Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Macau – Vive-se numa “bolha de segurança”

Há 100 dias consecutivos que não se registam novos casos locais de infecção pelo novo coronavírus na RAEM. A Tribuna de Macau ouviu três médicos, que defendem ser necessário continuar a ter cautela e seguir as medidas impostas pelas autoridades, pois o risco de aparecerem novos casos “nunca é zero”. Por outro lado, dizem também ser imprescindível pensar na economia

Macau completou anteontem 100 dias consecutivos sem novos casos de locais de contágio do novo coronavírus. Ouvido pelo Jornal Tribuna de Macau, o presidente da Associação dos Médicos de Língua Portuguesa de Macau, José Manuel Esteves, considera que “estamos numa bolha de segurança em território da RAEM”, mas defende que o risco de aparecerem novos casos “nunca é zero”. Por isso, há que seguir as instruções dos Serviços de Saúde. Já os médicos Rui Furtado e Fernando Gomes referem, além da necessidade de zelar pela saúde pública, outro factor: a economia e a necessidade de começar a abrir fronteiras, até porque Macau “vive do turismo”.

Foram 46 os casos registados no território, mas, na verdade, apenas dois estiveram relacionados com os restantes 44 importados. José Manuel Esteves aponta que, “apesar de não haver casos locais, há pessoas que estão a entrar e sair do território permanentemente, portanto, as hipóteses nunca são nulas”. Sublinhando que a maioria passa pela quarentena – “uma medida que protege a população da entrada de casos que possam provocar uma disseminação no território” -, o médico defende que “é sempre necessário tomar as medidas aconselhadas pelas autoridades de saúde, como medida de garantia”.

“Macau é um território com alta densidade populacional e um surto com disseminação activa na comunidade é um alto risco para esta população. Há um princípio de prudência que é seguido pelas autoridades nas recomendações que fazem. Parece-me louvável haver esta prudência para garantir que dentro do território conseguimos fazer uma vida bastante próxima do normal”, afirmou.

Já Rui Furtado diz que “temos de estar sempre numa posição defensiva, nada de abrandar”. Mas, o médico adverte que em Macau “já não podemos falar de pandemias e epidemias”. “De facto, já houve essa situação, mas neste momento há casos, em Hong Kong há casos, na China há casos. Na América e no Brasil, aí, continuamos a falar em pandemia”. Apesar disso, “devemos ter cuidado e acho que os Serviços de Saúde estão a lidar muito bem com a situação”, referiu.

A prova disso, acrescentou, foi o último caso que apareceu no território: um residente proveniente das Filipinas, que chegou a Macau através do corredor marítimo especial e que foi diagnosticado à entrada. “Controlaram tudo logo à entrada, tanto o doente, como todas as pessoas que lidaram com ele, o que prova, portanto, que [as medidas são] efectivas”. Neste âmbito, há já 11 dias consecutivos que não há registo de casos importados.

Rui Furtado acredita que “o facto de não existirem novos casos, é um sucesso”, mas, advertiu que convém “estar atento e não facilitar”.

As negociações para aligeirar as fronteiras

José Manuel Esteves lembrou que as autoridades da RAEM estão, “numa base quase diária”, a negociar com outras regiões o alívio das restrições nas fronteiras, por forma a “criar-se uma espécie de bolha de segurança entre territórios que são de baixo risco”. “É o que está a acontecer agora com o alargamento progressivo das regras de saída com isenção de medidas de quarentena dentro da zona da Grande Baía”, observou.

Recorde-se que desde o início da semana, os residentes dispensados de quarentena em Zhuhai podem circular também por outras oito cidades da Grande Baía: Cantão, Shenzhen, Foshan, Huizhou, Dongguan, Zhongshan, Jiangmen e Zhaoqing.

“Temos de esperar calmamente que haja uma melhoria progressiva deste relaxar das medidas de controlo fronteiriço e das medidas de quarentena nas saídas e entradas para zonas seguras, porque isto é do interesse de toda a população. Segundo o princípio da prudência, as autoridades estão a negociar com as autoridades da China Continental e de Hong Kong, que se possa circular com segurança quando haja as condições necessárias e suficientes”, apontou.

O médico fez depois uma comparação com a Europa. “Há ainda um risco muito grande”, observou, lembrando que Portugal foi excluído do corredor criado pelo Reino Unido. Frisando que se está a assistir a um “surto em progressão” em território português, não só na Grande Lisboa, até porque as pessoas vão circulando, José Manuel Esteves adverte: “Se transpusermos estes riscos para um território pequeno e de alta densidade é um risco que as autoridades não querem correr e acho muito bem. Penso que nenhum de nós quer correr esse risco”.

Neste sentido, crê que “a prudência” com que a situação é gerida em Macau dá muito mais uma “sensação de tranquilidade”: “Aqui tem havido uma linha coerente. Quando olhamos para Portugal, as indicações das autoridades têm sido em ziguezague, portanto não há comparação possível entre o grau de segurança que temos no território de Macau e aquilo que se passa a nível dos países europeus”.

Na mesma linha, o médico Fernando Gomes sublinha que em Macau “todos os dias vamos à rua, por isso estamos bem descansados”, porém, “é uma cidade permeável turisticamente e toda a conjuntura de abertura de Macau tem sempre a ver com a zona circundante”. Considerando que o passo dado esta semana é o primeiro, para depois se seguirem outras medidas mais brandas, notou ainda que a conjuntura da saúde pública é “interdependente”.

Saúde pública vs Economia

O médico Rui Furtado, por sua vez, considera que as autoridades “têm de jogar com duas coisas: com a situação da saúde pública e da economia, porque Macau não vai aguentar muito mais tempo esta situação”.

E explica: “As pessoas neste momento já não têm subsídios do Governo, têm de se limitar aos seus ordenados e à situação de ‘lay-off’ em que a maioria se encontra. A economia de Macau não se aguenta com isto e as pessoas também não”. Rui Furtado lembrou que “Macau vive do turismo, portanto, só há uma coisa a fazer: é abrir as fronteiras”, mas “eles é que sabem como hão de abrir”.

Neste sentido, Fernando Gomes diz que seria “agradável” como segundo passo a flexibilização das medidas nas fronteiras, nomeadamente com outras regiões que “mais turisticamente nos visitam”, como Taiwan ou Coreia do Sul. “Temos também de ter em atenção o funcionamento da economia, porque sabemos que estamos numa situação de grande aperto em termos de finanças públicas e do próprio dinamismo económico da cidade”, apontou.

Mas considera que há entraves: por um lado, a Coreia do Sul, “ora está bem, ora está mal” em termos do número de casos de infecção, por outro, Taiwan parece estar a “auto-isolar-se” e a própria permissão de viagem “parece ainda bastante controlada”. Ainda assim, diz que “é necessário não deitar fora tudo aquilo que foi feito ao longo destes últimos seis meses”. Catarina Pereira – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”

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