Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Ronaldo Werneck e o rio de Minas

I

Tantos anos depois do desaparecimento de Rosário Fusco (1910-1977), romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e crítico literário reconhecido pela crítica como o menino-prodígio do Modernismo brasileiro, um verdadeiro precursor do supra-realismo literário, Cataguases, pequena cidade da Zona da Mata de Minas Gerais, nascida em 1877 à época da “febre” pela busca de diamantes (afinal, nunca encontrados), continua a exibir seus talentos literários. Os mais notórios hoje são os romancistas e contistas Luiz Ruffato, Ronaldo Cagiano, ambos da safra de 1961, e Eltânia André.

Sem esquecer de Joaquim Branco (1940), que lançou, no ano passado, Pequena história da fundação de Cataguases. Ou de Guilhermino César (1908-1993), que igualmente exaltou e evocou a mítica Cataguases. Ao lado de outros expoentes do Movimento Verde, como Ascânio Lopes (1906-1929) e Francisco Ignácio Peixoto (1909-1986), que, com Guilhermino César e tantos outros, editaram a Revista Verde (1927-1929), publicação que teve colaboradores da estirpe de Mário de Andrade (1893-1945), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Aníbal Machado (1894-1964), Antônio de Alcântara Machado (1901-1935), Sérgio Milliet (1898-1966) e Ribeiro Couto (1898-1963), entre outros.

Da geração de Joaquim Branco, Ronaldo Werneck (1943) é outro literato que continua em plena atividade, como provam seus últimos lançamentos: O mar de outrora & poemas de agora (2014) e Cataminas pomba & outros rios (2012), livros de poemas entremeados por muitas fotos captadas pelo próprio autor e por sua esposa, Patrícia Barbosa, e outras de arquivo.


                                               II
Poeta de textos rápidos, instantâneos, fragmentários e, às vezes, simultâneos, Werneck é, no dizer do poeta, ensaísta, dramaturgo e romancista W. J. Solha, autor do prefácio de O mar de outrora & poemas de agora, dono de um trabalho virtuosístico em cima da palavra. Solha cita como exemplo o poema “Fogalegre” em que Werneck brinca com o nome de Audrey Hepburn – happy, rap, help, burn –, tal como Shakespeare (1564-1616), 400 anos antes, pusera a sua assinatura em Antonio e Cleópatra, ao dizer que alguém, como um animal, shakes his ears.

Mais: compara-o, sem recorrer a hipérboles, a Guimarães Rosa (1908-1967), Millor Fernandes (1923-2012), James Joyce (1882-1941) e Ezra Pound (1885-1972). De fato, Werneck, depois de deglutir toda a experiência poética do século 20, é hoje um dos poucos poetas brasileiros capazes de recorrer a todas as formas possíveis de fazer versos para expressar o seu testemunho de um mundo desgovernado, pois a vida é breve/ tome lépido o leme e engrene/ torne-a leve/ não deixe que ela se apequene, como diz no poema “Lemeleve”. É o que se pode ver também em “23.10.13”, poema em que diz: hoje tenho setenta/ e de novo e sempre/ a vida me inventa/ aos setenta e a cada dia – vírus que me adentra – tomado sou pela poesia.

Como se percebe, o livro constitui o resultado do deslumbramento do poeta pela vida e um balanço de seus setenta anos, a partir da infância em Cataguases, a atração pelo mar tão distante, a vida errante pelo Rio de Janeiro, Bahia e as viagens pelo mundo: Paris, Nova York e Barcelona, até o retorno a Cataguases na idade madura.


                                                III
Cataguases é também homenageada em Cataminas pomba & outros rios, com o poeta recuperando na memória pedaços de sua infância, figuras marcantes de Cataguases, tipos populares, os seus familiares, seus amigos, como observou Manuel das Neves (1914-1999) em prefácio que escreveu em 1977 para Pompa Poema, livro-gênese deste. Como resumo, bastam as palavras deste poema:

(...) nada vale com algemas
pois a palavra é poesia
                                   e a poesia morreu
são cibernéticos os contatos
dos homens com os homens
            e dos homens com as coisas
mas nos lados de santa rita
lá entre djaniras lá
entre faculdades orfanatos lá
em meio ao paço centenário lá
entre marciers encobertos
lá entre andorinhas suspeitas lá
a sé velha
bate que bate
diz o vate guilhermino
homenino diz-que lá
a poesia chegará
aos verdes fordes gêmeos do ascânio
se transmutam
                        se debruçam
ainda como gerânios
e levam
upa!
o mesmo sonho na garupa
e trotam belos galgos fidalgos
amarelos burros bucólicos
burricos borrando o município (...)

Ninguém definiu tão bem a poesia de Werneck quanto o professor Fábio Lucas, igualmente de alma mineira, para quem só se pode entrar neste livro “como quem ingressa num sonho, puxado por um rio sem foz”. Para ele, Werneck sempre levou em suas lembranças Cataguases, ainda que tenha percorrido o mundo: “Onde quer que tenha estado poeta, corria no seu íntimo o rio de Minas”. Melhor definição, impossível.


                                               IV
Nascido em Cataguases, Ronaldo Werneck morou por mais de 30 anos no Rio de Janeiro, mas voltou a viver em sua cidade natal ao final do século passado. Jornalista e crítico, colaborou com jornais e revistas cariocas, como Jornal do Brasil, Pasquim, Diário de Notícias, Última Hora, Revista Vozes, Revista Poesia Sempre e Revista História, ambas da Biblioteca Nacional. Em 2013, organizou a edição especial sobre Cataguases para o Suplemento Literário Minas Gerais. Desde 1968, colabora com esse Suplemento, onde publicou poemas, resenhas e algumas críticas de cinema.

Poeta, tem mais seis livros publicados: Selva Selvaggia (1976), pomba poema (1977), minas em mim e o mar esse trem azul (1999), Ronaldo Werneck Revisita Selvaggia (2005), Noite Americana/Doris Day by Night (2006) e Minerar O Branco (2008). Lançou em 2009 o livro-ensaio Kiryrí Rendáua Toribóca Opé – humberto MAURO revisto POR ronaldo WERNECK e os livros de crônicas Há Controvérsias 1 (2009) e Há Controvérsias 2 (2011). Em 2001, gravou em show ao vivo o cd Dentro & Fora da Melodia/Que papo é esse, poeta?

Ensaísta, tradutor e crítico de literatura, cinema e artes plásticas, Werneck tem textos e artigos publicados em vários veículos da mídia. Desde os anos 1990, assina a coluna "Há Controvérsias", publicada em vários blogs e no jornal O Liberal, de Cabo Verde. Produtor Cultural, foi um dos realizadores dos dois Festivais Audiovisuais de Cataguases – Música e Poesia (1969/1970) e coordenador da exposição Os Mineiros do Pasquim, em 2008.

Videomaker, editou em 2009 dois filmes sobre a trajetória do cineasta Humberto Mauro, sOLdade e mauro move O mundo. Membro do Pen Clube do Brasil, é verbete da Enciclopédia da Literatura Brasileira, da Academia Brasileira de Letras, e do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Adelto Gonçalves – Brasil

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Cataminas pomba & outros rios - poemas, de Ronaldo Werneck. São Paulo: Dobra Editorial, 268 págs., 2012. Site: www.dobraeditorial.com.br

O mar de outrora & poemas de agora, de Ronaldo Werneck. Belo Horizonte: Anome Livros, 176 págs., 2014. Sites: www.anome.com.br www.ronaldowerneck.com.br
E-mail: roneck@ronaldowerneck.com.br

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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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