobre as ondas de choque provocadas
pelo colonialismo e pelo pós-colonialismo nas sociedades contemporâneas.
As ressonâncias e o impacto
do colonialismo e do pós-colonialismo nas sociedades contemporâneas têm sido o
cerne do trabalho de Ângela Ferreira (Maputo, 1958). A exposição A Tendency to
Forget, patente no Museu Colecção Berardo até 11 de Outubro, regressa a esse
universo e valeu-lhe o Novo Banco Photo 2015, o principal prémio de arte
contemporânea em Portugal (com um valor pecuniário de 40 mil euros), que
distingue desde 2007 artistas de nacionalidade portuguesa, brasileira ou de
países africanos de língua oficial portuguesa.
Para o Museu Berardo, a
artista concebeu uma escultura evocativa do edifício onde funcionava o
ministério do Ultramar (actual ministério da Defesa), através da qual se podem
ver vídeos captados pelo casal Jorge e Margot Dias, antropólogos, cujo trabalho
sobre o povo Maconde de Moçambique lhes trouxe reconhecimento internacional nas
décadas de 1960 e 1970.
Se por um lado esta
instalação questiona a simbologia e a monumentalidade de uma estrutura que
representou o domínio português sobre as antigas colónias, por outro questiona
o posicionamento científico e académico destes dois investigadores. Para a
curadora Elvira Dyangani Ose, A Tendency to Forget “lida de forma activa com um
episódio da história colonial portuguesa” e “desvela não só a importância dos feitos
alcançados nos primórdios da chamada Nova Antropologia, como também realça a
agenda política escondida por detrás das investigações do casal Dias e das suas
alianças com o regime salazarista” (Jorge Dias estudou folclore e etnologia na
Alemanha nazi). Ao lado da réplica do edifício da Avenida da Ilha da Madeira
(Lisboa), fotografias do antigo ministério do Ultramar e do Museu Nacional de
Etnologia surgem lado a lado, naquilo que pode ser entendido como provocação ou
um convite à reflexão sobre a proximidade (estão separados por uma rua) de dois
edifícios que tanto podem ser antagónicos como complementares.
Nesta instalação multimédia
inédita, o júri realça "o trabalho altamente sensibilizado que desafia a
nossa percepção do passado e nos confronta com os fantasmas do contexto
colonial e pós-colonial". Este trabalho, prossegue o júri no argumentário
de premiação, "recorda-nos o lado mais sombrio da modernidade, à medida
que desvela o lado oculto dos arquivos onde a artista joga com a tensão entre o
visível e o invisível, entre a presença e a ausência, e com o
inquietante".
Em declarações ao PÚBLICO,
logo após a atribuição do prémio, a artista afirmou que sobre o legado colonial
há ainda "coisas profundas por resolver", mas reconhece que Portugal
começa a abrir as portas a essa discussão, nomeadamente no campo da arte
contemporânea. "Há que questionar os legados de uma forma profunda,
estabelecer conexões que não seja meramente para dizer que a culpa é deste ou
daquele. Temos que tentar compreender a complexidade dos acontecimentos para
evoluirmos para um momento em que podemos ultrapassar esse passado."
No ensaio que assina no
catálogo da edição deste ano do prémio, Ose relembra uma frase de Ângela
Ferreira que pode servir de referencial para boa parte do seu percurso
artístico: “Os edifícios podem ser lidos como textos políticos, e é isso que
procuro fazer.” A partir deste posicionamento, a artista, que se formou em
escultura na África do Sul, “vai além da superfície de cada estrutura
analisada, explorando e revelando as subtilezas dos diversos episódios
históricos que deixaram a sua marca nesses edifícios.”
Para Ângela Ferreira, ainda
há algum medo de questionar o legado colonial e pós-colonial porque é "um
universo que magoa". "É preciso alguma coragem, porque produz algumas
emoções e não estou só a falar da questão colonial, o próprio processo de
descolonização também não foi gerido em termos de memória. O arquivo desse
processo está por abrir. Há feridas que estão por resolver (...). Muitas vezes
evitamos falar de certos assuntos porque são desconfortáveis, e eu às vezes não
resisto em insistir um pouco."
Sobre a "tendência para
esquecer": "Sou aquela pessoa chata que continua a insistir que estes
assuntos ainda não estão resolvidos. Este trabalho é a continuação de um outro
que fiz em 1997 e que se chamava Amnésia, cujo assunto era o mesmo. (...) Mas o
conforto do esquecimento às vezes impede-nos de evoluir filosoficamente,
conceptualmente e politicamente."
Para além de Ângela
Ferreira, foram nomeados para o prémio Novo Banco Photo 2015 o brasileiro
Ayrson Heráclito e o angolano Edson Chagas. Em Janeiro, o júri de nomeação
escolheu Ângela Ferreira pela exposição Indépendance Cha Cha, apresentada em
2014 na galeria Lumiar Cité, em Lisboa. A exposição Luanda, Encyclopedic City,
que representou Angola na 55.ª Bienal de Veneza (2013), onde conquistou o Leão
de Ouro pela melhor participação nacional, e a exposição na galeria Belfast
Exposed Photography (2014), valeram a Edson Chagas a nomeação. Ao longo de
2014, o brasileiro Ayrson Heráclito participou em várias exposições, entre as
quais o júri destaca Segredos Internos (1999-2009), Do Valongo à Favela (Museu
de Arte do Rio, Rio de Janeiro) ou Múltiplo II em Histórias Mestiças (Instituto
Tomie Ohtake, São Paulo).
Numa primeira fase, cada um
dos artistas seleccionados recebe uma bolsa de produção para a realização da
exposição que agora se pode ver no Museu Berardo. A partir desta mostra, o júri
de premiação escolhe o vencedor. A decisão de atribuir o prémio a Ângela
Ferreira foi unânime entre um júri composto por Dana Whabira, artista e
curadora independente, Manthia Diawara, historiador de arte e professor da New
York City University e Salah Hassan, historiador de arte e professor na Cornell
University (EUA).
A artista brasileira Letícia
Ramos foi a vencedora da edição do ano passado, que foi disputada com Délio
Jasse (Angola) e José Pedro Cortes (Portugal). Sérgio Gomes – Portugal in "Jornal Público"
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