Pois é, passadas quase duas décadas, a última
erupção foi em 1995, o “monstro sagrado” da ilha do Fogo despertou de novo.
Isto é, “…nho Vulcão trazê sê spanto!” (...o senhor vulcão trouxe-nos o seu
espanto) Como cantaram os versos da morna do falecido Enfermeiro Barreto, feita
para a memória da grande erupção vulcânica de 1951.
Os foguenses já respiram mais aliviados,
embora a situação dos desalojados ainda “corte o coração” pelas perdas
materiais sofridas e pela mudança brusca de uma vida organizada numa pequena
região, das mais férteis da ilha.
Infelizmente, houve danos materiais elevados
– tudo é relativo – mas para muitas pessoas da Chã da Caldeiras o desastre soou
como um quase “absoluto,” uma vez que perderam tudo o que ergueram para uma
vida. E de entre as gentes daquela ilha, era das mais abonadas em termos da
agricultura e da pastorícia uma vez que dadas as condições do solo, a natureza
é aí mais pródiga do que noutras regiões da ilha. Os moradores cultivam duas
vezes por ano, o que é quase milagre nestas ilhas secas. Têm gado e pasto
garantido o ano todo. Quem observa aquele torrão queimado e escalvado, nem
imagina que a agricultura e a pastorícia aí se dêem tão bem.
Interessante, volto a repetir, é que a gente
da Chã das Caldeiras, mesmo a mais pobre, e relativamente à das outras ilhas,
em igualdade de circunstâncias, não passa fome.
Creio não faltar à verdade, se disser que a
generalidade dessas pessoas não está habituada a depender, a pedir e a ter
privações demasiado básicas, por que agora estão a passar.
Daí que as autoridades não estejam a
encontrar um “padrão” para lidar com o comportamento, aparentemente de “pobres
e mal-agradecidos” daquela gente.
Trata-se de uma impaciência, não só gerada
pela impotência perante uma catástrofe natural, como também oriunda de um certo
padrão de vida, agora perdido.
Permanece até ao momento em que escrevo este
“post” algum isolamento da ilha do Fogo, não só internamente, com algumas
estradas queimadas, como também com o exterior.
A solidariedade internacional e nacional foi
amplamente manifestada. Pena foi e é que as autoridades não souberam ou então
não puderam (posso admitir) distribuir e acudir em tempo mais útil aos
desalojados e necessitados, com as ajudas recebidas. Digo isso, pois fortes
críticas se fizeram ouvir.
Outra coisa, já é tempo de nos esclarecermos,
de que em muitas matérias não somos auto-suficientes, nem de longe, nem de
perto. Não somos e mais do que nunca! Esta asserção é hoje global, mas para
nós, põe-se com imensa e particular acuidade.
Assim sendo, são sempre bem-vindas as
colaborações, as cooperações de fora das ilhas e sobretudo, de países amigos em
circunstâncias adversas …
Enfim, de qualquer forma, graças devem ser
dadas, pois não houve perdas humanas a lamentar.
A propósito da situação por que passa a ilha
do Fogo, recebi – nos inícios deste mês – de uns amigos, um casal de
profissionais da área vulcanológica, que cá estiveram connosco no Verão
passado, uma mensagem que é também uma “memória” (agora já é) que conservaram
dos lugares da Chã das Caldeiras por onde andaram. Por se tratar de um trecho
interessante, pedi-lhes autorização para aqui transcrever a bonita descrição
que fazem do que foi Portela e arredores: “Como devem imaginar todos os dias
pensamos em vocês à medida que vamos acompanhando as noticias que nos chegam
quase que hora a hora. Lembramo-nos logo das histórias que a Ondina nos contou
de antigos episódios (51 e 95) como o que agora se repete em que a ameaça
Mosteiros veio novamente a fazer-se sentir.
Como as noticias foram sendo muitas íamos
"vigiando" o que se passava – alguns dos nossos amigos estiveram
presentes nas equipas de acompanhamento da erupção.
Foi com tristeza, mas não com surpresa, que
vimos a Portela ser engolida logo seguida da Bangaeira.
O museu que vimos em fase adiantada de
construção, o hotel onde comemos um peixe delicioso, a cooperativa onde
comprámos vinho e até a tasca do Montrond onde comprámos também o vinho doce
que eles faziam, as igrejas – uma em frente da outra – e todas aquelas casas da
povoação – tudo isso pagou o seu tributo à natureza.
Vá lá que não houve outros prejuízos para
além dos económicos – o vulcão acabou por ser gentil – avisou e deu o alerta e
foi manso na hora do maior aperto.” Fim de transcrição.
Para findar o escrito, expresso ao leitor, os
votos de um novo ano melhor, com tranquilidade, paz e harmonia. Ondina Ferreira – Cabo Verde in “Coral Vermelho”
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