Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Camões é herói, mito ou símbolo imperialista a abater nos países que falam português

Camões continua vivo nos países lusófonos, onde é herói, mito e também símbolo de um imperialismo, mas reconhecido por quem o ama e odeia e presente nas estantes, nas mochilas escolares, nas letras de fados ou canções hip-hop


Os escritores de língua portuguesa reconhecem o génio de Camões, do Minho a Timor, embora o poeta não tenha o mesmo destaque em todos estes Estados, outrora portugueses. “Camões é entendido como um grande poeta, um grande escritor e, ao mesmo tempo, um aventureiro na vida e na própria literatura”, diz à Lusa o escritor angolano Jorge Arrimar, um confesso admirador deste “poeta intemporal”.

Arrimar reconhece que a apresentação de Camões aos estudantes “nunca foi fácil”, mas acredita que, 500 anos após o seu nascimento, o poeta maior continua a fazer o seu percurso.

No Brasil, Camões é leitura obrigatória e, para muitos, um primeiro contacto com a literatura, segundo a escritora Fernanda Ribeiro, a primeira mulher a vencer o Prémio de Revelação Literária UCCLA-CML, com o livro “Cantagalo”. “Camões é tão entranhado na cultura brasileira, que tem músicas que as pessoas pensam que os versos são de autores, músicos brasileiros, mas estão citando Camões”, disse, exemplificando com o soneto “Amor é fogo que arde sem se ver”.

Germano Almeida, escritor cabo-verdiano vencedor do prémio com o nome do poeta, lamenta que no seu país Camões não seja “sequer um autor conhecido”.

“Neste momento, Camões não existe e é uma pena”, disse, classificando-o como “uma figura importante, um grande poeta”. “É natural que, no princípio, Camões tenha sido visto como um representante do imperialismo e nunca mais ninguém se lembrou de ver que Camões é realmente importante para o cultivo da língua que precisamos, de facto, de ter em Cabo Verde”, afirmou.

Germano Almeida, que adorou Camões “desde a primeira hora”, diz que sabia “de cor” os Lusíadas, cujas primeiras palavras faz questão de declamar: “As armas e os Barões assinalados / Que da Ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados”.

Para o escritor guineense Tony Tcheka, “uma coisa é o que os guineenses pensam e sentem e outra coisa é o que o atual poder desenvolve como posicionamento e como prática”.

Considerando Camões como uma “figura grata, que tem de ser devidamente contextualizada e transportada no tempo”, Tony Tcheka lamenta que este e outros poetas não tenham “espaço na escola guineense, nem na vida política guineense”. “A língua portuguesa é tão portuguesa, como é guineense, como é angolana e temos o dever e a necessidade de a preservar, sem complexos. O próprio Amílcar Cabral sempre foi claro nisso. Foi ele que a classificou como a grande herança”, observou.

Em Moçambique, onde Camões viveu, o poeta “é um nome, um arquétipo, é quase uma instituição que se respeita, mas está de alguma maneira nas nuvens”, afirmou o poeta moçambicano Luís Carlos Patraquim.

E acrescenta: “Camões não é aquilo que ficou. O que ficou no imaginário, tanto em Portugal como nos outros países, é o Camões construído pelo Estado Novo. O que é preciso é ler ele mesmo e os contextos de grandes pensadores sobre Camões, como Jorge de Sena”. “Quem está interessado em escrever na língua portuguesa, e sem fantasmas identitários, lendo Camões percebe o que ali está de grande universalidade”, afirma, emocionado, recordando que o primeiro registo da palavra Moçambique aparece nos Lusíadas: “E por que tudo enfim vos notifique / Chama-se a pequena ilha Moçambique”.

Em Portugal, “Camões está presente”, mesmo quando não parece, como disse a escritora Inês Barata Raposo, autora de vários romances infantojuvenis premiados. “Muitas das expressões que nós utilizamos e muitas vezes ouvimos – jogos de palavras, pequenos versos, coisas que ficaram na nossa língua – foram herdadas de Camões e as pessoas muitas vezes não têm essa noção”, afirmou. Esta presença estende-se ainda à música, com vários fados a musicarem as letras do poeta.

A autora não descarta a possibilidade de incluir nas suas obras uma personagem inspirada em algumas das vozes imaginadas e cantadas por Camões, como o velho do Restelo, que simboliza a resistência ao novo.

Para a escritora são-tomense Olinda Beja, em São Tomé sempre existiu “muitíssimo orgulho em falar corretamente a língua portuguesa. Os pais são-tomenses proibiam os seus filhos de falar crioulo, que era considerada uma língua de segunda, terceira ou quarta”.

“Os jovens ouvem falar de Camões, mas não se dá a importância que se dava”, disse, acrescentando: “Fala-se muito mais de uma Alda Espírito Santo, de uma Maria Manuela Margarido, de um Francisco José Tenreiro, do que de um Luís Vaz de Camões”. “A juventude está desmobilizada e o nosso país, de há uns anos a esta parte, tem descurado muito a cultura. A palavra cultura está muito arredada dos eventos”, lamentou.

Camões pode não ter estado em Timor, mas Timor está na obra de Camões, nomeadamente no canto X dos Lusíadas: “Ali também Timor, que o lenho manda / Sândalo, salutífero e cheiroso…”, como recordou o escritor Luís Cardoso. “É impossível falar da língua portuguesa sem falar de Camões”, disse o autor, lembrando que esta foi “uma arma de combate da resistência durante a invasão indonésia”. “À medida que em Timor vamos reconstruindo a língua portuguesa, desbaratada durante a presença indonésia, podemos fazer com que os símbolos máximos desta língua estejam presentes quando falamos da língua portuguesa”, disse.

Macau é “um caso muito especial” no universo camoniano, como sublinhou o escritor Jorge Arrimar que, nascido em Angola, é também um poeta de Macau. No território existe a gruta de Camões, onde se diz que o poeta terminou os Lusíadas, um mito que tem sido alimentado com romagens ao local e ao busto ali erigido.

Autor “muito consumido na Escola Portuguesa em Macau”, Camões é sobretudo valorizado pela comunidade macaense, de origem portuguesa, disse. In “Ponto Final” - Macau


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