O
que significa acordo marítimo sem precedentes entre Austrália e Timor-Leste?
A
história do pequeno estado na região asiática, Timor-Leste, tem sido marcada
pela luta constante na segunda metade do século XX. Porém, parece que apenas
hoje as exigências e necessidades deste país lusófono começaram a ser ouvidas
pelos seus vizinhos. A Sputnik explica como Díli conseguiu vencer na dolorosa
disputa territorial com a Austrália
O recente acordo assinado entre Timor-Leste, vítima de longa ocupação estrangeira e guerra civil, mergulhada em litígios marítimos com seus vizinhos gigantes, como a Austrália, foi uma surpresa para muitos, pois finalmente falou a favor das reclamações timorenses. Propomos fazer uma breve retrospectiva do conflito e analisar as perspectivas da realização do documento celebrado.
Uma
das nações independentes mais jovens no mundo
De fato, Timor-Leste é um dos
Estados mais novos no globo por ter obtido sua independência apenas no século
corrente, em 2002. O caminho da luta nacional pelas suas terras, recursos e
poder soberano tem sido tão espinhoso que levou até a um inédito genocídio que
durou por mais de duas décadas.
Por mais de 100 anos, o país
esteve sob domínio português na sequência de longas disputas dos portugueses
com os holandeses por territórios coloniais na Ásia. Na época, Timor-Leste era
a região mais atrasada de todos os territórios possuídos por Lisboa, o que
influiu, em grande parte, no seu futuro pós-colonial.
Entretanto,
vale ressaltar que na história timorense existiram outras
"metrópoles", ou, mais corretamente dito, potências
"ocupantes", como são chamadas pelos residentes locais. Assim, ainda
em 1941, Timor-Leste foi ocupado pelas tropas australianas sob pretexto de o
defenderem da invasão japonesa (foi, contudo, devolvido ao governo de Salazar
após o fim da Segunda Guerra Mundial), enquanto a Indonésia recém-independente,
que recebeu a parte ocidental de Timor, começou a se interessar pela parte
restante da ilha, o que também influenciou sua consequente trajetória.
Após o triunfo da Revolução
dos Cravos, Timor-Leste, da mesma forma que as colônias portuguesas na África,
obteve a chance de construir seu próprio Estado soberano, porém, ainda tardou
muito até que Díli o fizesse. O problema é que a Indonésia, que evidentemente
não queria ver um regime nacionalista de esquerda no poder, logo iniciou a
ocupação do país vizinho. Sua "vida" independente durou apenas 9
dias, até que as tropas indonésias se instalassem no território e o
proclamassem como sua província.
Existem inúmeros fatos que
apontam para as atrocidades cometidas contra a população local na parte
oriental na ilha (foram mortos cerca de 20% dos habitantes), justificados pela
chamada luta contra a "peste comunista", ou seja, o movimento de
esquerda que defendia as ideias nacionalistas no país.
Deste modo, Timor Leste viveu
a segunda época de colonização, muito mais esmagadora que a portuguesa e que
alguns especialistas até comparam com o regime do Khmer Vermelho de Pol Pot no
Camboja. Apenas em 2002, após um período transitório de vários anos, Díli
finalmente ganhou sua independência. Entretanto, as disputas com os vizinhos
continuavam pendentes…
Sem
recursos para prosperar
Contudo, após ter obtido a
independência, a luta timorense pelo seu bem-estar não acabou. Naturalmente, o
país estava em uma condição muito vulnerável dadas as décadas de resistência;
ademais, carecia de recursos naturais para incentivar um desenvolvimento
econômico, ao menos a ritmos humildes.
E
qual foi a razão para isso? Esta se enraíza, de novo, na concorrência das
grandes potências vizinhas, nomeadamente a Austrália e Indonésia, pelas ricas
jazidas de petróleo e gás no mar de Timor. Em resultado, as autoridades
australianas formalmente reconheceram a autoridade timorense sobre a sua parte
da plataforma continental para exploração, porém, descartaram seu direito, como
Estado soberano, de definir o leque de parceiros internacionais neste processo.
Para mais, a Austrália fez
questão de acordar que as partes não recorressem a instituições internacionais
para resolver o litígio ao longo dos próximos 50 anos, o que, de fato, deixou
Timor-Leste cara a cara com um gigante regional que possuía o pleno controle
das questões críticas para a própria sobrevivência de Timor-Leste como Estado.
Passados vários anos, também
marcados por tumultos nas camadas governantes timorenses, as duas partes
finalmente conseguiram sentar-se à mesa de negociações, por mais inédito que
pareça. O processo de divisão das fronteiras marítimas levou onze intensas
rodadas de conversações durante 19 meses, mas acabou em 7 de março com um
resultado inesperado para muitos céticos.
Avante
para um futuro luminoso?
Pois, muitos achavam que tal
acordo levaria ainda muitos anos para ser celebrado, se algum dia o fosse.
Contudo, apesar de todas as dificuldades, o documento sobre a exploração da
jazida Greater Sunrise acabou por ser assinado, prometendo um ímpeto forte para
a frágil economia timorense.
Estima-se
que o valor total da respectiva plataforma atinja os US$ 50 bilhões (mais R$
160 bilhões).
O
documento, celebrado na sede das Nações Unidas em Nova York pela chanceler
australiana, Julie Bishop, e o vice-premiê timorense, Agio Pereira, já foi
qualificado pelo secretário-geral da ONU, o português António Guterres, como um
exemplo da "eficácia da lei internacional na resolução pacífica de
disputas".
Vale ressaltar que se antes,
quando obteve sua independência em 2002, Díli possuía apenas 18% das receitas
da Greater Sunrise, na sequência do novo tratado sua parcela pode se elevar até
80%, o que certamente proporciona grandes esperanças para a prosperidade do
povo timorense.
Na verdade, a parcela
destinada a Díli em conformidade com o acordo não tem precedentes e, caso seja
eficientemente realizada, garantirá o muito esperado "boom" econômico
para um país mergulhado em conflitos internos e externos. Entretanto, ainda
restam dúvidas e ameaças que poderão travar o tão desejado avanço.
Uma delas é a possível
tentativa da Indonésia de intervir na inesperada divisão de fronteiras. Jacarta
e Canberra sempre tiveram relações difíceis no que se trata do assunto e por
muitas décadas tentaram evitar a revisão dos respectivos territórios, porém,
alguns especialistas indicam que o recente acordo pode "fazer a bomba
detonar". In “Sputnik” - Brasil
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