Levantar-se
em ATA (Acção para a Terceira Alternativa, em Angola), em 2015
O fim do ano de 2014 e o
início de 2015 estão a coincidir com o fim de um meu trabalho de investigação
académica, gratamente patrocinada por uma bolsa da Fundação Calouste
Gulbenkian, o que me retirara alguma acutilância na intervenção
cívico-política, nos últimos tempos, já para não falar de uma maior dedicação à
família e amigos.
Na minha idade, não é a mera
projecção académica que me move com este trabalho, mas a busca de uma maior
compreensão dos fenómenos africanos nas componentes História, Antropologia,
Estado e Direito, no âmbito daquilo a que o filósofo congolês Mudimbe entendeu
chamar e, muito bem, a “invenção de África”.
Ainda assim, durante este
empreendimento que me levou cerca de um lustro, em 2012, arranjei algum tempo
para deixar algumas ideias no opúsculo “Angola: a terceira alternativa”, que,
como costumo repetir, não se trata de um programa político mas de uma proposta
e um método para se tentar sair da situação complicada em que o país caiu.
Curiosamente depois do fim da guerra civil, especialmente a partir de 2002,
encurralado num regime pessoal do longevo presidente José Eduardo dos Santos,
neste momento, o mais antigo Chefe de Estado em África (ex.aequo com o
presidente da Guiné Equatorial), de quem, nas condições em que o País se
encontrava e pelo papel positivo que parecia ter jogado, se esperava um rumo
muito diferente.
A minha preocupação com essa
longevidade, em que todos os truques são inventados, para demonstrar que não há
saída com outras personalidades, mesmo dentro do seu bem apetrechado partido,
com a montagem de uma cerca de formalizações carnavalescas, não reside em si
nisso mesmo, visto que não sou nada formalista. Na verdade, se o Presidente
Santos conseguisse toda essa longevidade e não houvesse problemas graves, eu
nem me importava. Escreveria e falaria de outras coisas, brincava com os meus
netos e gargalhava com os meus amigos.
O problema grave é que
nesses últimos anos foi montado um dispositvo de ostensivo apartheid sistémico.
Um sistema que cria perigosas tensões, ao ponto de gerar mortes e tortura de
jovens que o querem legitimamente renovar de forma pacífica. Obriga toda a
gente (comunicadores, empreendedores, artistas e homens de cultura, etc. etc.)
a arregimentarem-se a volta do partido no poder, que por sua vez foi extirpado
de vozes críticas internas, nas questões fundamentais, para uma sintonia
incondicional com as intenções, quase sempre inesperadas do “Chefe” e sua
corte. E o que deveria preocupar muita gente, mas parece não preocupar a quem
devia, é que Angola está a ficar isolada neste caminho, que nunca pode acabar,
hoje ou amanhã, minimamente bem.
Enquanto escrevo este texto,
oiço ou leio trechos da mensagem de Ano Novo do Presidente José Eduardo dos
Santos. Ele afirma, por exemplo, que o Estado deverá cuidar de diminuir a
intolerância política; que deve haver diálogo para a resolução de questões no
âmbito político; que deve respeitar-se as regras de convivência política,
máxime, as previstas na Constituição, aplicadas, quando necessário, pelo
Tribunal Constitucional; e deve trabalhar-se para a reposição dos valores
ético-morais!
Simplesmente, não é possível
atingir esses objectivos com o sistema que o próprio Presidente vem
consolidando, na base dos recursos enormes baseados no petróleo que controla,
terminada a guerra. Veja-se como o Presidente resolveu – ou desenvolveu – o
escandaloso caso BES-BESA?!
Assim, quem vai acabar com a
intolerância política se ela parte dos próprios arredores palacianos matando
jovens pacíficos como Ganga ou torturando estudantes como Laurinda Gouveia?
Diálogo político com os principais meios de comunicação sem qualquer
independência do poder, num país democrático? Que Constituição que só é valida
quando defende os interesses do Chefe e que Tribunal Constitucional que se
substitui ao Parlamento logo que se note alguma lacuna na Constituição para
tornar, por exemplo, o chefe do executivo e todos os seus colaboradores,
irresponsáveis pelos seus actos e omissões? Finalmente, que valores
ético-morais, para quem e para quê, onde do alto do próprio poder se promove e
protege abertamente entidades suspeitas de casos graves de “endinheiramento”
ilícito, para depois se ameaçar ou persuadir outros Estados, também
abertamente, a desistirem da sua faceta de independência do poder judicial
contra essas tão notórias falcatruas? Não é o Presidente Santos o pai de quem compra,
na vista de todos nós, avultados valores financeiros no exterior de um país que
se diz ter dificuldades por estar a sair da guerra, enquanto ao lado prolifera
a miséria dentro do país? Não é o Presidente Santos o Chefe do Executivo que
tem os únicos ministros do mundo que se exibem abertamente como empresários
dentro e fora do país, contra a lei da probidade que o próprio promoveu e
promulgou, para atirar área aos olhos da opinião pública?
Quando alguns jovens se
pronunciam sobre as minhas intervenções e atitude crítica (e de vários
activistas contra este sistema) como as de alguém que não teve sucesso na vida,
bem se vê que ideia “chico-espertista” é que está a ser, perigosamente,
incutida aos jovens sobre o que é ser bem-sucedido.
Erguer-me em ATA, não será
ainda um movimento cívico para tentar por em execução as ideias deixadas no
opúsculo “Angola: a terceira Alternativa”. É apenas a reafirmação do meu
engajamento individual, sem obstinações ou obsessões, para continuar a
contribuir para a superação do problema que vivemos, de forma pacífica;
partindo das experiências acumuladas como educador, advogado, consultor, antigo
governante e agente internacional e antigo político no activo (que neste
momento não sou, por vontade própria, para maior disponibilidade para este múnus
que me imponho). Para todos, FELIZ ANO NOVO. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”
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