Uma
empresa especializada em engenharia naval está a relançar as competências
portuguesas na projecção e construção de navios. Dois projectos de ferries para
um armador escocês, construídos em Glasgow, parecem prová-lo. E contribuem para
o crescimento sustentado da empresa
Até ao final deste ano ou
início do próximo, a empresa Vera Navis deverá concluir e entregar o projecto
de detalhe e construção de dois ferries
para transporte de passageiros e mercadorias encomendados pelo estaleiro
escocês de construção naval Fergusson Marine Engineering Limited (FMEL),
situado em Glasgow.
De acordo com Pedro Antunes,
Director e um dos fundadores da empresa, a participação neste projecto tem sido
particularmente importante para a Vera Navis, quer no plano financeiro –
representa um encaixe estimado de 800 mil euros -, quer em ternos do seu desenvolvimento
orgânico – permitindo-lhe um salto evolutivo relevante.
O projecto tem ainda a
particularidade de se destinar à construção, pela primeira vez no Reino Unido
(nos estaleiros da FMEL, em Glasgow), de ferries
dotados de propulsão mista (a gás natural liquefeito, ou GNL, e a marine gas oil, ou MGO) e para operarem
entre portos escoceses, sob a propriedade do armador Caledonian Maritime Assets
Limited (CMAL).
Participam igualmente no
projecto outras empresas, com outras especialidades, como a TTS, a Kongsberg e
a Wartsilla. A cargo da Vera Navis ficou o plano tridimensional, os planos de
construção e a “coordenação para o detalhe de estruturas, sistemas de redes de
fluídos e gás, modelo de ventilação e ar condicionado e rede eléctrica e
esteiras”, conforme já divulgado na Revista de Marinha.
Segundo apurámos,
originalmente, o projecto destinava-se a dois navios iguais, mas posteriormente
evoluiu para dois projectos distintos, com diferenças ao nível das estruturas e
dos sistemas. O orçamento inicial também evoluiu, de cerca de 650 mil euros
para o valor estimado actualmente. Em Novembro, recorda a Revista de Marinha, a
primeira destas embarcações, a Glenn
Sannox, foi posta a flutuar, o que não significa que esteja concluída.
O conceito dos navios é o de
embarcações com 102 metros, capazes de transportar até mil passageiros e 127
veículos “ou 16 HGV’s ou uma combinação de ambos”, refere o site oficial da
Vera Navis. Sendo que HGV’s (heavy goods
vehicle) designa veículos para transporte de carga pesada. A boca é de 17
metros e a velocidade até 16 nós.
Consta ainda do mesmo site que
“os ferries serão capazes de operar
numa faixa de calados e velocidades para atender aos requisitos precisos do
operador actual CalMac Ferries Ltd, e serão capazes de servir uma vasta gama de
portos e rotas, sem significativo desenvolvimento nos seus esperados mais de 30
anos de vida útil”. Ali se diz também que “para garantir que as novas
embarcações podem operar nas condições exigentes da costa oeste da Escócia, o
design vencedor da FMEL incorpora uma elevada redundância melhorando a sua
fiabilidade e a capacidade”.
De acordo com Pedro Antunes, o
que permitiu à empesa aceitar o projecto foi a percepção “de que não ia ser tão
intenso como parecia”. Trata-se de um projecto para requerer cerca de 20
pessoas durante pouco mais de um ano, mas tratando-se de um projecto para mais
de dois anos, como acabou por ser o caso, as mesmas 20 pessoas são
disponibilizadas, mas de forma mais distribuída no tempo.
Crescimento
sustentado
A Vera Navis tem hoje uma
equipa de 20 pessoas, das quais cerca de 50% são engenheiros navais, possuindo
ainda engenheiros de outras especialidades (aeroespacial, química), todos
provenientes do Instituto Superior Técnico (IST), e é, porventura, a principal
empresa do país vocacionada para a sua actividade que, tal como se refere no
seu sítio oficial, combina serviços de arquitectura naval, engenharia naval,
software de design e construção naval e supervisão.
A empresa nasceu em 2009, pela
mão de Pedro Antunes e Luís Batista, “no rescaldo de uma empresa que tinha sido
formada com um sócio norueguês na véspera da crise do mercado naval”,
referiu-nos Pedro Antunes. Em 2009, os dois fundadores tornaram-se fornecedores
de serviços de uma ferramenta de desenho naval.
Hoje, são revendedores do
software canadiano Shipconstructor para a Península Ibérica, tendo-se tornado
os responsáveis pela sua implementação e formação dos seus utilizadores na
Europa, e têm outro sócio (uma empresa francesa, que é a representante europeia
do software), mas entre os dois detêm mais de 50% da empresa.
Conforme explicam no seu sítio
oficial, este software é “dedicado à modelação e desenho de detalhe de
estruturas, encanamentos e aprestamentos de navios”, correndo “em ambiente AutoCad”
e é o único “no mercado com uma integração total na mesma base de dados das
diversas especialidades do navio”. Todos os outros softwares do género “têm a sua informação fragmentada”, ao
contrário deste, referiu-nos Pedro Antunes.
A partir de 2010 começaram a
ter projectos para embarcações de 10 e 15 metros e a empresa foi crescendo e o
projecto para a Escócia acelerou o processo. “Estávamos a recrutar, em média,
uma pessoa por ano, nos primeiros cinco anos, e agora, só este ano, já
recrutámos cinco pessoas”, admitiu Pedro Antunes. Agora, “importa estabilizar”,
referiu-nos o fundador.
O mesmo responsável admitiu ao
nosso jornal que, antes deste projecto, a empresa já tinha tido convites para
outros trabalhos, maiores do que este “e até de valores superiores”, mas que se
tivessem sido aceites, “iam correr mal” por falta de massa crítica. Agora foi o
momento certo para um trabalho desta dimensão, que é o de maior valor alguma
vez encomendado à Vera Navis. Só por si, representou um volume de negócios
equivalente a cerca de 60% do total realizado desde sempre pela empresa.
De acordo com Pedro Antunes,
tem sido seguida uma estratégia sustentada para os recursos humanos, e por
consequência, para o rumo da própria empresa. “Penso que a equipa está a ficar
forte”, referiu-nos, acrescentando que deseja uma “equipa compacta, versátil e
com alguns seniores”. “Neste momento, temos um mercado que, apesar da sua
incerteza, não coloca a equipa em risco”, reconheceu.
Depois de um ano de 2016 com
um volume de negócios invulgarmente alto, a empresa deve fechar 2017 com um
volume de negócios de 650 mil euros (o ano ainda não está fechado) porque foram
deferidos proveitos, dado que o contrato prevê pagamentos independentemente das
entregas. E a previsão para 2018 é a de um volume de negócios a rondar os 800
mil euros, “o que consideramos positivo”, admitiu-nos Pedro Antunes.
Quanto aos elementos mais
antigos na empresa, “temos que os colocar a tomar conta dos seus próprios
projectos e quando isso acontecer, damos por concluída a primeira fase da
empresa, que é a da batalha técnica”, esclarece Pedro Antunes, numa referência
ao facto de Portugal estar a retomar competências técnicas de construção naval
que se foram perdendo ao longo dos últimos anos. A ponto de Portugal ter ido ao
Reino Unido, outro país que perdeu tradição naval, partilhar o seu
conhecimento, via Vera Navis.
“Nós queremos, no período de
dois, três ou quatro anos, formar mais um especialista”, até porque é difícil
ir recrutar um sénior ao mercado. Em Portugal, após concluírem o curso de
Engenharia, os recém-formados “ou vão para o estrangeiro, onde se tornam
especialistas numa área e não numa empresa tão pequena como a nossa”, nem com
as expectativas salariais próprias de Portugal, ou “ficam cá e muito
rapidamente deixam de ser engenheiros e tornam-se gestores de qualquer coisa”,
refere o fundador da Vera Navis.
O mesmo responsável considera
que, nesta área, “os seniores que existem Portugal não são seniores em
Engenharia, são seniores, já não fazem Engenharia desde o IST”, pelo que
integrá-los na empresa é o mesmo que nada. “Têm uma expectativa salarial face
ao que de facto conseguem entregar que é totalmente irrealista”, referiu-nos
Pedro Antunes, adiantando que na Vera Navis “evolui-se de baixo para cima”.
Por isso, a empresa opta por
recrutar no país, desde cedo, para ir formando as pessoas durante anos e ir
crescendo. E admite que importa remunerar bem a equipa, para a manter. “Estamos
a tentar dar o máximo de condições a quem está cá para não irem embora, porque
ninguém quer ir para a Escócia, a não ser que paguem muito bem”, afirmou Pedro
Antunes ao nosso jornal.
Mercados
O projecto escocês serve
também para ilustrar que a empresa não perde de vista o mercado externo. E
nesse plano, a Noruega, o Reino Unido e a França, por esta ordem, têm sido os
principais mercados, sendo-o também em termos globais da empresa. Pedro
Antunes, admite no entanto que este projecto pode tornar o Reino Unido no
principal mercado e que em 2018 Portugal pode ultrapassar a França como
terceiro principal mercado da empresa.
Em Portugal, a Vera Navis tem
alguns clientes importantes, com destaque para o Grupo ETE. Pedro Nunes
sublinha também que desde 2009, ano da criação da empresa, esta sempre registou
alguma facturação em Portugal. Mas admite que se só dependesse do mercado
nacional, a empresa não teria mais de dois elementos. Noutras ocasiões também
já foram prestados serviços à Navalria e aos Estaleiros de Viana do Castelo,
antes da fase West Sea. A empresa foi também consultada por ocasião da
aquisição de um novo navio científico pelo Instituto Português do Mar e da
Atmosfera (IPMA), que acabaria por ser o Mar
Portugal.
Questionado sobre a
diversificação do mercado externo da empresa, designadamente, para fora da
Europa, para a Ásia ou o Extremo Oriente, Pedro Antunes apenas considera, por
agora, a possibilidade da América do Norte, e aí refere-se essencialmente ao
Canadá, “que investiu na Marinha e tem um programa de revitalização dos
estaleiros”. Já os Estados Unidos são um mercado suficientemente extenso por si
só, com algumas regras proteccionistas (no caso da construção para cabotagem,
por exemplo) e reservas de informação quando está em causa um projecto militar.
Fora deste quadro, noutros
mercados, “os negócios são muito politizados, com clientes que exigem muita
capacidade financeira e política e alguma capacidade técnica”, refere. E
conclui, sublinhando que no que respeita à capacidade técnica, a Vera Navis
possui-a, deixando no ar a resposta às outras capacidades.
Face à influência do mercado
britânico na carteira de negócios da empresa, coloca-se a questão de saber se o
Brexit terá impacto na actividade da Vera Navis. Admitindo que esse é um tema
sobre o qual ainda pairam muitas incertezas, Pedro Antunes esclareceu-nos que
já foram equacionados vários cenários.
Um dos cenários implica a
desvalorização da moeda britânica, o que torna a Vera Navis mais dispendiosa
sem ter feito nada para isso. “Isso pode ser um problema”, reconhece. Outra
possibilidade é a eventual necessidade de sub-contratação do Reino Unido na
construção naval, se não adquirirem capacidades entretanto. E nesse caso,
“estamos na corrida” e, no limite, “podemos equacionar instalar lá uma
delegação, se se justificar”.
De uma coisa Pedro Antunes
parece não duvidar: “vai haver um recrudescimento da indústria naval no Reino
Unido por causa do Brexit”. Na sua opinião, alguns estaleiros terão aí uma
oportunidade de ter trabalho. In “Jornal da Economia do Mar” - Portugal
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