Correm
nos bastidores a crítica de que o governo Lula não consegue levar ao povo os
bons resultados de sua administração, justamente num mundo dominado pelos meios
de comunicação. É uma crítica para se levar a sério, pois a eleição de
Bolsonaro e seu índice de aprovação, durante os quatro anos de governo, se
deveu a uma explosão de redes sociais a ele favoráveis com altos níveis de
participação de seguidores ativos e mesmo fanatizados.
Bolsonaro
tinha um encontro diário com seus seguidores no chamado Cercadinho, já
desmontado, junto do Palácio do Alvorada, repercutido depois pela imprensa e
suas redes sociais. Como não era um presidente revolucionário ou inovador,
surpreende a constatação de que ali não fazia comunicações de medidas sociais
que favorecessem seus seguidores, mesmo porque durante seu governo sequer
reajustou o salário mínimo. Era uma conversa conservadora, utilizando uma
linguagem bem popular, às vezes mesmo chula. Ora, era isso, o fato de ser um
presidente que aceitava manter um bate-papo com simples admiradores, tudo sob
uma aura evangélica religiosa, que mantinha a popularidade de Bolsonaro, a
ponto de quase ter conseguido se reeleger.
Não
se pode também esquecer o papel das igrejas, congregações que nos seus cultos
bi ou tri-semanais, escolas dominicais e grupos de juventude, repisavam e
agradeciam nas orações a presença de um “ungido” na direção do país. Como as
religiões postergam para o futuro o bem-estar de seus fiéis destinados ao céu,
essa mistura bem-sucedida de uma espécie de política evangélica, era o
contraponto tranquilo e abençoado, às manifestações sociais pedindo
transformações que exigiam rupturas coloridas, feministas, salariais ou
climáticas, criando temores e apreensões nas pessoas conservadoras.
Essa
situação pouco mudou, durante o retorno de Lula ao governo, pode-se dizer que
estão num compasso de espera. Estão marcando passo, à espera do retorno ao
poder. As prévias e sondagens eleitorais mostram uma provável derrota do
governo na tentativa de conquistar as principais prefeituras do país. Até
agora, nenhuma sondagem dá vitória ao candidato da esquerda em São Paulo,
sinalizando uma possível vitória do atual prefeito e dos bolsonaristas,
enquanto o surgimento do candidato outsider Pablo Marçal mostra existir de
forma latente um eleitorado capaz de seguir um candidato de linguagem e gestos
extremados.
Essa
é uma introdução necessária na busca de uma possibilidade de o governo Lula
conseguir furar o bloqueio que lhe fazem a extrema direita e os
fundamentalistas evangélicos, repetindo uma situação semelhante existente nos
Estados Unidos. Entretanto, o surgimento, nos EUA, da candidatura de uma mulher
negra vinda da emigração poderá quebrar a máquina trumpista e isso, se ocorrer,
terá forte repercussão no Brasil. Será igualmente importante uma vitória de
Guilherme Boulos em São Paulo. Nada disso ocorrendo, Lula, se quiser ser
reeleito, precisará reformular sua política de contato com o povo e reavaliar o
uso das redes sociais e da Empresa Brasileira de Comunicação, que gere a TV
Brasil.
Estas
observações decorrem, em grande parte de uma entrevista do influencer
responsável pelo Portal do José e de seus comentários sobre o papel que ocupa
atualmente a TV Brasil e de sua falta de audiência, publicada numa reportagem
do jornal Estadão, retomada pelo grupo mediático de direita Antagonista. Como
alguns leitores poderão imaginar estarmos fazendo a apologia das tevês públicas
que fazem propaganda de seus governos, é bom ressaltar que isso ocorre só nas
ditaduras. Nem se trata de defender a privatização total das tevês, mas de se
imaginar como se obter mais audiência na concorrência com tantas redes sociais
convertidas em minis-tevês.
A
TV Brasil gasta 600 milhões de reais por ano (este ano são 800 milhões) mas não
tem audiência e nem metas a alcançar, comenta o influencer professor e
jurista José Fernandes Jr, entrevistado por Pedro Zambarda do Portal Folha
Democrata. A declaração foi a propósito do governo Lula não contar com uma boa
base mediática para debater e divulgar as iniciativas do seu governo e seus
ministérios.
Na
verdade, praticamente só o Canal 247 cuida disso, enquanto a oposição a Lula e
a extrema direita dispõe de centenas de redes sociais populares, uma grande
parte utilizando fake-news. Isso mostra não haver uma contrapartida para
se enfrentar o enxame de canais preocupados em manter vivo o bolsonarismo.
E
a totalidade desses canais é auto suficiente, mantida por seus criadores ou por
pequenos grupos, contando com a monetização paga pelo Youtube ou com
contribuições de seguidores permitidas nas chamadas comunidades.
Uma
das consequências da criação das redes sociais foi a da fragmentação e
personificação de lideranças, tanto entre os bolsonaristas e evangélicos como
entre as lideranças de esquerda. Embora pareça não haver ainda um estudo sobre
a consequência da monetização dos influencers, aqueles que conseguem
reunir um grupo importante de seguidores, centenas de milhares, passam a
receber uma participação nas publicidades veiculadas com seus vídeos,
equivalente a um salário.
Isso
lhes permite ter um canal próprio independente, no qual gozam de ampla
liberdade sendo seus próprios editores, ficando ao seu critério pertencer ou
não a um grupo de canais com ideias e objetivos semelhantes. Entre os
influenciadores de esquerda, uma grande parte prefere se individualizar e
guardar sua independência, livrando-se assim de críticas e da obrigação de
obedecer a códigos de partidos ou obrigações comuns. Alguns se sentem mais
fortes unidos em grupo para ter maior audiência como Opera Mundi, Forum,
Meteoro, Metrópoles e MyNews. Outros preferem manter seu ideal de esquerda, sem
abrir mão de sua individualidade - é o caso de Bob Fernandes, de Andrea
Gonçalves, do controvertido Paulo Ghiraldelli ou do Clayson, para citar só
alguns dos mais vistos entre canais de esquerda. (estes canais citados são apenas
alguns entre dezenas e centenas com menor número de seguidores)
Na
sua crítica à TV Brasil, que pertence à Empresa Brasileira de Comunicação, com
1700 funcionários e mais de 800 milhões de despesas, para um número
inexpressivo de telespectadores, o influencer do Portal do José oferece a
sugestão ao presidente Lula de frequentar e conceder entrevistas aos principais
canais e portais Youtube, com audiência mínima de meio milhão de visualizações
e isso sem nenhum custo. Esse contato direto com youtubers e seguidores
permitirá que as ações do governo cheguem ao povo e lhe garantam popularidade
com alto nível e sem as baixarias do Cercadinho.
A
título de comparação, as Tv francesas France 2 e France 3 assim como as suíças
TS1 e TS2 mostram boa audiência e cumprem seu papel informativo sem se tornarem
instrumentos de propaganda do governo. Isso valeria uma pesquisa, uma reflexão
e uma avaliação pelo governo e parlamentares. Rui Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador
do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas,
que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos
emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da
corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto
Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do
Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de
Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de
Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso
de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
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