Em pleno Atlântico Sul, um
paredão rochoso demarca a fronteira leste do Brasil – é a Ilha da Trindade, um
paraíso de rica biodiversidade, sob vigilância da Marinha, que atrai cientistas
de todo o país e onde a vegetação se recupera após ter sido devastada por
cabras.
Situada a 1.167 quilômetros da
costa de Vitoria (ES) e com apenas 10 km2, a ilha – que forma um arquipélago
com a vizinha Martim Vaz - é considerada estratégica pela localização, entre os
litorais brasileiro e africano.
“Estar em Trindade representa
um grande trunfo para o Brasil, pois a ilha pode rapidamente se transformar em
um posto de apoio de ações militares”, explica à AFP o capitão-de-fragata Mauro
Medeiros Santos, 48 anos, há 29 na Marinha, ao se despedir do comando do Posto
Oceanográfico da Ilha da Trindade (Poit).
Saindo do Rio de Janeiro,
foram três dias de viagem a bordo do navio patrulha oceânico APA, da Marinha do
Brasil, até chegar à ilha.
O mar é a única via para
acessar este território isolado - helicópteros não têm autonomia para voar até
lá, onde tampouco há pistas para aviões.
Fator cabra
À primeira visita, o relevo
acidentado e rochoso de Trindade disfarça a vegetação, que já foi de florestas,
e hoje, predominantemente rasteira, se recupera do desmatamento provocado por
cabras e outros animais introduzidos pelo Homem há mais de 300 anos. “Aqui [as
cabras] foram introduzidas em 1700 pelo Edmond Halley, o mesmo do cometa
Halley. Foi nessa época que ele pegou as cabras de Santa Helena [n.r:
território britânico no Atlântico Sul onde Napoleão Bonaparte morreu no exílio,
em 1821], pôs num navio e largou em Trindade”, explica à AFP Anabele Stefânia
Gomes, 30 anos, doutoranda em botânica pela Universidade de Brasília (UnB).
“Era uma tradição das grandes
navegações deixar animais, como cabras e porcos, quando se chegava a uma ilha
remota como Trindade para as pessoas terem algo para comer”, completa Bruno
Santos Rabelo, 26 anos, também doutorando em botânica pela UnB. Sem predadores,
os animais se reproduziram descontroladamente e consumiram a vegetação,
afetando cursos d’água e a fauna, como as tartarugas marinhas, cujos ovos
também comiam.
Após expedição à ilha,
cientistas do Museu Nacional do Rio de Janeiro recomendaram a remoção das cerca
de 800 cabras, 600 ovelhas e outras centenas de porcos.
A operação começou em 1994 e
os animais foram abatidos a tiros devido à sua adaptação e capacidade de
ocultação na ilha. A última cabra foi eliminada em 2005. Dez anos depois,
Trindade se recupera.
“Na minha primeira missão, em
1994, encontrei a ilha devastada. [Hoje] acredito que a cobertura vegetal está
em franca regeneração. Temos acompanhado isso por terra e em imagens de
satélite. A água em alguns córregos aumentou.
Deixando a natureza seguir seu
curso, há resultados notórios mesmo sem nova intervenção", afirma à AFP o
doutor Ruy Valka Alves, professor do Departamento de Botânica do Museu
Nacional, que fez mais de 20 missões na ilha.
Rica biodiversidade
Trindade também é local de
reprodução de diferentes espécies de aves marinhas e é abundante em corais e
peixes, em crustáceos (entre eles o caranguejo-amarelo, ameaçado de extinção) e
abriga a segunda maior colônia de tartarugas-verdes do Atlântico Sul.
Tanta biodiversidade atrai
cientistas de todo o país. Desde que foi inaugurada, em 2011, a Estação
Científica da Ilha da Trindade (ECIT) recebeu cerca de 500 pesquisadores, que
permanecem ali entre três dias e dois meses, realizando estudos ambientais
selecionados pelo programa PROTRINDADE.
Desde 1982, o projeto Tamar de
preservação das tartarugas marinhas monitora as populações de tartarugas-verdes
nas praias de Trindade, que recebem anualmente 3.600 ninhos. A desova ocorre
entre dezembro e julho.
Na última temporada
reprodutiva (2014/2015), houve mais de 1.300 desovas e nasceram mais de 134 mil
filhotes.
O estudante de biologia Uriel
Rodrigues, de 27 anos, e a oceanógrafa Fernanda Alves, de 28, são voluntários
do Tamar e estão na ilha pela primeira vez.
“Amo conservação e sempre que
posso dedico um tempo a este trabalho. Escolhi as tartarugas porque são animais
impressionantes, de uma imponência e, ao mesmo tempo, uma fragilidade
incomuns”, diz Fernanda.
“Há algo de místico em ver uma
tartaruga, que é um animal pré-histórico, desovar”, completa Uriel, que
abandonou a carreira em marketing em São Paulo para se dedicar às tartarugas
marinhas. Trindade abriga, ainda, a única estação meteorológica do Brasil
instalada em uma ilha oceânica, que contribui para a previsão do tempo em todo
o mundo.
“Os dados da ilha da Trindade
são de grande importância para a meteorologia aeronáutica e a navegação
marítima”, explica à AFP o meteorologista Antonio Marcos Vianna, do Centro de
Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).
“Os dados são inseridos num
sistema de telecomunicações da Organização Meteorológica Mundial (OMM), o que
permite que cheguem, em tempo quase real, aos serviços meteorológicos oficiais
dos países-membros da OMM, onde são empregados na previsão do tempo”, continua.
Território disputado
Formada por erupções
vulcânicas há 3 milhões de anos, a ilha da Trindade está ligada ao território
continental brasileiro por uma cadeia de montanhas submersa. Inaugurado em
1957, o Poit assegura a presença permanente de cerca de 30 militares que
executam tarefas que permitem a vigilância e a manutenção das atividades e da
infraestrutura na ilha.
A cada dois meses, navios da
Marinha abastecem e levam novos militares e pesquisadores. Os militares ficam
ali entre dois e quatro meses, quando são substituídos.
Trindade foi descoberta em
1501 pelo navegador português João da Nova, mas o primeiro desembarque só teria
ocorrido em 1700, quando o astrônomo britânico Edmond Halley – que descobriu o
cometa Halley em 1705 - tentou apossar-se da ilha em nome da Inglaterra.
O ato foi refutado
diplomaticamente e a ilha passou a pertencer ao Brasil no final do século XIX. In “Swissinfo”
- Suíça
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