Em novo livro
de ensaios, o poeta discute a linguagem poética e temas da atualidade
I
Depois de
lançar Bifurcações – memória, resistência e leitura
(Brasília, Baú do Autor, 2022), o poeta, jornalista e ensaísta Salomão Sousa
volta a contemplar seus leitores com outro livro de ensaios, Poesia e
alteridade (Brasília, edição do autor, 2024). Nesta obra, reúne dez
textos nos quais, entre outros temas, procura compreender a importância e o
alcance da poesia, exalta a produção dos poetas Anderson Braga Horta e
Alexandre Pilati, discute a recepção e o significado do romance Grande sertão:
veredas (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967), historifica a
trajetória dos principais integrantes da última geração de poetas goianos, da
qual é ilustre participante, analisa os romances O castelo
(1926), de Franz Kafka (1883-1924), e Sob os olhos do
Ocidente (1911), de Joseph Conrad (1857-1924), e, por fim, discute o
conceito de alteridade.
No primeiro
dos ensaios, “A compreensão da poesia”, a reflexão de Salomão Sousa aborda a
desestruturação política e a urgência de um novo olhar para a convivência humana,
ressaltando a importância da leitura para as novas gerações, cada vez mais
apegadas ao mundo digital, especialmente para a compreensão da poesia. “(...)
quanto menos lemos, menos possibilidade temos de entender e aproveitar o
encantamento encerrado numa obra litárária”, observa.
“Quanto
menos lê poesia, quanto menos a identifica nos textos, mais ignorante o
indivíduo se torna. Quanto mais transita sem se integrar à realidade, sem
aprendizagem de sua nominação e se nega a interagir com o diferente, mais o
ignorante (aquele que não sabe) aprofunda a incapacidade de decodificar um
texto”, acrescenta, ao constatar que o contato essencial com as manifestações
culturais tem ficado cada vez mais raro entre os jovens, “o que gera uma falta
de senso crítico e educação".
II
Já no terceiro
ensaio, “Quando a poesia goiana teve de dar combate aos “tumores” do “matadouro
do dia”, recupera uma trajetória, senão inédita, ao menos percuciente da última
geração de poetas estabelecidos em Goiás, especialmente a partir dos tempos que
se seguiram ao fatídico ano de 1964, quando os jovens deixavam as cidades
humildes do interior e partiam para a capital goiana em busca de melhoria de
vida, de acesso à escolarização e de alternativas de emprego, numa sociedade
marcada pelo autoritarismo de uma elite que sempre procurou manter “à força uma
parcela da população à margem da inclusão socioeconômica, distante da formação
(educação e cultura), para manipulação, ao seu bel-prazer, em favor de seus
interesses econômicos”.
Traça esse panorama
a partir da experiência de vida do poeta Luiz de Aquino, mas analisa também os
trajetos poéticos de Edival Lourenço, Delermando Vieira, Valdivino Brás,
Brasigóis Felício, Gabriel Nascente, Aidenor Alves, Lourdes Teodoro, Maria
Abadia Silva e dos saudosos Guido Heleno (1943-2017), Tagore Biram (1958-1998)
e Pio Vargas (1964-1991), todos, como ele, egressos de pequenas cidades
goianas, dominadas por “velhas oligarquias, que nunca se envolveram com a
aculturação, pois sempre estiveram satisfeitas em manter os trabalhadores
agregados (regime misto de escravidão e servidão) às suas propriedades, reféns
de uma herança escravocrata”. Segundo Salomão Sousa, esses poetas não chegaram a
Goiânia com projetos socializantes para quebrar essa rede de abandono, “mas
para afirmar o humanismo, para dizer que o homem estava destruído por uma
estrutura de poder”.
III
Outro
ensaio que prende a atenção é “A obra de João Guimarães Rosa tanto pode salvar
ou morrer um”, em que o autor, ao situar o contista como “um dos gênios da
Literatura”, comparando-o a Marcel
Proust (1871-1922) e Ítalo Calvino (1923-1985), recorda a sua atuação como
vice-cônsul em Hamburgo, na Alemanha, no período de 1938 a 1942, quando ele e
sua mulher, a diplomata Aracy de Carvalho (1908-2011), concederam
passaportes a judeus para que pudessem
ingressar no Brasil e escapar dos horrores do nazismo. No ensaio, lembra que,
se como servidor do governo de Getúlio Vargas (1882-1954), que flertava com os
regimes totalitários, Guimarães Rosa guardou para si sua crítica ao nazismo
alemão, iria usá-la de forma velada, mais tarde, no monólogo de Riobaldo que
consta de Grande sertão: veredas.
No último
ensaio, “A desconstrução pela alteridade”, o poeta-ensaísta ressalta que esse
conceito, o reconhecimento da individualidade e das especificidades do outro ou
de um outro grupo, significa agir com
empatia, respeito e tolerância. “É o caminho para que as pessoas resgatem o
respeito mútuo e a cidadania num mundo fragmentado", indica. E reverbera: “Precisamos
descer do pedestal. Não adianta ficarmos na sacada reclamando da praga que
cresce na calçada. Temos de descer para eliminá-la. A omissão é adesão à praga”.
Para o ensaísta, “sem alteridade, é indiferente a criança a estertorar de fome
na calçada”.
Como se vê,
o que o leitor vai encontrar nesta obra são ensaios que não só discutem
questões literárias, mas que também trazem considerações fundadas na
experiência do autor, em vez de elocubrações generalizantes ou abstratas que são
constatadas com frequência em textos de pseudoliteratos. Pois nestes textos o que se percebe é a revolta de alguém que, como
funcionário público lotado no Palácio do Planalto, contemplou com admiração, por
mais de 40 anos, as obras de arte e
objetos históricos que seriam vandalizados pelos inimigos da democracia no dia
8 de janeiro de 2023, em ataque golpista às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
E que se levanta contra essa barbárie que ainda ameaça o País.
IV
Nascido em
Silvânia-GO, Salomão Sousa (1952) é formado em Jornalismo pelo Centro
Universitário de Brasília (Ceub). Aposentado do poder executivo federal, vive
em Brasília desde 1971. Estreou em 1979 com A moenda dos dias,
que mereceu resenha na revista da Universidade de Harvard/EUA. É membro da
Academia de Letras do Brasil (ALB), da Associação Nacional de Escritores (ANE),
ambas de Brasília, da Academia de Letras, Artes e História de Silvânia-GO e da
Academia Mundial de Letras da Humanidade (AMLH), de Santo André-SP.
Em quase
meio século de trabalho literário, tem conquistado leitores tanto no Brasil
como no exterior, a exemplo de suas idas ao Peru, Chile e Equador, com
participação em uma antologia na Argentina e outra na Espanha. Também tem
admiradores na Cidade do México, onde participou de encontros com escritores
locais e estrangeiros e leu seus poemas.
Está na Antologia
da nova poesia brasileira (1992), organizada pela poeta Olga Savary
(1933-2020), e em A poesia goiana do século XX (1998), organizada por
Assis Brasil (1929-2021). Foi um dos 47 poetas incluídos no número que a
revista Anto, de Portugal, dedicou, em 1998, à literatura brasileira, em
comemoração dos 500 anos da descoberta do Brasil.
Organizou
antologias, entre as quais Deste Planalto Central – poetas de Brasília, publicação
da 1ª Bienal Internacional de Poesia da Biblioteca Nacional de Brasília (2008),
Em canto cerrado e Conto candango, com escritores de Brasília.
Obteve o Prêmio Capital Nacional do Ano de 1998 de Crítica Literária. A União
Brasileira dos Escritores (UBE), seção de Goiás, concedeu-lhe o Troféu Tiokô
como personalidade goiana que mais se destacou fora do Estado no biênio
2010-2011.
É autor
ainda de Falo (Brasília, Thesaurus Editora, 1986); Criação de lodo
(Brasília, edição do autor, 1993); Caderno de desapontamentos (Brasília,
edição do autor, 1994); Estoque de relâmpagos, Prêmio Brasília de
Produção Literária (Secretaria de Cultura do Distrito Federal, 2002); Ruínas
ao sol, Prêmio Goyaz de Poesia (São Paulo, 7Letras, 2006); Safra
quebrada (reunião de livros anteriores e de dois inéditos: Marimbondo (feliz) e Gleba
dos excluídos (Brasília, Fundo de Apoio à Cultura, 2007); Momento
crítico: textos críticos, crônicas e aforismos (Brasília, Thesaurus
Editora, 2008); Vagem de vidro
(Brasília, Thesaurus Editora, 2013); Desmanche I (Brasília, Baú
do Autor, 2018); Poética e andorinhas
(Brasília, Baú do Autor, 2018) e Descolagem (Goiânia, Editora Kelps,
2017), entre outros.
Neste ano de 2024, acaba de lançar também Certezas para as madressilvas (Brasília, edição do autor), que reúne seus últimos poemas, na maioria escritos à época do isolamento forçado pela última pandemia que assolou a Humanidade. Adelto Gonçalves - Brasil
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Poesia e alteridade, ensaios, de Salomão Sousa. Brasília, edição do autor, 144 páginas, R$ 50,00, 2024. E-mail: salomaosousa@yahoo.com.br
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a
voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003, São Paulo,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras,
2012), Direito e Justiça em terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp,
2015), Os vira-latas da madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra
Selvagem, 2015), e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na
capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. Escreveu
prefácio para o livro Kenneth Maxwell
on global trends (Londres, Robbin Laird, editor, 2024),
lançado na Inglaterra. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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