Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Mongólia – Resposta rápida à pandemia resultou num sucesso

A sociedade mongol submeteu-se a duras restrições pelo coronavírus, incluindo a celebração de um de seus festivais mais importantes, o Naadam Festival, que não teve quase nenhum público

Conhecida como um dos últimos países de cultura nómada no mundo (pelo menos fora da capital) e por estar localizada entre dois gigantes, a Mongólia ganha agora destaque pela sua bem sucedida estratégia contra o coronavírus

O país ostenta um feito extraordinário: desde o início da pandemia, não registou nenhum caso de transmissão local de COVID-19 e nenhuma morte atribuída ao novo coronavírus. Zero!

E tudo isso mesmo levando-se em conta que o país tem algumas características que, em teoria, o colocariam em posição vulnerável.

A Mongólia faz fronteira com a China, onde se identificou pela primeira vez o vírus que tem mexido com todo o planeta. E tem estreitos laços com a Coreia do Sul, que experimentou um dos primeiros surtos, depois de Wuhan, e onde existe uma população relativamente grande de trabalhadores mongóis.

Mas a pequena Mongólia, de 3,2 milhões de habitantes, agiu rápido, de forma contundente e holística, com uma estratégia elogiada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas que até agora, não recebeu grande atenção internacional.

O vizinho do sul

Recorda a BBC: Em Janeiro de 2020 e, quando todo o mundo ainda prestava atenção aos festejos do novo ano, as más notícias começam a ser confirmadas na China.

A 7 de Janeiro Pequim confirma a existência de um patógeno da mesma família do causador da SARS, que preocupou especialmente a Ásia e 13 dias depois as autoridades chinesas confirmam que o novo coronavírus, pode ser transmitido entre seres humanos. Na época, havia apenas quatro mortes confirmadas no país e cerca de 200 casos registados.

As notícias do país vizinho ao sul chegam a Ulan Bator, capital mongol, que age rápido. Fecham as escolas a 24 de Janeiro, restringem entradas da China a partir de 31 de Janeiro e, logo a seguir fecham fronteiras e suspendem todas as viagens aéreas, ferroviárias ou rodoviárias internacionais.

Em 27 de Janeiro, o presidente mongol Khaltmaagiin Battulga visita a China, sendo recebido por Xi Jinping. Não se conhece sobre que falaram, para além da agenda oficial, mas o certo é que chegado a Ulan Bator, Battulga e toda a comitiva entraram em quarentena dando o mote das restrições para a população.

Logo a seguir, outra medida controversa e sem precedentes: a 12 de Fevereiro, foram canceladas todas as celebrações do “Tsagaan Sar”, o Ano Novo lunar mongol, incluindo as tradicionais visitas familiares.

“Como resultado desses primeiros passos, o país conseguiu ganhar um tempo valioso para fortalecer a sua preparação”, disse o gabinete regional da OMS na Mongólia à BBC.

As razões, para a OMS, são claras: medidas precoces e firmes, mas também um sistema de rastreamento de casos para detectar contágios o mais rápido possível, localizar contatos e interromper a transmissão com a participação da população.

Lições da SARS

Nesta pandemia, a Mongólia testou um sistema que está em construção há uma década, desde a eclosão da SARS, e também do vírus da influenza a (H1N1), que se tornou uma pandemia em 2009.

Entre os destaques da resposta da Mongólia está um sistema de vigilância multissectorial, que detecta qualquer incidente e emite alertas para as agências de saúde e outras áreas, como a imprensa, numa abordagem “que abarca toda a sociedade”, segundo a OMS.

“As autoridades abriram linhas de comunicação directa e expandiram as suas acções contra a COVID-19 num estágio inicial do surto”, salientam, com sessões de informações conjuntas entre o governo e a OMS transmitidas por diferentes canais e redes sociais.

E a população ouviu.

“Graças à acção do sistema de saúde da Mongólia, tanto o governo quanto a população ficaram muito preocupados com o vírus e as pessoas seguiram todas as recomendações”, disse à BBC Baljmaa T., jornalista de Ulan Bator.

Casos importados

O uso de máscaras – uma prática à qual, como grande parte da população asiática, os mongóis estão acostumados – também foi salientado por especialistas do país.

Desde Janeiro, o governo exigiu o uso de máscaras nos espaços públicos e para trabalhadores, funcionários de bancos, lojas ou mercados, sob o risco de multas de 54 dólares.

Equipes de saúde e líderes comunitários insistiram na importância dessa prática, assim como da lavagem das mãos, disse o oncologista Gendengarjaa Baigalimaa, que trabalha num hospital da capital num artigo para a Universidade de Stanford, publicado em Maio.

“Essas medidas ajudaram imensamente a conter a disseminação da COVID-19 e significaram uma redução drástica no número de casos de gripe (…). E outro benefício inesperado foi a queda de infecções gastrointestinais entre menores: as crianças estavam em casa e lavando as mãos da maneira ideal “, explicou.

No início de Março, o primeiro caso “importado” foi detectado no país: um cidadão francês que viajou para o país desde a Rússia e foi tratado com sucesso. Desde então, e até 14 de Julho, registaram-se 243 casos, todos importados, dos quais 204 recuperaram.

A OMS reconhece que há sempre a possibilidade de haver casos que não sejam detectados, mas a entidade afirma que as fontes disponíveis sugerem que não há evidências de transmissão local pela comunidade.

Num país como a Mongólia, que tem a menor densidade populacional do mundo (2 habitantes por km2), pode-se pensar que trata-se de uma tarefa fácil.

Mas a situação é mais complexa. Cerca de 40% de população total (mais de 1,5 milhão) está concentrada na capital, uma cidade dramaticamente poluída que tem ligações directas e diárias com a China e outros países da região – é preciso apenas um voo de duas horas para se chegar a Pequim e menos de quatro horas a Seul.

As consequências das medidas

Apesar do sucesso contra a covid-19, a estratégia da Mongólia não foi bem recebida por todos. Ao fechar rapidamente as suas portas para o exterior, o país também bloqueou a entrada aos seus próprios cidadãos, colocando milhares numa situação muito difícil no meio da pandemia.

“Há críticas duras contra o governo pelo repatriamento lento dos seus cidadãos no exterior, pois muitas pessoas estão presas fora do país desde Fevereiro”, explica Baljmaa.T.

As autoridades lançaram um sistema de repatriação por meio da companhia aérea estatal MIAT, com um duro período de quarentena após a chegada: 21 dias em instalações administradas pelo governo e 14 dias em casa depois disso.

Desde Fevereiro quase 13 mil pessoas foram repatriadas, mas estima-se que outras 10 mil ainda estão à espera de regressar.

Dentro do país, acrescenta o jornalista, também crescem as críticas ao duro impacto que as medidas de restrição tiveram na vida quotidiana da sociedade – desde a limitação no horário de funcionamento de restaurantes ou bares e o fecho de museus, cinemas, à proibição de que as crianças estejam em locais públicos, o que ainda continua em vigor, apesar dos bons resultados.

“A proibição de reuniões significou um declínio acentuado da actividade económica, especialmente para pequenas empresas”, disse Saranzaya Gerelt-Od, investigadora da Fundação Ásia na Mongólia, no podcast da InAsia.

“Entre Janeiro e Março, as pessoas ficaram muito assustadas porque a China está muito próxima”, disse o gabinete da fundação em Ulan Bator, destacando a difícil situação vivida pelos empresários do país, especialmente as mulheres.

A essa atmosfera somou-se a recente campanha para as eleições parlamentares de 24 de Junho, nas quais o social-democrata e herdeiro do ex-Partido Comunista, Partido Popular da Mongólia (PPM), revalidou sua maioria (obteve 62 dos 76 deputados) como que confirmando que a maioria mongol concordou com o modo como o Governo geriu a crise pandémica.

Foi uma campanha atípica, apesar do interesse generalizado. Aos 76 lugares do Parlamento (“State Great Khural” em inglês) concorreram 13 partidos políticos e 137 independentes) que foram a votos em 24 de Junho na que é a única democracia de tipo ocidental da região – Presidente e Primeiro-Ministro são de partidos diferentes.

A aceitação das restrições anti-epidémicas foi visível quer nas críticas das redes sociais a alguns actos de campanha sem distanciamento social, quer nas máscaras e cumprimento de distanciamento nas mesas eleitorais.

Entre 11 e 15 de Julho, outro grande feriado nacional, o Festival Naadam, decorreu com severas restrições. Os chamados “três jogos do homem”, que rememoram o império de Genghis Khan e comemoram o dia em que a Mongólia se levantou como país livre e independente, terminaram no dia 15 de Julho (quase) sem público.

Um grupo de pessoas privilegiadas – entre elas, políticos – conseguiu assistir às competições de arco e flecha, às perigosas corridas de cavalos protagonizadas por menores ou à luta de pesos pesados, que geralmente atraem pessoas de todas as idades e de todas as partes do país e do estrangeiro.

As cenas dessa competição colorida lembram o passado imperial mongol e é a esta fase da história que alguns regressam para explicar a vitória mongol contra o coronavírus até o momento.

“Fizemos agora como nos dias de Genghis Khan. As mensagens do governo de Ulan Bator chegaram rapidamente aos nómadas das Províncias mais remotas”, disse Chinburen Jigjidsuren, assessor especialista em questões de saúde do primeiro-ministro.

“O exército de Genghis Khan era muito disciplinado. E essa disciplina chegou até nós”, defendeu. “Então, quando o governo dá a ordens de usar máscaras ou ficar em casa, as pessoas obedecem.” In “Jornal Tribuna de Macau” – Macau com “Agências Internacionais”

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