Camões continua vivo nos países lusófonos, onde é herói, mito e também símbolo de um imperialismo, mas reconhecido por quem o ama e odeia e presente nas estantes, nas mochilas escolares, nas letras de fados ou canções hip-hop
Os
escritores de língua portuguesa reconhecem o génio de Camões, do Minho a Timor,
embora o poeta não tenha o mesmo destaque em todos estes Estados, outrora
portugueses. “Camões é entendido como um grande poeta, um grande escritor e, ao
mesmo tempo, um aventureiro na vida e na própria literatura”, diz à Lusa o
escritor angolano Jorge Arrimar, um confesso admirador deste “poeta
intemporal”.
Arrimar
reconhece que a apresentação de Camões aos estudantes “nunca foi fácil”, mas
acredita que, 500 anos após o seu nascimento, o poeta maior continua a fazer o
seu percurso.
No
Brasil, Camões é leitura obrigatória e, para muitos, um primeiro contacto com a
literatura, segundo a escritora Fernanda Ribeiro, a primeira mulher a vencer o
Prémio de Revelação Literária UCCLA-CML, com o livro “Cantagalo”. “Camões é tão
entranhado na cultura brasileira, que tem músicas que as pessoas pensam que os
versos são de autores, músicos brasileiros, mas estão citando Camões”, disse,
exemplificando com o soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”.
Germano
Almeida, escritor cabo-verdiano vencedor do prémio com o nome do poeta, lamenta
que no seu país Camões não seja “sequer um autor conhecido”.
“Neste
momento, Camões não existe e é uma pena”, disse, classificando-o como “uma
figura importante, um grande poeta”. “É natural que, no princípio, Camões tenha
sido visto como um representante do imperialismo e nunca mais ninguém se
lembrou de ver que Camões é realmente importante para o cultivo da língua que
precisamos, de facto, de ter em Cabo Verde”, afirmou.
Germano
Almeida, que adorou Camões “desde a primeira hora”, diz que sabia “de cor” os
Lusíadas, cujas primeiras palavras faz questão de declamar: “As armas e os
Barões assinalados / Que da Ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes
navegados”.
Para
o escritor guineense Tony Tcheka, “uma coisa é o que os guineenses pensam e
sentem e outra coisa é o que o atual poder desenvolve como posicionamento e
como prática”.
Considerando
Camões como uma “figura grata, que tem de ser devidamente contextualizada e
transportada no tempo”, Tony Tcheka lamenta que este e outros poetas não tenham
“espaço na escola guineense, nem na vida política guineense”. “A língua
portuguesa é tão portuguesa, como é guineense, como é angolana e temos o dever
e a necessidade de a preservar, sem complexos. O próprio Amílcar Cabral sempre
foi claro nisso. Foi ele que a classificou como a grande herança”, observou.
Em
Moçambique, onde Camões viveu, o poeta “é um nome, um arquétipo, é quase uma
instituição que se respeita, mas está de alguma maneira nas nuvens”, afirmou o
poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim.
E
acrescenta: “Camões não é aquilo que ficou. O que ficou no imaginário, tanto em
Portugal como nos outros países, é o Camões construído pelo Estado Novo. O que
é preciso é ler ele mesmo e os contextos de grandes pensadores sobre Camões,
como Jorge de Sena”. “Quem está interessado em escrever na língua portuguesa, e
sem fantasmas identitários, lendo Camões percebe o que ali está de grande
universalidade”, afirma, emocionado, recordando que o primeiro registo da
palavra Moçambique aparece nos Lusíadas: “E por que tudo enfim vos notifique /
Chama-se a pequena ilha Moçambique”.
Em
Portugal, “Camões está presente”, mesmo quando não parece, como disse a
escritora Inês Barata Raposo, autora de vários romances infantojuvenis
premiados. “Muitas das expressões que nós utilizamos e muitas vezes ouvimos –
jogos de palavras, pequenos versos, coisas que ficaram na nossa língua – foram
herdadas de Camões e as pessoas muitas vezes não têm essa noção”, afirmou. Esta
presença estende-se ainda à música, com vários fados a musicarem as letras do
poeta.
A
autora não descarta a possibilidade de incluir nas suas obras uma personagem
inspirada em algumas das vozes imaginadas e cantadas por Camões, como o velho
do Restelo, que simboliza a resistência ao novo.
Para
a escritora são-tomense Olinda Beja, em São Tomé sempre existiu “muitíssimo
orgulho em falar corretamente a língua portuguesa. Os pais são-tomenses
proibiam os seus filhos de falar crioulo, que era considerada uma língua de
segunda, terceira ou quarta”.
“Os
jovens ouvem falar de Camões, mas não se dá a importância que se dava”, disse,
acrescentando: “Fala-se muito mais de uma Alda Espírito Santo, de uma Maria
Manuela Margarido, de um Francisco José Tenreiro, do que de um Luís Vaz de
Camões”. “A juventude está desmobilizada e o nosso país, de há uns anos a esta
parte, tem descurado muito a cultura. A palavra cultura está muito arredada dos
eventos”, lamentou.
Camões
pode não ter estado em Timor, mas Timor está na obra de Camões, nomeadamente no
canto X dos Lusíadas: “Ali também Timor, que o lenho manda / Sândalo,
salutífero e cheiroso…”, como recordou o escritor Luís Cardoso. “É impossível
falar da língua portuguesa sem falar de Camões”, disse o autor, lembrando que
esta foi “uma arma de combate da resistência durante a invasão indonésia”. “À
medida que em Timor vamos reconstruindo a língua portuguesa, desbaratada
durante a presença indonésia, podemos fazer com que os símbolos máximos desta
língua estejam presentes quando falamos da língua portuguesa”, disse.
Macau
é “um caso muito especial” no universo camoniano, como sublinhou o escritor
Jorge Arrimar que, nascido em Angola, é também um poeta de Macau. No território
existe a gruta de Camões, onde se diz que o poeta terminou os Lusíadas, um mito
que tem sido alimentado com romagens ao local e ao busto ali erigido.
Autor
“muito consumido na Escola Portuguesa em Macau”, Camões é sobretudo valorizado
pela comunidade macaense, de origem portuguesa, disse. In “Ponto
Final” - Macau
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