I
Feita essencialmente de
imagens, a poesia de Lêdo Ivo (1924-2012) é, sobretudo, reflexiva. Como se o
poeta precisasse andar muito, fazendo o seu próprio caminho, a exemplo do que
sugere Antonio Machado (1875-1939), para poder refletir, “lavando com a água
mais pura a ferida da vida”. É o que mostra em Quero ser o que passa: a poesia de Lêdo Ivo (Rio de Janeiro, Contra
Capa Livraria; Maceió, Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2011), a professora
Luiza Nóbrega (1946), com certeza, o estudo mais aprofundado feito aqui até da
extensa obra do poeta alagoano.
Com título retirado da
própria obra poética de Lêdo Ivo, o livro é constituído por ensaios que se
foram formando a partir de 2002 com o retorno da autora à Literatura
Brasileira, depois de anos de dedicação ao estudo de poetas portugueses – de Luís
de Camões (1524-1580) a António Nobre (1867-1900) e à tríade da revista Orpheu, Fernando Pessoa (1888-1935),
Almada Negreiros (1893-1970) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) –, tarefa que
lhe exigira longa permanência em Portugal em três estágios de investigação.
No primeiro desses textos,
“O poeta caminhante”, Luiza Nóbrega diz que, a partir da leitura de Poesia Completa, de Lêdo Ivo,
especialmente dos poemas “A passagem” e “O caminho branco”, em versos que
evocam os de Antonio Machado, o poeta oferece “a chave para a compreensão em
seu nível mais profundo (onde sua poesia é filosófica) do sentido que motivou e
onde aportou sua caminhada”.
Para a ensaísta, a chave
está no adjetivo “branco”. Ela mesma indaga: “Por que o caminho por onde vai o
poeta é adjetivado com a cor em que todas as cores se reúnem e, ao reunir-se,
desaparecem?” Pois bem, como observa, responder a esta indagação foi o
propósito de seu primeiro ensaio e dos demais que compõem este volume.
II
Conhecedora profunda de Os Lusíadas, Luiza Nóbrega diz que, ao
estudar Camões, o seu fio condutor foi a cadência rítmica, à qual juntou-se a
trama semântica, mas na poesia de Lêdo Ivo “o primeiro fio foi uma presença por
trás dos versos: a do caminhante”. Ou
seja: “um poeta caminhante, nunca em repouso, sempre a passar, percorrendo
paisagens, nos oferta aparições, visões e reflexões sucedidas na caminhada”,
diz.
No ensaio “O caminhante
sibilino”, Luiza Nóbrega volta a ressaltar essa característica da poesia
produzida por Lêdo Ivo, comparando o poeta a outros caminhantes sibilinos, como
Rousseau, Beethoven, Garrett, Hesse, Schopenhauer, Heidegger, entre outros, que
igualmente usaram o passeio por um bosque como metáfora. A diferença é que Lêdo
Ivo, mesmo quando caminha por um bosque de outras latitudes, nunca esquece a
sua pátria tropical, como se vê nestes versos de “Soneto à Pátria” escolhidos
pela ensaísta:
(...)
Caminhando na neve nesta noite estrangeira,
entre as
sílabas negras dos frígidos pinheiros,
murmuro
ao vento o teu nome desmantelado.
Ó pátria
desamada, ó rameira insultada,
quanto
mais longe estás, teu espinho distante
mais dói
na minha mão inútil e gelada.
De fato, como diz Gilberto
Araújo, doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e pesquisador da Academia Brasileira de Letras, no texto de
apresentação deste livro, “a poesia do escritor alagoano possui nítida inclinação
metafísica, rastreando balizas para a identidade fugidia, em permanente
sondagem existencial dos mistérios humanos e cósmicos”.
III
Lêdo Ivo |
Em Portugal, Lêdo Ivo
tornou-se mais conhecido a partir da publicação em 2012, ano de sua morte, de sua
Antologia Poética (Porto, Edições
Afrontamento), com seleção e prefácio do poeta Albano Martins. Ao resenhar sua Antologia Poética para o Jornal de Letras, de Lisboa, de 5-18 de
setembro de 2012, o escritor Valter Hugo Mãe escreveu que Lêdo Ivo completava
com Manoel de Barros, Ferreira Gullar e Adélia Prado a “cúpula superior viva da
poesia brasileira de hoje”.
Há algum tempo, este
articulista escreveu resenha em que pedia à comunidade intelectual lusófona que
se esforçasse para indicar o nome de Lêdo Ivo à Academia Sueca, para fazer
companhia a José Saramago (1922-2010), Prêmio Nobel de Literatura de 1988, o
único escritor de Língua Portuguesa a receber o galardão até hoje. Daqueles
quatro selecionados por Valter Hugo Mãe, só restam vivos Ferreira Gullar (1930)
e Adélia Prado (1935). Como Lêdo Ivo e Manoel de Barros (1916-1914) já não
estão entre nós, tanto a Ferreira Gullar como a Adélia Prado cairia bem o
Prêmio Nobel. Se o Brasil não fosse uma pátria tão ingrata com seus filhos, teria
havido mais empenho de todos e Lêdo Ivo não teria encetado o seu “eterno
retorno” sem o Prêmio Nobel.
IV
Luiza Nóbrega |
Poeta, escritora e artista
plástica, Luiza Nóbrega, 69 anos, é professora de Literatura e coordenadora do
curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É
doutora em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(1995-1996) com a tese “A traça no pano - contradicção de Baco n´Os Lusíadas”, mestre em Literatura
Brasileira pela Universidade de Brasília (1982-1984) com a dissertação “Um
romance maldito: o triunfo de Lúcifer sobre o arcanjo no Bom-Crioulo de Adolfo Caminha” e graduada em Direito pela UFRN. Tem
ainda doutorado em Teoria Literária pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (1994). E fez pós-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa
(2007-2008).
Desenvolve atividades de
ensino, pesquisa e produção textual (poesia/ensaio/ficção), publicando ensaios
em periódicos acadêmicos nacionais e internacionais. Como artista plástica, realizou
diversas exposições no Brasil e no exterior. Pesquisadora do Centro de
Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra e do Instituto de Estudos
Portugueses da Universidade Nova de Lisboa, publicou também O canto molhado: metamorfose d' Os Lusíadas
(São Paulo, Editora Aqva, 2008); e No
reino da água o rei do vinho: submersão dionisíaca e transfiguração
trágico-lírica d' Os Lusíadas (Natal, EDUFRN, 2013), entre outros.
Durante o regime militar
(1964-1985), Luiza Nóbrega foi caçada por esbirros da ditadura e teve de viver
sob disfarce por oito anos, fugindo de uma condenação à revelia. Sua história
de vida, ao lado de outras semelhantes, faz parte de relatório preparado pela
Comissão da Verdade da UFRN, lançado em Natal, em outubro de 2015.
Segundo reportagem de Igor
Jácome, publicada em 19/10/2015 no Novo
Jornal, de Natal, Luiza tinha 22 anos, em 1968, quando passou a frequentar
as rodas dos resistentes ao governo militar na capital potiguar. Recém-formada
em Direito, cursava Sociologia e Política na Fundação José Augusto, onde funcionou
a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Natal e a Faculdade de
Jornalismo Eloy de Souza.
Tornou-se amiga de líderes
estudantis que pertenciam ao Partido Comunista Revolucionário (PCR), dissidência
do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Era conhecida como “pequena burguesa”,
já que seu avô materno era um latifundiário paraibano. Seu pai, José Nóbrega,
era engenheiro e abriu uma empresa construtora em Natal atraído pelo avanço
imobiliário da cidade. A família morava em Fortaleza. Luiza tinha seis anos de
idade, quando chegou a Natal.
Como conta Igor Jácome, à
época de jovem estudante, Luiza namorava Emanuel Bezerra, líder estudantil que
foi condenado pelo inquérito que apurou a invasão por estudantes do restaurante
da UFRN. Ao deixar a prisão em 1969, Emanuel passou a viver na clandestinidade.
Foi quando o casal se separou. Emanuel morreu em 1973, vítima de torturas nas
dependências do Doi-Codi, unidade do Exército, em São Paulo. Adelto Gonçalves - Brasil
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Quero
ser o que passa: a poesia de Lêdo Ivo, de Luiza Nóbrega.
Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria Ltda.; Maceió: Imprensa Oficial Graciliano
Ramos, 2011, 400 págs, R$ 39,00. E-mail: atendimento@contracapa.com.br Site:
www.contracapa.com.br
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Adelto
Gonçalves,
jornalista, é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e autor de
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003) e Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro,
Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012),
entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
O blogue Baía da Lusofonia associa-se ao
Prof. Adelto Gonçalves complementando o seu trabalho com a homenagem pública da
poeta e escritora Luiza Nóbrega. Aceda aqui. Baía da Lusofonia
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