Navios
“zumbi” podem ser o primeiro sinal do colapso econômico global
“Um navio zumbi é aquele que mal consegue saldar as taxas de juros de
suas dívidas, mas que não nutre esperança alguma de liquidar o investimento do
capital”, diz executivo do Baltic Exchange
A indústria da navegação vem
enfrentando a pior crise de que se tem memória, à medida que os anos de rápida
expansão impulsionada por crédito barato coincidiu com a retração do mercado
chinês.
“Estamos agora em um estágio
em que as pessoas nem se lembram direito de outra época na qual as dificuldades
foram tão profundas, considerando como vivemos os anos 90, 80, 70 – e daí a
expressão ‘de que se tem memória’”, disse o Chefe Executivo de Relações
Comerciais do Báltico em Londres, Jeremy Penn, ao jornal britânico The
Telegraph.
O Baltic Exchange é
responsável por estabelecer fretes marítimos há mais de dois séculos e meio, e
os membros do comitê concordam em que a situação atual é de fato grave. “Os
armadores chegaram a um ponto em que talvez precisem encarar a dura decisão de
simplesmente lançar as âncoras ao mar e esperar a tempestade passar”
acrescentou Penn.
O artigo do The Telegraph,
assinado por John Ficenec, relata que os temores acerca da economia global
culminaram há pouco com a queda do Índice do Báltico para Cargas Secas em mais
de 20% no último ano, atingindo 369 – o mais baixo desde o início do registro
oficial, em 1985. O Baltic Dry, extraído do intercâmbio comercial, é um
indicador do custo dos embarques de cargas secas a granel, como carvão, minério
de ferro, grãos e produtos acabados, como o aço, porém funciona também como um
indicador econômico, por sua relação direta com as tendências mercadológicas
das grandes fortunas.
O principal problema reportado
pelo artigo tem sido a retração da economia chinesa: o maior consumidor de
commodities mundiais, que vinha sendo a força motriz da indústria de
transportes marítimos nas últimas duas décadas.
Contudo, boa parte da crise
foi causada pelo próprio mercado, diz o artigo. A indústria da navegação passou
por um período de crescimento massivo, impulsionado pelo crédito barato e a
demanda frequente.
A
rápida expansão da frota marítima
De 2010 a 2013, a frota
mundial dobrou em tamanho. Simultaneamente, a China também chegou a dobrar a
sua capacidade de produção nos estaleiros, que receberam encomendas faraônicas
para novas embarcações, enquanto o mercado tentava controlar o fluxo de
commodities.
“O mercado de carga seca
cresceu perto da casa dos 10% por um período de anos a fio” lembrou o diretor
executivo da agência marítima londrina Braemar Shipping, James Kidwell, ao The
Telegraph. “E de repente, você está em um mercado que simplesmente murchou. Uma
mudança extremamente radical: se de repente há mais navios do que cargas,
obviamente os fretes vão enfraquecer — simples assim”.
Os impactos para o armador têm
sido drásticos. A tarifa média cobrada pelo maior navio Capesize — aqueles que
recebem esse nome por serem grandes demais para o Canal do Panamá, e são
obrigados a desviar por Cape Horn — caiu para cerca de US$ 2.700 por dia. “Um
número altamente contrastante com a média de 15 a 25 mil dólares cobrados
durante a febre de 2008”, de acordo com Penn.
Várias das rotas hoje são
percorridas com prejuízo, uma vez que o custo administrativo de um Capesize em
operação, que chega até 340 metros e equivale a quase quatro campos de futebol
alinhados, pode chegar a $7.500 dólares por dia.
Afundando
em dívidas
Em um mercado normal, a
decisão racional seria simplesmente retirar do mercado os navios que estejam
causando prejuízo à frota, porém este é simplesmente um mercado atípico. A
frota mundial de navegação está afundada em dívidas. Kidwell conta como os armadores
que financiaram suas frotas com 60% de empréstimos e 40% de capital já
enxergaram que seu patrimônio perdeu o valor.
Enquanto isso, os bancos que
aprovaram os financiamentos não estão dispostos a afrouxar as negociações, uma
vez que, para isso, precisariam reconhecer os próprios prejuízos também. A
única coisa que estão aceitando é que não conseguirão a amortização total dos
serviços da dívida, e serão forçados a esperar para ver se o armador vai
conseguir sobreviver até que o mercado se recupere. Em algum momento, poderão
vender o navio a preços melhores.
Navios
“zumbi” ganham os mares
“O que de fato está
prejudicando a navegação é a proliferação de uma frota zumbi, que vem aceitando
transportar mercadorias a fretes independentes, simplesmente para se agarrarem
ao mercado,” alerta Kidwell, que explica: “Um navio zumbi é aquele que mal
consegue saldar as taxas de juros de suas dívidas, mas que não nutre esperança
alguma de liquidar o investimento do capital”.
E a situação tende a piorar
drasticamente no que diz respeito aos empréstimos adquiridos pela indústria de
navegação, de acordo com o The Telegraph. Isso porque o cálculo do pagamento de
dívidas referentes aos empréstimos e taxas de juros depende do histórico do
valor residual do navio ao final da extensão do empréstimo. Kidwell ilustra,
por exemplo, que um navio Capesize de cinco anos de idade foi vendido a US$ 19
milhões nas últimas semanas, 40% abaixo do que seria considerado como uma
oferta típica por um navio dessa idade, que seria por volta de US$ 33 milhões,
e menos da metade do custo de um navio novo (US$48 milhões). O valor de base
dos navios também caiu drasticamente assim que a China injetou novas remessas
de aço no mercado mundial.
O colapso do preço de navios
de segunda mão promete deixar marcas profundas nas planilhas financeiras de
qualquer banco ou investidor que mantém empréstimos desse tipo. O Reino Unido,
por exemplo, pode não estar entre os principais armadores mundiais, mas há
bancos britânicos, como o RBS que detêm agora os direitos sobre empréstimos da
ordem de £ 8,3 bilhões (US$ 9,5 bilhões), assim como o Lloyds Bank, que também
fornece crédito para a indústria da navegação. Londres permanece a capital
mundial do agenciamento de navios, por meio de companhias como a Clarkson, que
configura no diretório das maiores empresas da bolsa londrina (FTSE 250), e
outras menores, como a Braemar Shipping.
Assim como Londres também
configura como referência mundial em seguros marítimos, com a Lloyd’s londrina,
que chegou a assegurar prêmios da ordem de £2,1 bilhões em 2014 (US$ 2,4
bilhões).
Para os agentes de cargas, no
entanto, o mercado não traz apenas más notícias, releva o artigo da publicação
britânica. A superdemanda do petróleo mundial acarretou em um dos mais
movimentados mercados de navios-tanque neste ano. Com a possibilidade da entrada
do Irã na batalha pelo mercado, acrescentando mais 41 petroleiros ao comércio
do combustível, é possível que as agências recuperem o caminho das comissões
lucrativas depois da suspensão, divulgada neste mês, do embargo americano ao
petróleo daquela região, que já durava 40 anos.
As perspectivas, no entanto,
permanecem ainda obscuras aos armadores.
O fato é que vai chegar um
momento em que os armadores terão que tirar do mercado os seus navios. “Será um
processo lento”, Penn adverte. “Antigamente, era possível tirar os navios de
atividade com facilidade, reduzindo assim os custos de drasticamente, porém
hoje, com toda a tecnologia e os aparatos eletrônicos dos navios, isso é muito
mais difícil”, observa Penn. Em sua visão, os navios de hoje me dia já não
podem ser estacionados como se fazia nas recessões do passado.
“Presumidamente, os armadores
e outros players do setor ainda devem nutrir esperanças de que o mercado se
recupere antes que eles entrem em total desespero”, disse Penn. E, no entanto,
ele conclui: “Porém, o que temos para o momento neste mercado é uma depressão
generalizada”. In “Guia Marítimo” - Brasil
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