Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

terça-feira, 10 de julho de 2018

Macau – Inaugurada exposição “Alter Ego”

Fotografia: Eduardo Martins


“Alter Ego”, ou o encontro da diversidade artística chinesa e da lusofonia em Macau com curadoria de Vhils e Pauline Foessel. A mostra dos 27 artistas lusófonos, chineses, de Hong Kong e Macau espraia-se por seis espaços da cidade e pode ser visitada até 9 de Setembro. Pensada como um percurso, a primeira paragem proposta pelos curadores é o Museu de Arte de Macau, onde está patente “O Eu”

Os mestres do Ocidente esculpidos em papel por Li Hongbo. O labirinto de bambu de João Ó e Rita Machado. As fotografias que retratam a jovem geração de Hong Kong por Wing Shya. A série fotográfica de Mauro Pinto que desvenda as casas do bairro moçambicano de Mafalala. Os retratos de Herberto Smith que se transformaram no seu álbum de família. Os rostos esculpidos por Alexandre Farto (Vhils) que funcionam como metáfora para a perda de individualidade no mundo urbano. O encontro de linguagens, técnicas e artistas aconteceu ontem no Museu de Arte de Macau (MAM), primeira paragem no percurso pensado por Pauline Foessel e Vhils, que se dá pelo nome de “Alter Ego”. “Nós procuramos um tema que fosse capaz de criar diálogos entre todos estes países e diferentes culturas. Descobrimos que este tema – Alter Ego – podia, de facto, representar estas conexões, pontes e trocas”, enquadrou Pauline Foessel, co-curadora de “Alter Ego”, durante a visita à exposição.

Mafalala, o bairro “onde praticamente Moçambique inteiro se encontra”

Fotografia: Eduardo Martins


Mauro Pinto apresenta em Macau a série vencedora do BES Photo 2012, “Dá Licença”, captada no bairro moçambicano de Mafalala que é, nas palavras do artista, “onde praticamente Moçambique inteiro se encontra”. “Normalmente num país onde há várias religiões há sempre separação, mas nesse bairro não há e parece uma nova religião que existe no mundo. Ao mesmo tempo são pessoas pobres, mas eu quis dar dignidade a este bairro, mostrar que ser pobre não quer dizer que perde a dignidade”, explicou Mauro Pinto.

O processo, que começou em 2011 e terminou no ano seguinte, foi para o artista “um trabalho fotográfico muito forte sem saber o que teria do outro lado”. De porta em porta ia batendo, sempre à espera de um “sim, pode entrar” que lhe abria as portas de casas que fotografava assim como as encontrava. “A maneira como eu comecei a fotografar foi interessante para mim, foi ouvir o bairro, como é que o bairro funciona, como é que lidam entre eles e o próprio bairro é que me deu o título que é ‘Dá Licença’”.

O albúm de família do Herberto Smith

Mais de 80 fotografias de pequena dimensão, como que a obrigar a uma aproximação do público, compõem o corpo de trabalho apresentado por Herberto Smith. São, na sua maioria, retratos de desconhecidos que têm como missão pôr no mapa as franjas excluídas da sociedade. “No início eu tentei mapear a exclusão da área urbana. [Estas pessoas] vêm das áreas marginalizadas e eu tentei pô-las no mapa dos media. Mesmo em Lisboa consegues ver pessoas negras mas não sabes onde vivem porque elas não têm acesso à cidade”, explicou o fotógrafo.

Ao fotografar estas pessoas, Herberto Smith conta que com elas foi desenvolvendo relações de proximidade e, por isso, diz que o trabalho apresentado é o seu “álbum de família”. “Depois de eu ter começado a conhecer pessoas eu descobri que quando ficas demasiado próximo de alguém transformas-te nessa pessoa. Agora, este trabalho não é sobre o outro, é também sobre mim. É como um álbum de família”.

Globalização vs. Identidade

Na sala escura descobrem-se três rostos iluminados por uma luz pulsada e ritmada que, explica Vhils, servem como metáfora para a perda de identidade do ser humano no espaço que ele próprio criou. “O que eu procurei com este trabalho foi uma espécie de confronto entre as cidades e o processo de globalização que vem com o modelo de cidade e a nossa identidade humana que era tão particular há centenas de anos e, hoje em dia, as coisas tornam-se cada vez mais e mais semelhantes. Em nome do nosso conforto estamos a esquecer-nos do que nos tornava particulares em cada ponto do mundo”. Porém, sublinha o artista, este trabalho não é uma crítica mas sim uma reflexão sobre como a globalização se confronta com a identidade de cada indivíduo e como cada um é afectado por esta uniformização. “Muitas das tensões que temos no mundo vêm deste equilíbrio entre aquilo que somos e qual é o impacto de tudo isto”.

Esculturas que se alongam como acordeões

Fotografia: Eduardo Martins


Explica Li Hongbo que o seu treino começou como o de qualquer outro artista chinês, a desenhar esculturas de mestres do Ocidente. “Comecei por desenhar e pintar muitas destas esculturas e descobri que isto desencadeou a minha forma de pensar”. Do desenho passou para a escultura, mas o meio permaneceu o mesmo – o papel. É uma série de esculturas em papel de mestres ocidentais que se desdobram como um acordeão, voltando subitamente a assumir a sua forma original, que Li Hongbo traz a Macau. A acompanhar os bustos esculpidos em papel, o escultor trouxe também uma peça que representa as duas dimensões do seu trabalho. Ocupando duas paredes, uma escultura espraia-se e emaranha-se em si própria, enquanto a outra, igual à primeira, se mantém a um canto no seu formato fechado.

Os mestres do bambu transformados em mestres de tai chi

João Ó e Rita Machado continuam a exploração do bambu mas, desta vez, com o enfoque nos trabalhadores. A instalação labiríntica que recebe o público na entrada da exposição é acompanhada, mais à frente, com três projecções dos mestres de bambu. “Estas pessoas são os mestres de bambu e nós criámos uma ligação entre estas posições e o tai chi. Para nós, as posições, os movimentos são bastante semelhantes. Se tirarmos o bambu temos a oportunidade de ver apenas as posições e esquecemos que existe a estrutura”, explica Rita Machado.

Na entrada da exposição João Ó e Rita Machado plantaram o que chamam de “instalação imersiva”. “É nesta espécie de submersão espacial entre o exterior e o interior que nós estamos interessados e esta é uma das muitas facetas com as quais tentamos explorar os andaimes de bambu. A ideia é que consigas ter uma experiência dos sentidos ao poder tocar, e explorar. É esta a ideia da instalação”, explica João Ó.

A Hong Kong decrépita e decadente, mas também irreverente e extravagante, numa produção altamente pontuada por néons e que pretende representar a jovem geração daquela cidade. É o que apresenta Wing Shya com a série “Sweet Sorrow”, da qual uma parte se encontra em exposição em “Alter Ego”. “Esta é uma nova série sobre a nova geração de Hong Kong, esta nova geração que está sempre no telemóvel e online”, explicou Pauline Foessel.

“O poder cria um distúrbio que sempre atinge os mais fracos”

Gonçalo Mabunda ainda se lembra da arma que o primo um dia lhe levou para casa. Era uma KM47, Gonçalo tinha apenas sete anos e vivia-se a guerra civil moçambicana. Recorda-se daquele primeiro impacto com material bélico pelo peso que este comportava para o corpo de uma criança. Até aí, admirava os militares e aspirava a tornar-se um. A partir daí, percebeu o peso da guerra. Hoje, Gonçalo Mabunda trabalha com armamento da guerra civil moçambicana, o mesmo que havia de matar o seu primo, que ainda não se esgotou nos mais de 20 anos que com ele trabalha.

“Neste momento trabalho com tronos e máscaras. Quando falo de tronos e máscaras tento retratar o que é a globalização, o mundo em geral. Com máscaras falo sempre da falsidade das pessoas, com os tronos falo como as pessoas, quando querem chegar ao poder, usam as armas. O dinheiro, o poder, cria sempre um distúrbio que sempre atinge os mais fracos”, explica o artista, cujas obras integram a exposição “Choque Cultural”, patente na Galeria de Exposições Temporárias do IACM, ao Ponto Final.

Ao transformar material bélico em peças de arte, Gonçalo Mabunda pretende devolver ao Ocidente material feito para o seu povo se matar num objecto para ser admirado. “O meu país é pobre, como é que tem tantas armas? A maior parte das armas vem do Ocidente para as guerras todas que estão em África. O meu pensamento é: ‘Vocês fazem as armas para nos matarmos, eu trago para te dar o prazer para teres uma como obra de arte”.

“Quando ando nas ruas gosto sempre de focar nas caras das pessoas”

Abdel Queta Tavares apresenta em “A Estética da Diversidade” – parte integrante da exposição “O Outro”, patente no Edifício do Antigo Tribunal – uma série de fotografias que pretende representar a diversidade do seu corpo de trabalho. “Com este trabalho quero transmitir as personalidades das pessoas. No meu trabalho consegues ver uma albina, um rapaz com vitiligo, uma europeia branca a utilizar os padrões africanos. Também tem aqui um choque cultural, uma mistura”, explica o artista ao Ponto Final.

E quem são as pessoas que escolhe fotografar? “São pessoas que eu encontro nas ruas, algumas pessoas são meus amigos. Elas me inspiraram e acabei por entrar em contacto com eles”, explica. “Quando ando nas ruas gosto sempre de focar nas caras das pessoas porque a cara diz muito. Elas sempre me transmitem uma mensagem e automaticamente acabo por criar ideias na minha cabeça de como será a sessão fotográfica com eles”.

Naquela que é a sua estreia asiática, Abdel Queta Tavares afirma não se focar apenas na fotografia de moda mas criar um encontro também com a fotografia de arte. “Eu não estou focado só na área da fotografia de moda, também estou focado na fotografia de arte. Tento sempre misturar as duas coisas, por exemplo, na moda africana, é arte das mulheres usarem o turbante. Faz parte da arte e, ao mesmo tempo, faz parte da moda porque é a moda deles”, explica o fotógrafo. Catarina Vila Nova – Macau in “Ponto Final”

Fotografia: Eduardo Martins


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