Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 28 de julho de 2018

Portugal - Ruínas do Sanatório do Grandella estão à venda

Há quem lhes chame “palácio”, mas mais parecem uma espécie de fortaleza. As ruínas do Sanatório Albergaria, situado às portas de Lisboa, no Cabeço de Montachique, e mandado construir no início do século XX por Francisco Grandella – conhecido por ter construído os armazéns no Chiado – estão à venda. O dono, Inácio Roseiro, comprou-as há 12 anos, a meias com um amigo, mas só agora decidiram desfazer-se delas. A decisão foi tomada há pouco mais de dois meses e depois de resolvida uma “guerra” com a Câmara de Loures que durou uma década.

Quando Inácio Roseiro comprou o sanatório, cuja construção nunca chegou a ser terminada, tinha a intenção de ali fazer um lar de idosos. Acabou por mudar de ideias e pensou num centro de congressos. Só mais tarde surgiu o plano atual, que prevê a construção de um hotel. O projeto está feito, existe e respeita a traça e até a pedra do edifício desenhado em 1918 pelo arquiteto Rosendo Carvalheira. Só que o hotel nunca chegou a ver a luz do dia porque o Plano Diretor Municipal (PDM) não permitia a reconstrução. “Foi um período muito difícil”, confessa o proprietário, que comprou as ruínas na esperança de as poder recuperar. Entretanto, o PDM foi alterado e, desde há três anos, passou a ser possível reconstruir e adaptar o edifício para hotel ou outro tipo de negócio.

O problema, explica Inácio Roseiro, é que pelo meio passou uma década. “Tenho agora 72 anos e já não me sinto com forças para avançar com o projeto”, justifica. O imponente Sanatório Albergaria acabou, assim, e mais uma vez, sem ser construído. E com a venda anunciada de forma discreta através de um cartaz colocado na entrada principal das ruínas.

Nas últimas semanas, conta o proprietário, até têm chovido telefonemas. Mas todos de “curiosos”. Propostas concretas de negócio ainda não houve. As ruínas e o terreno à volta, com quase 17 mil metros quadrados, estão à venda por pouco mais de 800 mil euros. O mais difícil, acredita Inácio Roseiro, nem será encontrar quem possa pagar, mas sim quem se interesse por investir. “Não é qualquer investidor que tem interesse num edifício assim. Tem de ser um comprador muito específico, com uma visão especial sobre o lugar, as suas potencialidades e a história que encerra”, descreva. Até lá, as ruínas – que são o destino de muitas famílias nos típicos passeios de fim de semana – continuarão a ser “casa” de eventos. Inácio Roseiro tem emprestado o local para recriações históricas e outras iniciativas do género.

Uma estrela com sete pontas O Sanatório Albergaria – era este o nome que Francisco de Almeida Grandella pretendia dar ao hospital que idealizou – começou a ser construído em 1919, mas não chegou a ser acabado. Na altura, a tuberculose atingia proporções epidémicas em toda Europa e Portugal não era exceção, de tal maneira que o Estado acabou por investir, em meados da década de 1940, numa rede de 11 sanatórios públicos espalhados pelo país e geridos pelo INAT – o Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos.

Grandella, industrial, político e comerciante maçom – que inaugurou o conceito de venda por catálogo e criou, em 1891, a primeira grande superfície comercial em Portugal, os Armazéns Grandella, no Chiado – quis fundar um hospital nos arredores de Lisboa, numa zona desabitada: o Cabeço de Montachique, na fronteira entre Loures e Mafra. O “plano” foi congeminado no Restaurante Abadia, no Porto, onde se realizavam as secretíssimas reuniões do grupo maçónico, boémio e amigo de patuscadas “Os makavenkos”, fundado em 1884 por Grandella e outros contemporâneos de peso, como Miguel Bombarda. Rapidamente conseguiram um terreno de 3500 metros quadrados e o arquiteto Rosendo Carvalheira juntou-se à onda de solidariedade, oferecendo o projeto – imponente e assente numa grandiosa estrela de sete pontas, inspirada num dos graus da maçonaria e que representa o “mestre perfeito”. Além dos próprios contributos – os “Makavenkos” chegaram a ter cerca de uma centena de membros –, ainda decorreu a venda de rifas, a cinco cêntimos, para angariar dinheiro para que a obra se fizesse. Diz-se, aliás, que a verba obtida – “um tesouro” – estará enterrada sob as ruínas, dentro de um cofre.

O sanatório teria capacidade para 36 doentes e o projeto contemplava áreas de apoio, fornos crematórios, enfermarias de isolamento, grandiosos jardins. Havia ainda espaço para 14 moradias que serviriam para albergar doentes ricos. Rosendo Carvalheira foi a primeira baixa do grupo de mecenas e nem chegou a assistir ao lançamento da primeira pedra, em 1919. Faleceu antes disso. Entretanto, a zona de Montachique começou a ficar mais habitada, aumentando o risco de contágio, e começaram a aparecer outros sanatórios do género nos arredores de Lisboa. Todos acabariam, no entanto, por ter o mesmo fim a partir da década de 1960: o encerramento, porque a cura para a tuberculose começou a passar pelo tratamento em ambulatório. No caso do Sanatório Albergaria, as obras pararam pouco depois de começar, ainda em 1919 e por falta de verbas. Culpa da crise que o país atravessava, acabado de sair da I Guerra, e culpa do crash de Grandella, o principal acionista e que acabaria por falir. O edifício ficou inacabado até aos dias de hoje e Grandella acabou por morrer em 1943, na languidez da Foz do Arelho. Rosa Ramos – Portugal in “Jornal I”

Sobre Francisco Maria de Almeida Grandella leia aqui

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